2007/04/13

Engenharias (3)

NO MESTRE ESCAMA: SNR. ENGENHEIRO

- O senhor engenheiro, hoje não engraxa?
- Engraxo na Baixa.

Alexandre O'Neill
(in "Uma Lisboa Remanchada")

Porquê a Ota?

imagem retirada daqui
Os poderes nacionais já ultrapassaram a fase de nos querer convencer de que é preciso um novo aeroporto em Portugal e de que ficaremos inevitavelmente afastados da "Europa" sem estas duas faraónicas obras. Quando falo em poderes englobo todos: Governo, oposições, comunicação social, parceiros socio-económicos.
Ambas estas obras são consideradas dados adquiridos e o que se discute são a localização e o traçado.
No entanto vale a pena lembrar que a Ota e o TGV são obras que inegavelmente vêm ao arrepio do afirmado esforço de contenção de despesas públicas (como se soube recentemente este esforço tem sido mais efectivo no campo das despesas de investimento do que nas de consumo corrente, as quais continuaram a crescer).
Então porquê todo este afã em levar para diante estes projectos?
A coisa prende-se com o modelo de desenvolvimento que queremos para o nosso país. Até agora o sector da construção civil é uma espécie de barómetro do que cá se passa: quando o sector está em crise, o país está em crise; quando está próspero o país está na maior e as pessoas optimistas. A gente habituou-se a viver assim...
No entanto é um sector que, do ponto de vista do produto que fabrica (casas, prédios, pontes, estradas) não é, em grande parte, reprodutivo: as casas servem para habitar e não são factores de produção. São-no indirectamente as vias de comunicação; directamente só as instalações fabris.
Como se sabe a construção civil vive actualmente uma época de crise, em que o parque habitacional já é excessivo para as necessidades, o que acarretou descidas significativas das margens, até agora tantas vezes especulativas.
O Governo teria agora a grande hipótese de separar águas: deixava o tão incensado mercado funcionar, não deitava a mão ao sector, as empresas não lucrativas morreriam por si; o que necessariamente implicaria a deslocação de pessoas e capitais para outros sectores. Safar-se-iam as empresas que se projectaram no mercado externo e fazem, com os seus técnicos e a sua tecnologia, obras noutros países, e as que se adaptassem ao mercado menos atractivo (dá mais trabalho, exige maior especialização e sensibilidade e não produz lucros tão elevados), mas agora tão urgente, do restauro das centenas de milhar de habitações degradadas (tantas delas património que urge não deixar morrer) e a precisar de intervenção.
Está-se mesmo a ver isto acontecer em Portugal!
O problema até nem reside tanto no grave abalo social que isto acarretaria: centenas de falências, milhares de desempregados a onerar ainda mais o parco pecúlio da Segurança Social.
E os autarcas e cliques respectivas? E os partidos políticos que compõem os orçamentos com os sacos azuis?
Vamos devagarinho nisso da escolha de um modelo de desenvolvimento mais exigente em termos de qualificação das pessoas e da tecnologia.
Por agora, venham as Otas, que ainda é tempo de otários.

2007/04/12

No rescaldo de Sócrates

Creio que foi o próprio Primeiro Ministro a referir (não sei se com ironia...), que a questão da sua sua licenciatura é um não-problema. Concordo com ele neste ponto. Este exercício a que nos obrigaram chegou a ser penoso. Pergunto eu: alguém está disposto a investigar ou a deixar-se investigar pela forma como obteve os seus diplomas? Algum desses jarrões que decoram a política portuguesa estará de facto disposto a expor perante os olhos de todos os Portugueses a forma como obteve os seus graus académicos? A confessar todas as passagens administrativas e os "canudos" vendidos no Rossio...?
Houvesse neste País a cultura do rigor, da honestidade e do primado do mérito e, de facto, nada disto teria sido notícia. Mas, alguém quer acabar de facto com o pântano? Não será a desonestidade o desporto nacional?
Só há um culpado nisto tudo: são os Portugueses, a sua generalizada estreiteza de vistas e a sua mesquinhez.
Se não fosse o culto da "cunha", se não fosse o culto doentio das aparências, dos "doutores", "engenheiros" e "arquitectos", deste gene de corrupção que parece fazer parte do DNA dos portugueses, nada disto seria notícia. Há muito que as instituições estariam acima de qualquer suspeita, há muito que o processo que conduz ao desempenho de cargos públicos seria enxuto e transparente, há muito que estaria instituido o culto do mérito, da solidariedade e da partilha.
Assim, como estamos, como tudo está preso por arames, à mínima brisa, ao mínimo problema estalam "crises" que, se não fosse o seu carácter profundamente trágico, só dariam para rir.
Desconfio profundamente das "crises" à Portuguesa. Pelo modo como vão as coisas, tudo indicia que por trás da denúncia de uma potencial falcatrua, estará certamente uma falcatrua em potência.
Neste momento, batemos no fundo. Chegados a um ponto em que a vida de todos nós acaba por ficar presa pela cadeira de "Inglês Técnico" do Primeiro Ministro, o melhor seria escolher, uma de duas: ou fazermos como as baleias e suicidarmo-nos colectivamente, ou procedermos a uma liquidação total e mudarmos de ramo...

2007/04/11

Ainda Sócrates

Valham-nos os blogs. Apetece-me deixar aqui uma ou duas notas sobre a questão do momento. Faço-o antes de ir para o ar a entrevista do primeiro-ministro, sem saber, naturalmente, como se vai ele sair dela.
Os jornais acusaram o primeiro-ministro de querer comandar a agenda política (whatever that means...) e de querer exercer pressão sobre alguns orgãos de comunicação, pressão que eles repudiaram. Olhando para a expectativa que rodeia esta sua presença na televisão, definida, situada e fixada por ele, nos termos que bem lhe apeteceu, temos de concluir que Sócrates já ganhou. Perante as acusações dos jornais, o primeiro ministro responde deixando a atenção do país (e dos jornais...) inteiramente presa a si. Os jornais saem batidos deste confronto. Hoje, mais do que nunca, é Sócrates que define a agenda dos jornais. Nem é preciso pressionar...
O único verdadeiro receio que toda esta questão poderia suscitar --o único verdadeiramente legítimo, o programa político do governo, a credibilidade deste e a do seu principal responsável para o cumprirem...-- vai ser, em resultado das motivações e da forma como todo este processo foi orientado, dissipado com maestria. Não tenho quaisquer dúvidas. Sócrates não vai à RTP para perder...
Convencidos que hoje vale tudo para vender papel e que se pode brincar impunemente com o fogo, os jornais prestaram-nos mais um mau serviço. Não há um único orgão de informação que saia daqui sem mácula. Mais um feito notável para assinalar na sua folha de serviço. Depois queixam-se da crise da imprensa.
Os problemas do país seguem dentro de momentos...

2007/04/10

engenharias (2)

As recentes declarações do ministro Mariano Gago, sobre o famigerado caso da licenciatura do primeiro-ministro, agora ex-engenheiro e ex-MBA, José Sócrates, vieram tornar mais complicada uma novela, já de si pouco edificante. Para aumentar a confusão, o "Público" de hoje publica documentos insuspeitos, que exigem explicações claras. Seguem-se, um debate na televisão, não por acaso intitulado "O silêncio de José Sócrates" e, climax final, as declarações do próprio, anunciadas para quarta-feira, dia 11 de Abril. Tudo leva a crer, que não ficaremos por aqui. Que mais se seguirá?
Depois do "apito dourado", será que vamos ter um "canudo dourado"?

2007/04/08

Os orfãos do Iraque

Uma reportagem do Telejornal da RTP 1 de hoje (domingo de Páscoa) mostra a situação lancinante dos orfãos do Iraque. São milhares, cinco mil só em Bagdad, têm perfeita consciência da sua situação e choram. Choram e alguns cantam para consolar os seus companheiros de infortúnio. É uma situação, verdadeiramente, dramática, que me fez chorar (não tenho qualquer rebuço em o confessar), a mim também, enquanto ia vendo as imagens.
Aqui está uma faceta da tragédia do Iraque que não ocupa, infelizmente, lugar habitual nos alinhamentos dos telejornais. Chamem-me ingénuo, mas creio que se passassem estas imagens todos os dias, em vez das imagens dos Rumsfelds, Bushs ou Condoleezzas, dos atentados, dos soldados americanos e ingleses e dos seus dramas, ou (já que estamos em época pascal...) as imagens recorrentes daqueles patetas filipinos que, anualmente, decidem crucificar-se, estou certo que este sofrimento muito terreno, terrivelmente real e infinitamente injusto dos orfãos iraquianos encontrava uma solução em três tempos.
O jornalista diz que os milhares e milhares de crianças que não encontram abrigo nos orfanatos existentes (na sua maioria superlotados e sem meios) se dedicam ao roubo, à mendicidade, ou, remata ele, são alvo fácil dos movimentos radicais...
"Roubo... mendicidade... Alvo fácil dos movimentos radicais!"
E de uma assentada, claro, a culpa de tudo isto, está bom de ver, passa a ser dos "movimentos radicais"... Consciente ou inconscientemente, o jornalista rematou com uma conclusão totalmente deturpadora o assunto que decidiu reportar.
Já agora, como nota acessória, gostava de ouvir as vozes dos movimentos "Pela vida", que votaram "Não" no recente referendo sobre a IVG, erguerem-se com veemência contra tudo isto.