2007/04/19

A última que me mandaram


representatividades (2)

O fenómeno não é novo e muito menos original. Quando a economia cresce, há pouco desemprego e é necessária mão-de-obra (de preferência barata) contratam-se trabalhadores estrangeiros para suprir as faltas do mercado. Quando a economia estagna, as obras param e as empresas deslocam as fábricas para outras paragens, fica o desemprego. Com este cresce a exclusão e a marginalidade social. Com a marginalidade aumentam a agressividade e a violência gratuitas, normalmente dirigidas contra os mais fracos da sociedade. Há que encontrar um "bode expiatório" para as nossas frustrações. Os estrangeiros são sempre mais apetecíveis. Se a estes factores, já de si explosivos, juntarmos a ignorância, o racismo e o fundamentalismo, com raízes na Inquisição e no Fascismo que atravessaram a maior parte dos últimos quatrocentos anos em Portugal, temos reunidos os condimentos necessários para explicar o actual surto de xenofobia. Já vimos este filme em qualquer lado e nem sempre acabou bem. A recente detenção de membros de um partido, que perfilha ostensivamente o ideário nazi, pode ser visto como uma prevenção, mas não é em si uma segurança. Melhor seria não existirem. Uma vez que existem, não resultará proibi-los. Mas convém monotorizá-los. Para não dizermos, depois, que não sabíamos...

2007/04/18

Ainda o Campeonato da Língua Portuguesa

Ex.ma Comissão Técnico-Científica do Júri Nacional do Campeonato Nacional da Língua Portuguesa,

Sinto-me como aquele sujeito que, tendo sido uns meses antes sodomizado por um gorila, respondendo à pergunta sobre se estava magoado, se queixava: "Claro que estou magoado; ele nem sequer se dignou mandar-me um postalzinho!"
De facto, essa douta Comissão não achou por bem responder aos argumentos que evoquei quanto a algumas respostas não coincidentes com as correcções aos testes do Campeonato, que enviei em sucessivas mensagens por correio electrónico e que dou aqui por reproduzidas.
Como não me conformo com essa ausência de respostas, tomo agora a liberdade de alvitrar, eu próprio, uma resposta possível às questões que coloquei, colocando-me na pele dessa douta Comissão.

Ex.mo concorrente
Pedimos desculpa pelo facto de só agora respondermos às questões que colocou, mas, como verá, tal não tem qualquer efeito prático, pois não tem razão em relação a nenhuma delas. Vejamos:

1. Primeiro texto do segundo teste.
Vale a resposta que demos:
«Não merecer castigo em vez de não merecerem castigo.
Porque o sujeito da oração infinitiva é o mesmo de «consideravam discutível», isto é, «eles». Quando assim acontece, o infinitivo é impessoal.»
Quanto ao facto de termos admitido prevaricarem em circunstâncias idênticas umas linhas mais abaixo, o mesmo não é relevante pois quem está aqui a ser avaliado são os concorrentes e não nós.
2. Quanto à pergunta 24 do segundo teste, se tivéssemos reparado na contradição entre a gramática e o dicionário de referência, não a teríamos colocado. Mas o que é facto é que, por se tratar de uma questão de sintaxe, o que vale é a gramática de referência, a qual estabelece que não existe a primeira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo imergir. Não tem, pois, qualquer relevância que o dicionário de verbos do Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora admita a forma "imirjo", pois este só prevalece "para avaliar a exactidão da grafia das palavras" (art.º 12, ponto 1 do Regulamento).
3. Em relação à pergunta 14 do terceiro teste, mais uma vez o que vale é o dicionário de referência, no qual está escarrapachado «Coloquial dar tanga a (alguém) divertir-se à custa de (alguém)». É certo que tanga aparece como sinónimo de mentira em todos os dicionários de calão credíveis; mas num concurso como este o dicionário de referência é como uma bíblia inquestionável, mesmo que esteja errado e, assim, engane os concorrentes (isto é, lhes dê tanga).
4. Quanto à pergunta 15 do terceiro teste, os concorrentes não teriam mais que adivinhar o que vai na cabeça dos elementos que compõem esta Comissão e não o contrário (isto é, termos nós de nos submeter àquilo que passa pelas vossas cabecinhas). Então não é óbvio que quando nos deparamos com a frase «Ele é distraído, se não parvo», o que se quer dizer é «Ele é distraído, mas também parvo»? Só ao caro concorrente, é que poderia ocorrer interpretar a frase como «Ele é distraído, se não for parvo»!
Nesta conformidade, o caro concorrente não acederá ao Olimpo dos finalistas, antes tendo de se conformar com o choro e ranger de dentes dos excluídos.
Mas não desista; tente para o ano!
Pela nossa parte tentaremos entretanto corrigir os erros de português do Regulamento e prometemos escolher uns textos menos desconchavados e sem erros de lógica.
A Comissão Técnico-Científica

Estão a ver como era fácil?

Com respeitosos cumprimentos.

Raul Afonso Queirós Pinheiro Henriques

2007/04/16

A voz

Hoje, não sei se sabem, celebra-se o Dia Mundial da Voz. Tenho imenso orgulho na minha voz. E respeito pelas vozes dos outros. A voz diz tudo sobre o seu dono. Embora tenha um fascínio especial pelas vozes mais que pelo aspecto dos outros, concordo que há por aí muitas vozes de burro. Curiosamente, muitas chegam mesmo ao céu. Um céu a evitar, portanto, a todo o transe, esse céu dos burros.
Aprecio sobretudo este fenómeno dos blogs que dão voz a pessoas como eu, que de outra forma teriam de calar a sua. Seja ela mais fininha ou mais potente, toda a gente tem a sua voz neste universo dos blogs. Embora reconheça que, em muitos casos, são mais as vozes que as nozes. O pior é que fora desse universo, estamos assim: há para aí muita gente que tenta abafar a nossa voz engrossando a sua. Mas a nossa --a minha e a vossa, leitores deste blog-- engrossa ela também e floresce com a possibilidade de se exprimir livremente. Muitos destes que falam grosso gostariam que a nossa voz não fosse tão audível, mas os seus desígnios sairão inevitavelmente frustrados.
A nossa voz é, antes de tudo o mais, a voz da resistência.
Há que ter cuidados com a voz, dizem os entendidos neste Dia Mundial da Voz.
Eu acho que o único cuidado possível é nunca calar a nossa, nem abafar a dos outros. Dentro das regras. O resto é conversa.

2007/04/15

A bombeira voluntária

imagem daqui
Um dia aquela a quem eu chamo minha mãe não conseguia andar. Os anti-inflamatórios, tomados durante alguns dias, pareciam não estar a induzir melhoras e o médico assistente recomendou radiografias para se ver se havia alguma fractura.
Ambulância para lá, e horas de espera entre preenchimento de fichas, observação por médico de serviço ao banco do hospital, RX, constatação de que, felizmente, não havia qualquer fractura, chamamento da ambulância para o regresso, mais uma hora de espera.
Eis-nos dentro da ambulância, com um bombeiro a conduzir e uma simpática bombeira a acarinhar a minha mãe e a falar comigo. E se ela falava!
Quando tal se tornou evidente, percebeu-se também o sentido autocrítico dela:
-- Espero que isso não os incomode, mas adoro falar; e falo pelos cotovelos. Estou nos bombeiros, mas o que eu gosto é de estar com as pessoas. Ainda hoje de manhã, numa acção de formação sobre incêndios, me procurei esconder e passar despercebida. Tenho colegas que vêm para cá para combater os incêndios, mas eu fujo do fogo como o diabo da cruz. Alguns dos meus colegas acham que é um frete sair na ambulância, mas eu sou a primeira a oferecer-me. É por isso mesmo que eu estou aqui; porque nestas saídas estou com as pessoas, ajudo-as, falo com elas, aprendo, vivo. E quando não falo directamente ponho a conversa em dia no meu blogue. Também aí falo com as pessoas; falo eu e elas respondem, e volto a falar e os outros a falar comigo. Tenho sempre coisas para dizer.

Dizem que o nosso país não atingiu um patamar de riqueza suficiente para haver estímulo para o voluntariado. Cruzei-me outro dia com umas estatísticas que constatavam estarmos um abismo abaixo da média europeia também neste aspecto.
Aquela mulher de uniforme vermelho, oferecia alegremente o seu sábado para conversar com as pessoas que precisam de ajuda. É tão raro as pessoas darem sem pedir nada de material em troca, que isso me estimulou a prestar-lhe aqui esta modestíssima homenagem.
Bem aventurados sejam os voluntários!

A canção de Lisboa


Esta foi a última que me mandaram...