2007/06/09

Internet e mexerico

Um artigo recente do New York Times aborda a questão da informação divulgada por via electrónica, vis-à-vis os velhos métodos do boato, da coscuvilhice ou do mexerico. Citando um trabalho de Dan Ryan, do Mills College, chamado "Getting the Word Out: Notes on the Social Organization of Notification" o articulista chama a atenção para a quantidade de informação que recebemos diariamente via internet. A maior parte da informação transmitida desta forma, não sendo propriamente irrelevante, não observa as regras implícitas na transmissão da informação de forma tradicional: oportunidade, interesse, cortesia e, sobretudo, a inclusão. Este último ponto é interessante. Nos tempos da coscuvilhice pura e simples, nota o jornalista, a divulgação de uma qualquer informação junto de um grupo que nos é próximo (amigos, colegas, familiares) estabelece desde logo uma hierarquia e uma relação de inclusão ou exclusão desse grupo. Certas informações quando partilhadas assumiam um carácter quase ritualístico ou iniciático. Quem tinha acesso à informação era "nosso" e quem dela era excluído era "deles". O receptor e o transmissor estavam unidos pela criação de uma certa teia de cumplicidades.
Hoje transmitimos toda a espécie de informação a todos, em qualquer altura e em qualquer lugar. Revelamos, sem pudor, tudo a toda a gente. As mensagens de email são frequentemente enviadas sem critério para a nossa "lista de contactos e os blogs funcionam por vezes como um mostruário quase libidinoso de sentimentos que preferíamos não conhecer. Enviamos sms's contendo informação cujo conteúdo pretende distinguir, diferençar ou discriminar, mas fazêmo-lo de forma, chocantemente, "industrial". Muitas vezes essa informação não solicitada revela-se inoportuna e, não raro, causa mesmo graves prejuízos. Há uns tempos um amigo meu teve de aceder ao próprio servidor de correio do seu prestador de serviço de internet como resultado de um problema com a sua caixa de correio electrónico que teve consequências sérias no plano profissional. A sua conta de correio electrónico ficou totalmente bloqueada por causa de um "filme" enviado por alguém de que resultou a perda do seu correio profissional.
O autor deste artigo do NYT nota que "qualquer mensagem contém outra mensagem na forma como é transmitida."
Se assim é, o que estamos quase todos a dizer uns aos outros por via electrónica é que nos estamos nas tintas.

2007/06/08

fervoroso

Visto e ouvido na televisão: interrogada sobre os motivos que teriam levado o "seriall killer" português (António Costa do seu nome) a cometer tais actos, respondeu uma vizinha: "Eu nunca desconfiei dele. Como podia desconfiar de uma pessoa assim? Era sempre tão simpático, tão amigo de ajudar...além disso era católico, Um católico fervoroso". Adoro o adjectivo. Tão português. Os "seriall killers" anglo-saxónicos são, normalmente, apelidados de "monstros", os francófonos de "perversos", os portugueses são "fervorosos". E católicos, já agora...

2007/06/07

A imigração em Londres

Um dos assuntos dos jornais de Londres nos útimos dias anda à volta do projecto de alguns ministros do actual executivo inglês em fazer uma "revolução de cidadania". A proposta da secretária das comunidades, Ruth Kelly e do ministro da imigração, Liam Byrne mereceu o aplauso do PM indigitado Gordon Brown.
Consiste ela em, no futuro, a cidadania plena vir a depender dum somatório de créditos obtidos a partir do tempo de permanência no país, de investimentos substanciais feitos no Reino Unido, de passar em testes de inglês, de demonstrar conhecimento do Reino Unido, de participar em voluntariado civil e de viver de acordo com a lei. Um sistema de pontos para aquisição da cidadania daria créditos por estes desempenhos, aos quais seriam deduzidos pontos por comportamento anti-social.
A preocupação é, segundo o ministro, «ajudar [os imigrantes] a compreender os valores dos britânicos e o seu modo de vida»; e acrescenta: «precisamos de tornar mais claro que a cidadania não é simplesmente oferecida, mas é alguma coisa que se conquista».
Do lado dos indígenas, e para tornar o programa mais universal, também houve a preocupação de exaltar o orgulho patriótico, propondo-se a distribuição de um dossiê de cidadania a todos os nacionais que atinjam a idade de votar. Por outro lado, lançou-se a ideia de criar um dia nacional do Reino Unido; por mais estranho que pareça os britânicos não têm o equivalente ao 4th of July (dia da independência dos EUA), ou ao 14 Juillet dos franceses (tomada da Bastilha).
O problema reside na consciência que há de que a integração dos imigrantes não é feita da melhor maneira. Tal constatação tornou-se mais clara para os britânicos a partir dos atentados de 7/7; pessoas que pareciam ser cidadãos plenamente integrados revelaram-se bombistas atentando contra a vida dos seus pares.
Ora a paranóia nunca é boa conselheira. Este caso é mais um em que os políticos são tentados a resolver os problemas por decreto. Em vez de trabalhar as condições de recebimento e integração, dificulta-se o ingresso através de processos que, na tentativa de serem "objectivos", acabam por, objectivamente, dificultar a integração dos imigrantes.
Receio bem que, em vez de integrar, os bifes venham, caso esta proposta passe, a criar ainda mais hostilidade entre os imigrantes. A somar à que já existe, sobretudo após a desastrada tentativa de impor a democracia no Iraque pela força das armas.

2007/06/04

Novo aeroporto

Confesso que esta questão do novo aeroporto já me cheira mal. O nível e os timings da discussão são suficientes para deixar qualquer pessoa em estado de desespero. Extrair quaisquer conclusões sobre tudo o que se vai ouvindo, parece-me tarefa absolutamente vã.
Não há ninguém que se safe em todo este processo.
Uns porque nos querem atirar poeira para os olhos fazendo-nos crer que participam nesta discussão por motivos altruístas, por estarem preocupados com o País, com a ecologia, etc e tal. Como se numa obra desta envergadura eu acreditasse que os interesses financeiros em confronto não são os únicos a ditar lei. Só haveria uma única maneira de eu acreditar que esta discussão é minimamente séria: se todos estes figurões que se pronunciam sobre tudo isto fossem obrigados a assinar uma declaração de interesses, como as que os políticos em funções são obrigados a fazer.
Outros porque levaram a discussão para um nível que me faz lembrar as conversas de café à segunda feira, depois de um fim de semana de bola. Se a reflexão sobre o novo aeroporto se situa apenas no plano em que todos, imprensa, governantes, oposição, técnicos e as diversas organizações da sociedade civil teimam em se manter, sou levado a acreditar que tudo isto não passa de uma gigantesca acção de promoção do filme "Conversas da Treta." Deixo à vossa imaginação a tarefa de adivinhar quem é o Toni e quem é o Zézé...
Por mim, cada vez que se "descobre" mais um argumento a favor ou contra o novo aeroporto, contra ou a favor desta ou daquela localização, cada vez que ouço estas figuras patéticas a debitar, com ar convicto, mais uma alarvidade qualquer sobre este assunto, mais fico persuadido que este país só tem mesmo uma daquelas saídas que propus aqui há uns tempos, que volto aqui a recordar de forma cada vez mais convicta: ou fazemos como as baleias e suicidamo-nos colectivamente, ou procedemos a uma liquidação total e mudamos de ramo...

Ritornello

Para quem não saiba, "Ritornello" é (era) o nome de um dos poucos programas de qualidade da RDP/Antena 2.
Jorge Rodrigues, o locutor e responsável do programa, foi dispensado e, com ele, terminou o "Ritornello".
Dispensado é uma forma airosa de dizer despedido, o que vem a dar no mesmo.
A acreditar na versão de Jorge Rodrigues, a "dispensa" está relacionada com a sua recusa em assinar um contrato de trabalho de 2006, com data de Maio de 2007. Antes de assinar o contrato, Jorge Rodrigues enviou-o ao seu advogado para este avaliar da sua validade. Normal. Eu faria o mesmo.
Porque não gostaram da decisão, os seus superiores despediram-no. Com ele acabou um dos melhores programas de cultura e música da RDP.
Jorge Rodrigues trabalha há doze anos na Rádio e é um profissional conceituado e respeitado na sua profissão. O seu programa, atestava-o. A rádio portuguesa está mais pobre e os ouvintes de rádio de qualidade, também.
Já vi este filme em qualquer lado. O guião é o mesmo. A responsabilidade é a mesma:
A incompetência (dos serviços do estado) e a prepotência do estado (neste caso, do governo PS).
Mais um triste episódio a acrescentar à lista das pequenas grandes coisas.

Os jovens e a surdez

A perda de audição é um problema que, a mim, me aflige particularmente. Tenho-a estudado e tento manter-me informado sobre as reflexões que sobre esta matéria se vão fazendo. Na década de 60 um estudo feito sobre o problema da perda de audição devida ao envelhecimento (a chamada presbiacúsia) deitou abaixo uma série de ideias feitas que até então eram aceites e que ainda hoje as pessoas dão como verdadeiras. O otologista americano Samuel Rosen conduziu um estudo comparativo entre o povo Mabaan do Sudão e habitantes de Nova Iorque e concluiu que a audição de um jovem nova-iorquino de vinte anos equivalia a um velho Mabaan de setenta. O estudo é bastante complexo e envolve a análise de um leque vasto de variáveis e não vou aqui, naturalmente, entrar em grandes detalhes. Mas, a conclusão era esta. A razão: os jovens nova-iorquinos estavam sujeitos a níveis de ruído ambiente elevadíssimos.
Estamos perante uma doença da civilização, a que normalmente se não presta nenhuma atenção. Só damos pelo problema quando perdermos a audição e se corta um elo absolutamente crucial que nos liga ao ambiente que nos rodeia. A presbiacúsia não é uma fatalidade como muita gente crê e na atitude passiva e negligente, talvez mesmo criminosa, de muita gente mais velha vejo as raízes de um mal que vai afectar as gerações futuras.
Hoje os jornais referem declarações do otorrinolaringologista António Nobre Leitão. Diz ele que "ultimamente tem-se verificado, especialmente nos jovens e jovens-adultos portugueses, um forte aumento de traumatismos sonoros, provocados pela exposição prolongada a níveis elevados de sons, que é irreversível e pode levar à surdez." Na origem de tudo isto estará a exposição prolongada aos intensos níveis sonoros das discotecas, dos festivais e dos aparelhos de reprodução de música portáteis.
A surdez profissional é já, salvo erro, a primeira doença profissional em Portugal. Se juntarmos a isto a mais que previsível perda de audição precoce de uma parte significativa dos nossos jovens podemos facilmente adivinhar um futuro sombrio. Surdos que nem portas... Triste fim.

O tempo em Londres

É a primeira vez que estou em Londres com bom tempo.
A cidade espraia-se em habitantes de roupas coloridas pelas ruas. Das que conheço é de longe a cidade mais cosmopolita. Etnias, nacionalidades, línguas, tudo se mistura numa algaraviada de corpos e de sons nos múltiplos mercados de rua dos fins-de-semana.

Gostava de poder mostrar-vos os “cromos” que se vêem pelas ruas nesta altura em que os londrinos desabrocham com a presença do sol; mas as fotos, momentos de imagem sem o resto dos sentidos, nunca são capazes de transmitir senão uma aproximação da realidade. No caso dos cromos, mesmo para essa imagem limitada da realidade, seriam precisas tantas fotos que, mesmo que eu as tivesse, não caberiam neste blog.
Assim, e por falar em tempo, não agora do tempo climatérico, mas do outro, dou-vos uma imagem do tempo em Portobelo Road, no mercado de sábado.

Não longe daqui, situa-se a pastelaria dos portugueses, onde se podem encontrar autênticos pasteis de nata; uma casa que ostenta um nome que não dá para acreditar. Vejam na foto:

2007/06/03

Lição oculta?

A zona onde moro fica a cerca de 15 quilómetros de Lisboa, e a um escasso quilómetro da praia de Carcavelos. Esta zona era até há uma meia dúzia de anos quase rural. Nessa altura, havia aqui uma enorme seara e um pinhal. Um rebanho vinha pastar diariamente e da minha varanda assistia-se, frequentemente, ao nascimento dos cordeiros.
Quando o tempo começava a aquecer, por entre a aveia e, depois da ceifa, por entre o restolho, cresciam as papoilas.
Depois vieram as escavadoras, as britadeiras, as betoneiras e outras "oras" e "eiras" e num ápice fomos brindados com uma via rápida e um novo bairro que obrigou ao corte integral dos pinheiros e tapou integralmente a antiga seara. Foram vários anos de um sofrido calvário, feito de poeira, de manobras de enormes máquinas e de barulho. Não é difícil imaginar...!
As papoilas essas, pelos vistos, ficaram e despontam de novo por entre a calçada à portuguesa dos passeios entretanto construídos, como a foto mostra.
Não saberão os moradores do novo bairro o que se passava nos terrenos onde agora estão implantadas as suas casas. Não saberão que estas papoilas são velhas habitantes desta zona e teimam, de forma caprichosa e vistosa, em renascer. Mesmo por entre paralelepípedos. Não saberão que estas papoilas guardam memórias antigas.
Quem sabe se este renascimento não resultou, justamente, da vontade destas papoilas nos quererem transmitir essas memórias e, com isso, ensinar-nos uma lição...