2007/06/30

Bufaria

A recente "deriva totalitária", que parece ter atacado os governantes deste país, pode não passar de um momento de histeria individual de alguns dos seus ministros, mas começa a incomodar. Desde logo, os processados, principais vítimas desta política de "bons costumes", suspensos a torto e a direito segundo o famigerado princípio da alegada "falta de confiança". Depois, os restantes cidadãos que, à esquerda e a direita, ainda têm alguma memória de um regime que não querem ver de volta. Neste quadro, as críticas do principal partido da oposição (ainda que justas) carecem de moralidade, pois o seu curriculum não será muito diferente das práticas da actual maioria.
Há no entanto algo de mais profundo e preocupante em todas estas histórias de punição de funcionários que nos deve alertar: trinta e três anos depois da queda de um regime que alicerçava muito do seu poder numa vasta "rede de informadores", existe uma nova geração de "bufos", disposta a retomar a famigerada tradição. Por não acreditar que estamos em presença de uma herança genética, temo que estes maus hábitos tenham mais a ver com o clima de intimidação reinante, do que com cidadãos portugueses normais. Olhando para trás, observamos que os "picos" de intolerância sempre se verificaram em épocas de maioria absoluta. Foi assim no Cavaquismo, que durou dez anos e teve a sua "deriva totalitária" no segundo mandato; e parece acontecer agora, durante a primeira maioria socialista. Já sabíamos que quem se metia com o PS "levava" (Jorge Coelho "dixit"); mas começar a "dar" ao fim de dois anos e meio de legislatura, é obra! Ele há vícios difíceis de extirpar. A intolerância e o autoritarismo são alguns deles e não têm, como já se percebeu, a ver com ideologias. Muito menos partidárias. Wilhem Reich, num notável ensaio intitulado "A psicologia de massas do fascismo" (1933) já explicava porquê. Esquecer a história (não ter memória) pode ser fatal. Os governantes do PS deviam ler mais livros.

2007/06/27

Anuários

Foram dados a conhecer recentemente dois anuários que analisam duas importantes instituições portuguesas: o futebol profissional e as câmaras municipais.
O Anuário das Finanças do Futebol Profissional 2005-2006, de autoria da Deloitte, diz preto no branco que o futebol é um actividade deficitária, em crescente queda, com um nível de endividamento excessivo, falta de capitais próprios e uma diminuição de receitas. Estas são as conclusões a que a Deloitte chega relativamente ao futebol. Endividamento excessivo, défice subavaliado, incapacidade de cumprimento das obrigações perante os fornecedores e dependência excessiva do estado central são algumas das conclusões a que chega o último Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses, referente a 2005.
E, no entanto, o futebol é uma actividade com um invulgar peso económico relativo, quando é tida em conta a população e o PIB. No caso das câmaras municipais sabemos que a dívida não ultrapassa 25% do activo. O que quer dizer que as câmaras são viáveis. Em Lisboa, por exemplo, temos ouvido com frequência este mesmo argumento para justificar a possibilidade de governar a CML apesar do défice absolutamente obsceno.
O futebol é viável mas é deficitário, as câmaras são viáveis, mas deficitárias são. Ambas as instituição são altamente deficitárias e muitas estão falidas.
Já há muito que diversas figuras vêm chamando a atenção para as ligações perigosas entre o futebol e as autarquias. Ora aqui está matéria adicional que parece dar ainda mais força a esta opinião. Tanto as autarquias como o futebol são universos fechados, expostos directamente ao escrutínio dos seus "súbditos", sem grandes mediações, nem controlo externo significativo. Ambas são pasto fácil para o mais desbragado populismo e oportunismo. E ambas são encaradas como ferramenta para os maiores desmandos, onde vale literalmente tudo. Aí poderá residir mesmo a essência da perigosidade desta ligação entre as autarquias e o futebol. Só falta conhecer o anuário da indústria de construção civil...
Défice e falência são as palavras dominantes dos anuários referidos. Mas, nada disto deixará, estou certo, envergonhados os responsáveis pelos clubes ou pelas autarquias (alguns até acumulam...) que deixaram chegar a situação das instituições que dirigiram ou dirigem a este estado. E também não parece deixar-nos, a nós todos, à generalidade dos cidadãos, envergonhados. Os deuses do futebol continuam a ser venerados e os sacerdotes do santo município continuam a receber o dízimo.
Ou é o contrário?

2007/06/26

Ventriloquismo

Olhamos para as sucessivas histórias, historinhas e historietas em que o senhor Berardo tem estado envolvido nestes tempos mais recentes, ouvimos a sua linguagem, a substância de todos esses episódios e assalta-nos a dúvida se não estamos perante o número do ventríloquo.
Será difícil a qualquer português ter uma opinião positiva sobre Alberto João Jardim. O seu comportamento pessoal e político é conhecido. Ele faz tudo para mostrar que não passa de um mau comediante. Creio que ninguém porá isso em dúvida e que o desiderato do senhor Jardim foi plenamente atingido. Aqui há anos o senhor Jardim imaginou com arrojo que poderia colocar termo à sua carreira insular e atacar o continente. Ouvimo-lo ameaçar com uma candidatura a um lugar político de expressão nacional, mas o senhor Jardim deve ter compreendido rapidamente que o melhor era ficar-se pela ameaça. A ideia deve, contudo, ter ficado a germinar na sua cabeça...
Somos agora brindados com a presença persistente deste conterrâneo de Jardim. Mostra em muitos aspectos do seu comportamento a sua raíz e, nesse seu comportamento, uma estranha similitude com o responsável máximo da Madeira.
O que fará então correr assim o senhor Berardo? Será delegação de competências?
Uma coisa é certa: esta flor saída do jardim do senhor Jardim não é, tal como ele, flor que se cheire.

2007/06/25

Arte "Pop"

"Foi um mau negócio. Não é preciso ser universitário para perceber que o valor da colecção é maior daqui a dois anos. Estou nisto pela cultura".

Joe Berardo, comendador

2007/06/24

"Entre Cila e Caríbdis"

Uma crónica de hoje de António Barreto no Público suscita-me algumas reflexões. Devo, desde logo, confessar que concordo, em traços gerais, com a sua substância. Quatro quintos da sua crónica dedica-os Barreto a zurzir no governo por causa da sua alegada "tentativa visível e crescente de tomar conta, orientar e vigiar." Governo que, acrescenta Barreto, "quer saber tudo sobre todos. Quer controlar."
Na origem de tudo isto está uma mal disfarçada necessidade de afirmação de autoridade que se exerce recorrendo a métodos criticáveis.
Numa rápida enumeração destes métodos Barreto cita a lei das chefias da administração pública, o bilhete de identidade "quase único", a criação de um órgão de coordenação das polícias, debaixo do controlo directo do primeiro-ministro, a revisão e reforma do estatuto do jornalista e da Entidade Reguladora para a Comunicação, a lista pública dos nomes de parte dos incumpridores fiscais, o apelo à delação de funcionários, a criação de um ficheiro dos funcionários públicos "com cruzamento de todas as informações relativas a esses cidadãos, incluindo pormenores da vida privada dos próprios e dos seus filhos," e, finalmente, o processo movido por Sócrates contra um bloguista que, há anos, levantou a questão dos "diplomas" universitários do primeiro-ministro. Acrescentaria eu a esta lista a famosa base de dados de ADN, que ainda vai dar que falar...
No quinto final da sua crónica Barreto chama, justamente, a atenção para o facto de praticamente toda a imprensa ter dado enorme destaque à acusação, feita ao "professor de Sócrates," de corrupção e branqueamento de capitais, no caso da construção de uma estação de tratamento de lixo na Cova da Beira. Barreto faz muito justamente notar que "quando as redacções dos jornais não resistem à demagogia velhaca e sensacionalista, quase dão razão a quem pretende colocá-las sob tutela..."
O que nesta crónica, quase sem mácula, se poderia criticar é a proporção na distribuição dos alvos. Sejamos justos: os jornais merecem, pelo menos, tanta crítica quanto o governo. As malfeitorias e os malefícios da actividade de uns e de outros equivalem-se.
Terão passado despercebidas as palavras recentes de Noronha da Costa. Disse o Presidente do STJ que "na verdade, o mercado do lucro colocou a comunicação social entre Cila e Caríbdis, o que nos reconduz à ideia de que a ética bem pouco importa, quando importa garantir a sobrevivência que só o lucro concede."
Quem controla o quê, para quê e em nome de quem, afinal?