2007/07/21

Filhos de um deus omisso

A notícia, discreta, dá conta da criação de um novo "reality show" nos EUA (where else...?) feito por crianças. Chama-se "Kid Nation" e é produzido pela CBS. O objectivo deste programa é o de deixar as crianças por conta própria, resolvendo, sem a intervenção dos adultos, os problemas práticos do dia a dia que resultam desta situação forçada. As câmaras atentas registam as acções desta espécie de micro sociedade em estado quase puro, à qual foi dada esta espécie de autonomia de que as crianças habitualmente não disfrutam. O "Kid Nation" serve para observar, segundo os seus promotores, 40 crianças durante 40 dias enquanto elas tentam construir um mundo novo de raiz...
As câmaras do "Kid Nation" registam objectivos que à superfície até parecem interessantes. Interessantes o suficiente, pelo menos, para investir na produção de um dispendioso programa de televisão. Uma quase experiência científica com tonalidades de exercício pedagógico, a pretender provar que as crianças podem, apesar da sua aparente fragilidade, lidar ou aprender a lidar, individual e colectivamente, com um quotidiano exigente e criar uma nova realidade.
Claro que tudo isto não passa de uma enorme mentira. Estamos perante um caso sério de exploração do trabalho infantil. As crianças eram, segundo relatos dos produtores, acordadas às sete da manhã e filmavam muitas vezes até depois da meia noite. Somas consideráveis de dinheiro foram atribuídas aos "concorrentes" que se iam distinguindo, para ir mantendo a "experiência" no ponto.
A exploração infantil não ocorre apenas naqueles países do costume que as boas consciências, sobretudo a imprensa cobarde, tratam de apontar quando a agenda recomenda. Este tipo de exploração, disfarçado com mais ou menos holofotes e make-up, não é menos brutal. A diferença entre o menino que produz as bolas para o Mundial e o menino do reality show está apenas nos holofotes e no maior ou menor cinismo com que o assunto é analisado.
Já agora, pergunto-me onde andará a Igreja Católica (em particular a americana) nestas alturas... Tão lesta que ela é a meter o bedelho nas escolhas individuais e conscientes de cada um e tão omissa quando se trata de denunciar o que acontece a estes filhos de Deus, em particular! Talvez não tenha oportunidade, é certo, com o tempo que lhe resta depois de andar a resolver as suas escandaleiras internas.
Aguardemos a versão portuguesa do "Kid Nation"...

2007/07/15

Ibéria

O Prémio Nobel português afirma hoje em entrevista ao DN que Portugal será, mais tarde ou mais cedo, integrado em Espanha. Acredito que não existirão janelas suficientes para defenestrar todos os portugueses que concordam com a ideia, fartos do putedo que por aí vai há tanto tempo e da continuada falta de soluções para os repisados problemas com que nos debatemos.
É um assunto complexo que merece um debate desapaixonado.
Claro que a ideia não seria facilmente implementável. Para começar, a promoção desse debate sobre a intergração dos dois países requer uma maturidade política que os espanhóis, provavelmente, não têm e que os portugueses não têm com toda a certeza. É pena.
Retenho contudo uma afirmação de Saramago, em particular. Diz ele que "Quanto à queixa que tantas vezes ouço sobre a economia espanhola estar a ocupar Portugal, não me lembro de alguma vez termos reclamado de outras economias como as dos Estados Unidos ou Inglaterra que também ocuparam o país."
Creio que podemos esperar um ascendente crescente da economia espanhola sobre a portuguesa. E creio também que talvez não tenhamos mesmo alternativa: se um dia quisermos influenciar ou condicionar o modo de funcionamento da economia espanhola em solo português é bem possível que tenha de ser por dentro. A Ibéria talvez seja mesmo a única solução.
Agora desculpem-me, mas vou ali trancar as janelas...