2007/09/27

Os "Fados" do Carlos

Carlos Saura é um autor espanhol de reconhecidos méritos. A atestá-lo estão filmes como "Ana e os Lobos", "Cria Corvos", "Elisa, vida minha", "Depressa, Depressa" ou "Taxi" e "Ay, Carmela!", a maior parte deles realizados durante a ditadura franquista. A partir da década de oitenta, nota-se uma inflexão na sua obra, agora mais centrada em temas musicais de influência flamenca - "Bodas de Sangue", "Carmen", "O Amor Bruxo" - onde já é reconhecível o seu gosto estético ligado à dança. É na década de noventa, no entanto, que Saura se afirma como documentarista de musicais, realizando algumas das suas obras mais populares: "Sevilhanas", "Flamenco" e "Tangos".
Com um currículo destes não é, pois, de admirar, que alguns "iluminados" tenham pensado nele como a pessoa indicada para fazer um filme sobre o Fado. Subjacente a este pensamento peregrino, estava uma candidatura do Fado a "património cultural intangível da humanidade", a apresentar à Unesco em futuro próximo; e a ideia (ainda mais peregrina) de que Saura estava a pensar fazer uma trilogia sobre músicas urbanas (Flamenco, Tango e Fado) pelo que esta era a oportunidade ideal...
Independentemente da Unesco vir, ou não, a considerar o fado "património cultural intangível" (não considerou o Tango, por exemplo) não consta que Saura, alguma vez, tenha posto a hipótese de fazer um filme sobre o Fado. Percebe-se porquê: não é a sua cultura, o fado é uma canção de texto (pouco apelativo em termos estéticos), não tem muitos nomes conhecidos internacionalmente e, dificilmente, é um tema que apaixone os patrocinadores. Resta, ainda, a questão do Flamenco ser uma música urbana, tema sobre o qual os especialistas se dividem.
Os nossos "experts" não se atemorizaram e vai de convidar o homem. Para o convencer, trouxeram-no a Lisboa, puseram-no a ouvir fado nas baiucas de Alfama e da Mouraria, ofereceram-lhe discos e livros, fizeram-lhe uma "lista" de "fadistas incontornáveis" e trataram de arranjar o dinheiro para a "encomenda", que estas coisas não se fazem de graça, não é verdade? Nas palavras de um responsável, "deram-lhe mesmo um verdadeiro curso intensivo". Quem poderia resistir a tal "charme"?
Desde logo foram anunciados os nomes "sonantes": Carlos do Carmo, Mariza e Camané (os cantores), Ruy Vieira Nery (consultor científico), Carlos do Carmo (consultor musical), Eduardo Serra (director de fotografia) e o próprio Saura, apoiado por Ivan Dias (produtor) no "guião". A Câmara Municipal de Lisboa, o Turismo de Lisboa e a TVI, apoiaram a iniciativa com 1 milhão de euros e o restante (2 milhões) foi conseguido através do programa Media-Europa e de Espanha (TVE, Turismo Espanhol, etc...). Aparentemente, tudo bem. Restava, fazer a "obra".
Acontece que, nestas coisas, os produtores "não brincam em serviço" e, naturalmente, exigem contrapartidas. As filmagens, previstas para Lisboa, foram transferidas para Madrid (por razões de produção); o director de fotografia (o prestigiado Serra) abandonou o projecto, depois de fazer algumas tomadas de "vista" de Lisboa; parte significativa dos nomes sugeridos, não foi utilizada e, em seu lugar, foram convidados os "sonantes fadistas": Chico Buarque, Caetano Veloso, Lura, Lilla Downs e Miguel Poveda...Como o fado não tem "dinâmica", o realizador lembrou-se de animar as cenas em que cantam os estáticos fadistas (Marceneiro, Camané, etc....) com corpos de baile espanhol, nomeadamente no "dueto" entre o flamenco Poveda e a fadista Mariza. O quadro, de resto, chama-se mesmo Fado-Flamenco (?). Desconhecia o género, mas uma pessoa está sempre a aprender...
Que mais posso dizer, que a prosa já vai larga? Bom, que como filme de "world music" é perfeito. Provavelmente, o melhor jamais feito sobre a música da "Lusofonia". E esse é o seu mérito. Por isso vai "vender" bem. Também é, esteticamente, um bom filme (mas isso já sabíamos de obras anteriores do realizador) com alguns bons momentos, precisamente aqueles em que o fado vale por si, ou seja: sem artifícios.
Um filme sobre o Fado, para divulgá-lo e apoiar a candidatura à Unesco? Parece-me risível e ninguém de bom senso vai deixar-se influenciar por tal produto comercial. Um bom musical, com muita dança à mistura e alguns nomes sonantes, não fazem um bom filme de fado. Um equívoco, pois.
Resta a dúvida, levantada por um crítico argentino na televisão portuguesa: "Será que Saura, gosta de fado?"

Santana Lopes 1- SIC Notícias 0

Soube hoje por um jornal on-line que Santana Lopes abandonou uma entrevista que estava a dar na SIC Notícias. Por uma vez Santana Lopes (personagem com quem nem sequer simpatizo) esteve bem.
Mas, atenção: eu estou melhor ainda ! Não vi o programa e não vejo televisão. Já há muito que "abandonei" as entrevistas, os entrevistadores, os entrevistados, os "canais de notícias" e os "generalistas", os "pivots" e as dentaduras deles, os jornalistas e o as técnicas de marketing... perdão de comunicação.
Não foi uma atitude inusitada, nem desproporcionada, a minha. Foi.