2008/01/12

Turismo Infinito

De vez em quando temos a oportunidade de ver um daqueles espetáculos que nos agarram, sem um momento de abrandamento, sem quase termos tempo de respirar. "Turismo Infinito" é uma produção do Teatro Nacional de S. João encenada superiormente por Ricardo Pais, que está manifestamente nesta categoria.
Um espetáculo construído a partir de textos de Fernando Pessoa que mostra como se pode produzir um objecto teatral de luxo e de grande intensidade e densidade dramatúrgica tendo sobretudo como matéria prima um enorme rigor e uma grande conjugação de talentos. Rigor e talento, aquilo que, simultaneamente, é necessário e falta a grande parte do teatro que se vai vendo por aí...
Destaque para o trabalho dramatúrgico de primeira água de António M. Feijó, para o soberbo grupo de actores e para o espetacular trabalho de voz, para o vigoroso dispositivo cénico de Manuel Aires Mateus, para o desenho de luz sensível de Nuno Meira, para os excelentes figurinos de Bernardo Monteiro e, muito em particular, para o precioso design sonoro do Francisco Leal.
O espetáculo vai estar no TNDMII até 26 de Janeiro, no Teatro Municipal de Faro, no dia 1/2 no Theatro Circo de Braga, no dia 15/2 e no Teatro Aveirense no dia 22/2. Não percam!

O feitiço virou-se contra o feiticeiro

Numa primeira leitura, as reacções à escolha de Alcochete para instalação do novo aeroporto são, pelo seu tom geral, de regozijo pela "derrota" do governo. Pois eu acho que nesta altura o Primeiro Ministro deve estar a sorrir e a dizer para si "gosto deles porque são tenrinhos!"
Anteriormente o governo e o partido do governo iriam ter apenas um grupo eternamente agradecido --o grupo da Ota-- pelo progresso que a decisão lhes iria proporcionar. Agora vão ter dois grupos: o já citado grupo da Ota e o novo grupo de Alcochete.
De um dia para o outro perspectiva-se a transformação da margem sul de deserto em zona próspera. Os proprietários, comerciantes, autarcas e a generalidade da população dos concelhos onde o aeroporto vai ser implantado e dos concelhos limítrofes exultam unanimemente com o súbito e fácil enriquecimento. No que respeita à Ota e envolvente, é uma certeza que irão ser benficiados com novos projectos para compensar a alteração dos planos. Em breve os seus tímidos protestos irão ser devidamente calados... E um dia, se as contas forem feitas, se calhar, até se vai provar que beneficiaram mais sem o aeroporto do que beneficiariam com o aeroporto, já que novos investimentos lhes irão cair no regaço, sem danos colaterais. Sem que tenham, designadamente, de suportar a clara degradação da qualidade de vida que a construção da nova infraestrutura iria provocar.
Toda a gente fala no enorme alcance de um projecto desta natureza, dos benefícios que irá trazer para o país, para a Europa, para o Universo! Mas esquecem-se de mencionar o impacte profundamente negativo que um aeroporto tem na vida das populações locais. Os moradores da avenida do Brasil, da Gago Coutinho ou de Alvalade que o digam... Toda a gente diz que se "habitua", mas estes "hábitos" são adquiridos à custa de adaptações do corpo que têm efeitos profundamente perturbadores. Há também muitos estudos sobre tudo isto, senhores engenheiros!
Os únicos verdadeiros beneficiários de um aeroporto são os passageiros, que só sofrem os efeitos perniciosos de uma instalação deste tipo temporariamente e vão de seguida à sua vida. De resto, toda a gente que trabalha num aeroporto, ou é obrigada a ter de conviver com ele, sofre na pele as consequências deste acto profundamente anormal que é o de pôr o Homem a voar...
E as populações que pensam que isto é uma viagem de borla que se acautelem. Não me espantaria se daqui a uns anos os mesmos patetas que andaram a espalhar camelos pela margem sul a favor da opção Alcochete, viessem a colocar orelhas de burro pela ridícula forma de luta que escolheram.
O governo, como dizia, sai de tudo isto francamente por cima. Calou os contestatários e tem hoje uma posição muito mais forte em todo este processo, com muito mais gente "atenta, veneradora e obrigada". Neste pressuposto, e no plano político, o tiro saiu inteiramente pela culatra aos mentores desta inaudita operação. A menos que tenham terrenos na margem sul...
Se conclusão há a tirar é que ninguém ficou esclarecido do que quer que seja quanto à bondade de uma ou de outra opção. Num plano estritamente técnico e depois de ouvidas as justificações dadas e a linguagem cautelosa usada, eu, por mim, tenho mais dúvidas hoje do que nunca! Todo este processo me pareceu, neste aspecto, sempre uma enorme palhaçada, digna deste Portugal que temos hoje. Agora tenho a certeza!
Ah!, já agora falando em certezas e lembrando uma declaração do actual Presidente da República de há anos, quando era Primeiro Ministro, esperemos que desta vez se não tenha mesmo enganado e que este não tenha passado de um daqueles raros momentos em que tem dúvidas...

2008/01/09

Sócrates não é fascista

Sócrates não é fascista. Sócrates não é autoritário. Sócrates não é demagogo. Sócrates não é mentiroso. Sócrates não é burro. Burros são os portugueses que votaram em Sócrates.

O Ovo de Sócrates

O governo não vai referendar o Tratado de Lisboa. Já se sabia. Como também já era conhecida a promessa do partido socialista em referendá-lo (está escrito no seu programa eleitoral). Confrontado com a pergunta elementar dos jornalistas (porque faltou Sócrates à promessa eleitoral?) o primeiro-ministro deu uma resposta que não lembrava a Colombo: "Não referendamos porque não se trata do mesmo texto. Quando nos comprometemos era o Tratado da Constituição, agora é o Tratado de Lisboa".
Clinton, o Bill, também declarou há anos que não tinha tido sexo com Mónica Lewinsky. Ou melhor, fez sexo oral, mas nos Estados Unidos sexo oral não é sexo. Sócrates inventou mais um ovo.

2008/01/08

Conselhos eslovenos

O esloveno Janez Jansa, presidente da União Europeia em exercício, veio ontem publicamente desaconselhar José Sócrates a referendar o Tratado de Lisboa. Jansa pensa mesmo que "não seria sensato realizar um referendo em Portugal". Extraordinário. Lê-se e não se acredita. Já não bastava o "nosso" primeiro-ministro andar a tentar enganar o "pagode" com o tabú do referendo, ainda tínhamos de ouvir um esloveno a meter-se na política interna portuguesa! Independentemente da decisão que Sócrates vier a tomar, este episódio revela bem o medo que se apossou de Bruxelas e o conluio dos dirigentes europeus durante a cimeira de Lisboa. Logo agora que a maioria dos estados membros acordou aprovar o Tratado nos respectivos parlamentos, é que Portugal pensa referendá-lo! Que falta de sensatez, devia ter pensado Jansa...
Melhor seria que guardasse os seus conselhos para o Kosovo, pois vai ter de explicar à Sérvia e à comunidade internacional, a razão da proclamação unilateral da independência de uma provincia que é parte integrante de um país independente e soberano.