2008/11/11

Está provado: chegámos à Madeira!

Ouvimos hoje Miguel Mendonça, o Presidente da Assembleia Legislativa da Madeira, dizer que ia pressionar o Presidente da República no sentido de ser criada uma lei que lhe permita, a ele ou a quem o vier a substituir, suspender um deputado das suas funções.
Creio que este será mais uma daqueles casos --com que, volta não volta, a Madeira nos decide brindar-- que irá passar sem ser objecto de qualquer reacção por parte dos responsáveis deste país. No entanto, trata-se de uma declaração que me parece ser bastante grave. O Presidente da ALM admite que cometeu uma ilegalidade. O Presidente da ALM confessa que irá "pressionar" um orgão de soberania (que, por acaso, até nem tem poder de iniciativa nesta matéria). O Presidente da ALM pretende a criação de uma lei que lhe dê prerrogativas especiais. Mendonça acha que o seu cargo confere impunidade total para dizer o que lhe apetece. Mas, não reconhece ipso facto essa faculdade aos outros parceiros do jogo. Mendonça cometeu, ele sim, uma ilegalidade explícita, mas diz que dorme tranquilo e que vai pressionar...
Lê-se e não se acredita. Tudo isto se passa no ano de graça de 2008, debaixo mesmo dos nossos olhos e nas barbas do poder! Quem, de boa fé, poderia agora condenar o deputado José Manuel Coelho? Como irão reagir os poderes com capacidade para intervir neste caso a esta ilegalidade cometida pelo Presidente da ALM? Que "novo estilo" pode este tipo de actuação inaugurar?

A síndrome da bola de berlim

Ricardo Costa escreveu no Diário Económico que em Portugal é mais simples conduzir um banco à insolvência, "do que vender uma bola de berlim na praia." Este comentário, dolorosamente verdadeiro, refere-se a um dos desportos a que os portugueses se dedicam com mais gosto: a contradição.
A síndrome da bola de berlim está por todo o lado. O Estado é o agente principal da sua disseminação.
Vejam lá se não é a volúpia da contradição que atrai uma Autoridade Marítima do Sul quando "ataca" o problema das massagens nas praias algarvias como se da causa maior da civilização humana se tratasse. Ou quando a ASAE avança com uma determinação e uma ferocidade verdadeiramente extraordinárias, apreendendo galheteiros, queijos frescos e alheiras. Ou ainda quando as Finanças, usando uma agressividade digna de um camisa castanha, penhoram sem contemplações e em prazo recorde um cidadão que não pagou 50 ou 60 euros.
Vejam lá se não é apenas por contradição que assistimos à actuação feroz desses organismos de Estado, por um lado, quando, por outro, verificamos que por deficiências na instrução dos processos, casos provados, gravíssimos, de prevaricação da Lei têm desfechos verdadeiramente caricatos, como aconteceu recentemente lá para o norte. Ou quando verificamos um inexplicável arrastamento no tempo da intervenção em processos como os do BCP ou do BPN. Ou quando vemos o mais alto magistrado da Nação declarar, sem corar, que aprovou a publicação da nacionalização do BPN "para salvaguardar os depositantes e assegurar o normal funcionamento das instituições financeiras", agora, de afogadilho, depois de anos de consabido funcionamento anormal dessa mesma instituição. Quando é que deixou então de haver vontade para manter o "normal" funcionamento das instituições financeiras e defender os depositantes?
Digam lá se não é por uma uma fé inabalável no princípio da contradição que se baixam as magras regalias de quem trabalha ou se regateia a ajuda mínima aos mais carenciados, mas se encontra dinheiro para compensar --perdão, garantir o normal funcionamento dos bancos que se meteram em apertos. Só faltava mesmo esta: serem os cidadãos a garantir com os seus impostos a credibilidade perdida dos bancos onde têm os seus depósitos... Deve ser isto o capitalismo popular!
E digam lá se não é esta síndrome da bola de berlim que leva determinados sectores da sociedade, civil e religiosa, a derramar lágrimas de crocodilo perante a pobreza galopante, ou a soar alarmes hipócritas por causa dos casos de endividamento "das famílias", depois de anos e anos a cultivar o efémero e a fazer vista grossa à publicidade escandalosa --onde se inclui a publicidade feita por esses mesmos bancos que agora necessitam do dinheiro dos nossos impostos para sobreviver--, destinada justamente a impingir às famílias as ferramentas do seu próprio endividamento.
Gostaria de ver menos fundamentalismo na actuação de certos falsos defensores da virtude pública, mais "tomates" no ataque aos verdadeiros problemas do país, mais determinação na punição dos verdadeiros autores dos erros que prejudicam a nossa vida colectiva e uma maior elevação dos padrões que regem as decisões políticas e a actuação dos responsáveis. E gostaria de ver a erradicação, pelo menos parcial, deste desporto que se joga entre nós com uma bola de berlim. Assim, não!

"Não" é não!

Aproximam-se as eleições europeias e os principais líderes europeus - Sarkozy e Barroso à cabeça - começam a mostrar-se impacientes. A menos de um ano da data prevista e na impossibilidade de aplicar as directrizes do "Tratado de Lisboa", devido ao "não" irlandês, veio agora o presidente francês sugerir uma solução para o impasse que não lembrava ao careca: a Irlanda deve alterar a sua Constituição, de forma a poder referendar o Tratado antes das eleições, única forma de poder pô-lo em prática em tempo útil.
Lê-se e não se acredita.
Alguém em consciência imagina o governo irlandês a claudicar perante a arrogância francesa e a exigir aos seus cidadãos que voltem às urnas e a votarem as vezes que forem precisas até obterem o almejado "sim"? Obviamente que não.
Nenhum povo do Mundo, educado na tradição democrática e em plena consciência dos seus actos, aceitaria tal humilhação.
É isso que esperamos que os irlandeses respondam a Sarkozy: "não" à alteração da sua Constituição que permita a alteração do resultado do referendo que disse "não" ao "Tratado de Lisboa".
O "Tratado de Lisboa" está morto e enterrado e é bom que o directório europeu perceba isso e respeite a opinião democrática dos seus membros, de acordo, aliás, com os próprios princípios consignados na Carta Europeia. É tempo dos cidadãos europeus recusarem o centralismo administrativo de Bruxelas, que impediu a maior parte dos países membros de referendar o Tratado. Não bastava já o "déficit democrático" português (que proibiu referendar o Tratado) e ainda tínhamos de aturar a ingerência francesa nos assuntos internos de um país democrático. Basta já!