2008/12/04

Quem é que vai nu?

Um artigo intitulado "A ciência económica vai nua?" de autoria de João Ferreira do Amaral, Manuel Branco, Sandro Mendonça, Carlos Pimenta e José Reis, publicado pelo Público merece alguma reflexão.
Neste artigo, os seus autores --todos eles distintos professores universitários-- traçam os limites da teoria económica dominante, atribuem-lhe a origem da presente crise que o mundo atravessa, e postulam que a teoria capaz será aquela que consiga estabelecer uma ponte entre o económico e o institucional, o político o social e o psicológico.
Os autores consideram que "o ensino [da economia] dominante não tem municiado os estudantes para conhecerem o mundo real e para o interpretarem, para saberem que comportamentos emergem, que sistemas institucionais se confrontam, que valores estão em crise e quais os que se reforçam." Tem sido desta matriz que tem saído "uma boa parte dos operadores dos mercados financeiros e gestores de topo que lentamente acumularam decisões insustentáveis culminando na actual crise." E, concluem os autores, "dificilmente o ensino da Economia e da Gestão não estará implicado nas causas da crise." 
Não posso estar mais de acordo. E considero saudável que estes autores coloquem agora estas dúvidas e reclamem a "necessidade de responsabilidade e realismo crítico no ensino das Ciências Económicas e Empresariais." 
Mas, pergunto: quem ou o que permitiu chegar a esta situação? Não são os professores responsáveis --por acção ou omissão-- pelo ensino que ministram? Não são eles, simultaneamente, tantas vezes os orientadores, as referências, a inspiração ou mesmo os executantes dos postulados que conduziram às tendências políticas que, por sua vez, levaram à crise de hoje? Quem está por trás da teoria tóxica? 
E, pergunto finalmente: pensarão as cabeças brilhantes da economia que nós --os "civis" que vivemos fora desse tal universo das "deduções lógico-matemáticas"-- nos deixámos alguma vez enganar? Que o rendilhado do seu discurso alguma vez nos convenceu ou deixou sequer a convicção de um desfecho diferente deste que tivemos? Que não achámos sempre que eram, no fundo, os "cientistas" económicos que iam nus?

Demagogia ilimitada

A fazer a mala para mais uma viagem, leio as últimas num matutino de hoje. De acordo com o "engenheiro" Sócrates a crise em Portugal é, afinal, relativa.
E isto porque a taxa euribor está a descer, o que vai permitir às famílias portuguesas pagar menos pela sua hipoteca; o preço do petróleo continua em queda, o que vai permitir poupar nos transportes; e o aumento salarial dos funcionários públicos será o maior dos últimos oito anos, o que vai compensar a actual inflação...
Nada mau! Até parece que isto são todas medidas do primeiro-ministro.
Então, as taxas euribor e as taxas de juro, não são determinadas pelo Banco Central Europeu? E o preço do barril de petróleo, não é resultado dos preços estabelecidos no mercado internacional? E o aumento dos funcionários públicos (2,9%) não fica abaixo da inflação prevista (3,5%)? Onde é que está reposto o seu poder de compra?
Não fora o meu proverbial pessimismo em relação à demagogia deste governo e partiria mais satisfeito para a vizinha Galiza. Como se trata de mais uma mentira, a minha única satisfação reside no facto de levantar voo daqui a algumas horas...

2008/12/03

O que estará a acontecer na polícia portuguesa?

Desde há algum tempo a esta parte temos vindo a ouvir comentários sobre o aumento de suicídios nas forças policiais. Sei que já por diversas vezes o tema foi tratado, designadamente na TSF que entrevistou psicólogos que trabalham para os sindicatos e para as próprias instituições do sector. O panorama que nos é traçado por esses técnicos é arrepiante. A fazer fé no que dizem, parece que há uma situação de calamidade na polícia, e que a sociedade no seu conjunto ignora o que se está a passar. 
Mas, há também qualquer coisa de estranho nisto tudo. 

Pelo que se percebe, a questão central residirá na falta de condições mínimas de sobrevivência e de trabalho dos profissionais de polícia.  Baixos salários, horários exigentes, falta de meios e afastamento da família serão os factores que conduziram ao actual estado de coisas. Este conjunto de factores leva os polícias a enveredar, nos casos mais extremos, pela via do suicídio, mas normalmente será suficientemente expressivo para que se verifique um aumento significativo das consultas de apoio --fala-se de centenas de consultas!-- que revelam problemas graves de saúde resultantes das carências alimentares, depressões e até casos de alcoolismo.
 
Não se percebe se a possibilidade de ocorrência destes factores terá sido deliberadamente ocultada antes dos polícias escolheram a sua futura profissão, ou se se revelaram apenas depois de entrarem em funções. Não se percebe também se, no caso de serem do conhecimento prévio dos aspirantes a polícia, houve alguma condição do seu contrato ou do seu compromisso de trabalho que lhes tenha sido ocultada e posteriormente imposta.
Em todo o caso, o panorama, repito, que nos é descrito é de verdadeira catastrófe!
Tendo em conta a importância que uma força policial competente e dotada de condições de actuação tem, parece estranho que tudo isto se esteja a passar hoje em Portugal, sem que a generalidade da população disso se aperceba e sem que os responsáveis tomem medidas, ou falem sequer do assunto. É estranho que a AR não tenha nunca discutido o tema. É estranho que não tenham sido solicitadas pelos deputados explicações ao Ministro da Administração Interna. Os factos descritos nas entrevistas mencionadas não foram desmentidos. Há até um livro publicado sobre este tema que teve no seu lançamento a presença de figuras responsáveis. 
Por outro lado, é estranho que se imponha a uma classe profissional um esquema quase esclavagista de trabalho... mas pode acontecer. Em Portugal o impensável acontece. Lembro-me de há uns tempos ter visto uma reportagem sobre um professor (que dia para recordar isto, hein...?) que vivia no carro porque estava deslocado e não tinha dinheiro para pagar um quarto. Um professor a quem a hierarquia respectiva e os encarregados de educação pediriam por certo, legitimamente, uma actuação do mais alto gabarito. Um caso, certamente, não único. 
Se o panorama da polícia é este, as cerca de 23.000 (vinte e três mil!!) famílias cujas casas foram assaltadas neste último ano (só para mencionar este tipo de criminalidade, objecto recente de uma outra reportagem de um canal de televisão) não poderão certamente esperar uma prevenção adequada e uma actuação empenhada e qualificada por parte da polícia, ocupada que está agora com os seus próprios problemas de saúde mental. O que torna tudo isto ainda mais insustentável. É que os psicólogos falam também de efeitos devastadores nas vítimas deste tipo de assaltos...
Polícia deprimida, vítimas de crimes deprimidas... O que se passa? 
Quer-me parecer que todo este assunto merece atenção ao mais alto nível e explicações urgentes...