2008/12/13

A Eminência Parda

Na opinião do presidente do PS, o venerando Dr. Almeida Santos, os deputados portugueses são mal pagos. Essa será a razão pela qual se verifica tantas vezes falta de "quorum" no nosso parlamento. Na semana passada, foram os deputados do PSD no hemiciclo; esta semana, os deputados do PS, numa comissão parlamentar.
De acordo com esta "eminência parda", é impossível a um deputado (advogado) estar em dois lugares ao mesmo tempo (!?). Se o advogado (deputado) tiver de comparecer num julgamento, não pode assistir às sessões do parlamento.
A acrescentar a esta situação, que ele (como advogado) compreende muito bem, as votações são sempre às sextas-feiras. Ora, como se sabe (piscadela de olho aos jornalistas) a sexta-feira antecede o fim-de-semana, pelo que muita gente parte mais cedo para fora da cidade... Talvez, mudando o dia das votações para o meio da semana, concluía ele perante uma plateia de jornalistas embasbacados com tal "clarividência".
E eu a pensar que a função de deputado implicava incompatibilidade com funções extra-parlamentares. Decididamente, Almeida Santos é um sábio...

2008/12/11

O muro de Berlim afinal ainda não caíu

As propostas para a nova Lei da Defesa e Orgânica das Forças Armadas e para o novo RDM foram dadas a conhecer aos partidos parlamentares pelo Ministro da Defesa. Assunto de Estado, as duas primeiras leis constituem até matéria que requer votação na AR por maioria qualificada. 
Vai daí o ministro trata logo de "qualificar". As propostas foram entregues apenas a três dos partidos com assento parlamentar e foram-no nas sedes desses partidos e não através dos mecanismos de relação entre o Governo e o Parlamento que certamente existem. Podem-me ter escapado, mas certamente existem. 
Esta actuação faz-nos recuar a tempos de antanho, quando a democracia era uma palavra proibida. Também nos diz muito sobre o modo de actuação do PS, como entende o exercício do poder e da sua noção de respeito pelas outras forças políticas.
Claro que os partidos assim distinguidos devem aplaudir a iniciativa. O líder do CDS acha mesmo normal que assuntos de defesa nacional sejam apenas do conhecimento dos partidos que "defendem a Nato"... Ou seja: os assuntos de defesa nacional são, para este cavalheiro, matéria exclusiva de discussão para internacionalistas... 
A mim, parece-me inacreditável que uma coisa destas suceda em Portugal
Mal faz o ministro em proceder deste modo discriminatório. Um membro do Governo Português tem obrigação estricta de ser um pedagogo da democracia. Uma actuação deste tipo é anti-democrática e só serve, na minha opinião, para desprestigiar (ainda mais!) as instituições de Estado aos olhos dos cidadãos. 
Este critério do governo suscita-me algumas interrogações... Será que a filiação partidária é também critério de avaliação para efeitos de envio dos militares portugueses em missões para o estrangeiro? Será que só os militares simpatizantes ou filiados no PS, PSD e CDS é que são enviados para o Afeganistão, para a Bósnia ou para outras missões já que merecem maior confiança? E será que o "estatuto" do militar português tem matizes conforme a cor partidária? Ou será que o ministro afinal enviou as propostas de lei apenas aos partidos cujos membros estão envolvidos nos casos de falta de assiduidade no Parlamento, na esperança de que também não esteja ninguém nas respectivas sedes e os diplomas passem, sem discussão e com voto tácito, por causa da distinção de que foram alvo? 
A questão aqui em causa não é de natureza partidária. É de Estado e de respeito pelos cidadãos. A matéria em causa é de interesse nacional, não partidário. E se um eventual ministro de um dos partidos agora excluídos do privilégio de que foram alvo o PSD e o CDS lhes fizesse o mesmo eu também não acharia isso normal. Não me parece haver uma diferença qualitativa, assim tão grande, entre o comportamento do Ministro da Defesa de Portugal e o Presidente do Governo Regional da Madeira. 
Tudo isto revela apenas, numa primeira análise, que o défice democrático não chegou só à Madeira e que os muros caíram do outro lado, mas deste lado continuam...

2008/12/08

A Galiza, aqui ao lado...

Convidado para participar num painel sobre parcerias musicais no âmbito da Lusofonia, passei três dias na vizinha Galiza, mais exactamente na Coruña, onde decorreu a Segunda Edição da "Cultur.Gal", a Feira Galega das Industrias Culturais.
Tinha estado na Coruña pela primeira e última vez, em Agosto de 1990, aquando de uma viagem entre Amsterdão e Lisboa pensada a partir do trajecto de automóvel pelo "Caminho de Santiago". Da "peregrinação" de então, guardava a melhor das memórias, mas de La Coruña, não mais do que uma vaga ideia...
Foi, pois, com alguma reserva mental que me fiz à "estrada", desta vez de avião, um bimotor a hélice que em menos de hora e meia me transportou à capital industrial da Galiza.
Desde logo, a surpresa pelo desenvolvimento verificado, numa região que passa por ser a menos desenvolvida da vizinha Espanha. O agrado, seria no dia seguinte confirmado pelo novo Centro de Congressos Palexco, recentemente construído e que já ganhou o prémio do melhor do género em toda a Espanha. Um CCB à escala local, onde durante quatro dias, cerca de 80 organismos culturais galegos marcaram encontro naquela que é a maior Mostra Cultural da região. Dos editores e livreiros regionais, aos tradutores e à literatura infantil (um verdadeiro mundo!), das agências de produção artística e bandas musicais ao mundo do cinema (sim, o cinema galego existe) o "Palexco" encheu-se durante o fim-de-semana de um público ávido que procurava a informação disponível nas dezenas de "stands", conferências e "showcases" possíveis de acompanhar em todo o edifício.
O nosso painel, organizado pela Associação Galega de Empresas Musicais (AGEM), contou com a moderação de Xabier Alonso e a participação de Vitor de Miranda (Contato) e Makely Gomes (Comum), dois brasileiros de Minas Gerais, com quem partilhámos ideias e projectos futuros a organizar no quadro da cooperação e intercâmbio lusófono. Para já a música, mas o espaço de cooperação pode estender-se a outras áreas, como a literatura ou o cinema. Deste interesse comum, nasceu a primeira proposta concreta, a realizar em Belo Horizonte no próximo mês de Setembro e que incidirá sobre a Cultura galega. Depois da Galiza, que nos acolheu, e do Brasil, que nos acolherá, restará a Portugal fechar o primeiro ciclo de cooperação lusófono que promete animar as próximas discussões deste fórum transatlântico.
Não será fácil, no entanto. As conversas que fomos mantendo com os nossos anfitriões deram para entender que nem os galegos, que gostam de nós, compreendem o desencanto deste lado da fronteira. Todos, sem excepção, lamentavam a fraca cooperação e a burocracia mascarada de silêncios evasivos que recebem os seus pedidos. Como aquele produtor de filmes que tenta há anos, ingloriamente, fazer uma Mostra de Cine Galego em Portugal, para a qual dispõe de 400.000 euros do seu governo regional. Pesem as promessas do parceiro lusitano, nada acontece em Portugal. A desculpa do parceiro português é sempre o nosso Ministério (da Cultura) que estará a analisar o pedido. Como, entretanto, a ministra que iniciou o processo foi exonerada e há outro ministro no seu lugar, o pedido voltou à "estaca zero". O Galego desespera e olha para mim desesperado: "que se passa com vocês, portugueses, que nem às minhas cartas respondem?". Por um momento, sinto-me o "culpado" de todos os males que afligem a nação lusa. Também eu sou um estrangeirado e, como ele, não percebo esta mentalidade tacanha que nos castra há séculos.
Na viagem de regresso, constato que sou o único passageiro do bimotor português. De facto, quem quer viajar para este lado da fronteira? Penso nos últimos dias passados em terras de fraternidade e em Xabier, casado com uma portuguesa, que me confidencia ser em Portugal que tem o seu retiro espiritual. Sempre que está "em baixo", faz uma cura portuguesa. Proponho-me trocar com ele. Quem sabe, podíamos resolver desta forma a nossa inquietação.
À noite, no nosso CCB, enquanto Amélia Muge canta "Eu levo una pena" de Rosalia de Castro, confirmo que a língua continua a ser a nossa pátria comum. Por momentos, "volto" à Galiza. Se calhar, nunca de lá saí...