2009/07/04

Sobre diques, ou a dimensão da mesquinhez

Há pouco tempo uma amiga minha regressou de um período de trabalho na maior universidade de uma cidade no Canadá onde ambos vivemos. Em ano sabático, aproveitou para prosseguir um trabalho em que está envolvida, aproveitando os vastos recursos dessa universidade. Quando voltou descrevia-me a "limpeza" com que resolveu os problemas administrativos e burocráticos que envolviam este seu compromisso. Numa ápice tinha um endereço electrónico, autorizações para aceder aos arquivos e bibliotecas, gabinete e respectiva chave e tudo o mais que precisava para o seu trabalho.
Comparámos esta "limpeza" com a burocracia, a morosidade e mesmo a inexistência de recursos semelhantes nos estabelecimentos portugueses que conhecemos. No caso dela a situação chega a ser mesmo caricata pois é professora numa universidade de base "tecnológica", onde até há pouco tempo ainda se comunicava, quase literalmente, por sinais de fumo. Uma instituição onde a simples requisição de uma elementar ligação remota entre dois computadores --que nunca funcionou, mas foi autorizada oficialmente para testar um programa encomendado pela própria universidade e pago a peso de ouro-- percorre um longo calvário de funcionários e chefes de funcionários, sequiosos de mostrar quem manda, e é matéria que exige previsão no futuro PIDDAC, autorização do TC e visto lavrado pelo punho dos ministros da tutela, eles mesmos, sem os quais nada poderá funcionar.
Tudo no seu tempo próprio, sem delongas, que a vida é curta...
Este foi e continua a ser o retrato do país, por mais análises ilumindas com que os 28, os 54 ou os 31 nos querem levar a fazer crer que estão verdadeiramente preocupados com o país. Empanca tudo no homem que abre e fecha os diques!

Vem isto a propósito (ainda) do caso de Maria João Pires (MJP). O assunto já foi por mim tratado recentemente aqui e aqui nas páginas do Face e não me mereceria mais atenção (parecia que já quase tudo tinha sido dito...), não fora ter lido hoje no PÚBLICO, no "Sobe e Desce", uma nota sobre MJP de autoria de JMF, que, presumo, seja o seu director.
Diz a nota, a justificar o “desce” de MJP, que ao trocar a nacionalidade ela “perdeu a razão, senão o respeito”. É uma boa pianista, mas podia ter continuado a lutar, diz JMF, como que a sugerir que, ele sim, está acima dos pianistas e está na luta...!
Infelizmente para nós, os casos de gente que desistiu de lutar por Portugal não se ficam pelos que renunciam à nacionaliade portuguesa. Muita boa gente cá dentro baixou os braços há muito. E os que daqui se foram e trocaram de nacionalidade e desistiram de continuar a lutar em Portugal, não têm conta. Há mesmo uma perturbante reincidência histórica neste processo. Diria mesmo que parece que quem se vai embora o faz porque não quer justamente desistir.
Não se percebe, pois, esta sanha contra MJP, em particular.
As razões da desistência são sempre as mesmas e estão por perceber na íntegra, mas nota-se desde logo uma enorme dose de reaccionarismo atávico e de auto-comprazimento em nivelar tudo pelo NBFC (Nível Básico de Funcionamento das Coisas) a condicionar tudo isto. Em vez de tentar perceber as razões que levam gente de grande valor para fora deste país, JMF prefere atirar-se à pianista.

A universidade canadiana onde a minha amiga se deslocou em missão, não funciona assim só para “guest VIPs”, ou para uma pseudo elite. Funciona assim para todos. Por isso é que depois há “guest VIPs” e elites que juntamente com todos os outros contribuem para a criação de um impressionante acervo de conhecimento que vale a esta universidade um lugar no topo no ranking das mais prestigiadas.
Também por lá há alguns que dão generosamente tudo o que têm e comprometem a sua vida para elevar ainda mais os padrões de uma sociedade que se distingue já neste domínio. Mas, a sua generosidade e valor (que não diferem da generosidade e valor de qualquer português) encontram condições excepcionias para chegarem ao seu desígnio final. As mentalidades e a qualidade das instituições dão-lhes sustentabilidade e a possibilidade de medrar. Em Portugal, MJP é olhada com suspeita. O seu poder de iniciativa, o seu inconformismo e a bitola que aplica nas suas acções chocam com a estreiteza dos comportamentos institucionais, com a leviandade dos grandes e dos pequenos desígnios e com uma manifesta incapacidade para ver para além do ponto de mira. Em Portugal o poder de iniciativa e inconformismo de MJP é razão para abate sumário.

Conheço uma mão cheia de gente de enorme gabarito que fez como MJP e foi para outras paragens para se salvar dos “malefícios” que Portugal lhes estava a causar, dos diques que teimam em não se abrir ou que se fecham conforme a conveniência. Há inúmeros exemplos, alguns até mais ou menos conhecidos do público. Não deixaram de ser portugueses. Só se queriam salvar como seres humanos. Alguns ainda mudaram, também como ela, de nacionalidade. Outros desistiram totalmente: adquiriram a nova nacionalidade e nem sequer se deram ao trabalho de abdicar da nacionalidade portuguesa...
O que está aqui em discussão vai, infelizmente, muito para além do problema de MJP ou do seu projecto de Belgais.

Segundo uma ideia de um personagem actualmente muito na berra, se Paulo Rangel comesse muita Maizena ainda poderia ter esperança de chegar aos calcanhares de Vital Moreira. Levando por diante esta ideia, o JMF nem com muita, muita Maizena chegaria jamais aos calcanhares de MJP. Era bom que se remetesse à sua dimensão.

2009/07/02

Arena Politica

Depois da "investida" do Ministro de Economia na Casa da Democracia, só mesmo um toureiro podia pôr fim a tal faena. Coube a Sócrates, a estocada final. Que mais nos reservarão estes governantes em fim da legislatura? Rabo e orelha?

2009/07/01

A nova ordem mundial


Tenho a certeza que nenhum escritor, daqueles que se dedica ao género do political thriller, chegaria tão longe com a sua imaginação. Não há ficção que chegue aos calcanhares desta realidade. Depois do golpe que o expulsou do país, o presidente Zelaya das Honduras discursou nas Nações Unidas e prepara-se agora para regressar. E é com enorme expectativa que se aguarda o desfecho deste anunciado episódio do regresso do presidente hondurenho, acompanhado dos presidentes da Argentina e do Equador, Cristina Kirchner e Rafael Correa.
Não sei o que vai acontecer --tudo isto é difícil de imaginar--, mas o que está em causa aqui ultrapassa seguramente as fronteiras das Honduras.