2009/08/14

Não tenho ídolos...

... Mas se os tivesse, Les Paul (1918-2009) tinha todas as características para ser o mais forte candidato a este lugar. Uma mente brilhante, o eterno e vivaz sorriso, o guitarrista excepcional, o artista extraordinariamente arrojado e interessante e, sobretudo, o pai de uma série de invenções cruciais para a produção musical tal como a conhecemos hoje.
Do símbolo da cultura rock, a guitarra eléctrica (embora nesse campo não estivesse só e o nome de Leo Fender não possa de todo ser esquecido), até ao gravador magnético multipista, do conceito de auto-acompanhamento musical, ao humilde suporte de harmónica que artistas como Bob Dylan ou Neil Young popularizaram, o génio criativo de Les Paul tudo foi capaz de conceber e em tudo é possível descobrir o seu toque e influência. Um designer e um inventor na linha de Tesla ou de Edison!
Sem Les Paul, eu e muita gente ligada hoje à música, da mais erudita à mais popular, da mais "internacional" à mais tradicional, continuaríamos na idade da pedra da produção musical.
São poucos os indivíduos que conseguem produzir com as suas próprias mãos mudanças tão profundas na história e impôr conceitos tão radicais, tornando-os quase banais. Acabou de desaparecer um deles.

PS- Um documentário sobre ele, para quem estiver interessado, pode ser visto aqui.

A carreria de Medina

O que vou dizer a seguir será polémico, e a polémica começa, se calhar, aqui mesmo dentro do Face. Mas, aqui vai.
Ouço Medina Carreira, vejo a sua presença cada vez mais assídua na televisão, observo a sua transformação em comentador da moda, e tudo isto me causa uma sensação crescente de náusea.
Não porque muito do que ele diz não seja verdadeiro, não porque a forma como o faz não seja contundente qb, assim como uma espécie de special efx de televisão. Mas, sobretudo, porque ao nível a que ele se coloca, e ao nível a que coloca a discussão, só lhe restaria a alternativa de arregaçar as mangas e dar o exemplo compromentendo-se. O doutor Carreira não está contra o regime que parece denunciar. O doutor Carreira está a fazer o papel do bobo do regime. E é o regime que está mal, não os governantes. Estes servem-se dele como podem e como os deixam. O resto é conversa.
Sublinho e repito: ao nível a que ele se coloca e ao nível a que coloca a discussão, só lhe restaria a alternativa de arregaçar as mangas e dar o exemplo compromentendo-se.
Confortavelmente instalado no estúdio de televisão vai lançando os seus ataques de dentro mesmo de um dos principais sustentáculos e beneficiários da situação que aparentemente pretende denunciar. Carreira luta no maquis da tv. Imagine-se o Cristiano Ronaldo a fazer, no Real Madrid, o jogo do Barcelona. É tão absurdo como ver o doutor Medina Carreira a dizer mal da actual situação e dos actuais situacionistas, seus companheiros de equipa, entre câmaras e projectores, coberto de maquilhagem no meio de um cenário a fingir que há horizonte em tudo aquilo.
Depois há duas outras coisas que não recomendam o dr. Carreira e as suas teses. Primeiro, acusa os políticos de falta de sensibilidade social, de não “ouvirem” o que diz a rua... Mas, de seguida, afirma, peremptório e sem se atrapalhar com o ridículo, que a “solução” para o “problema” do país... é económica!
Ora, ó doutor Carreira, ouça bem o que lhe digo: o problema do país NÃO é económico! O problema é cultural. Haverá uma componente económica no “problema” português, haverá certamente uma dimensão "económica" na sua solução, mas não é a economia que explica o que se está a passar e não serão os economistas, nunca, a encontrar soluções. Quando está a chover, os economistas gostam de dizer "Está a chover!" Já sabíamos.
As provas dadas pelos economistas até agora foram abaixo de cão. A presente crise internacional é em boa medida uma crise forjada nas teorias ensinadas nas faculdades de economia. As receitas, as previsões e as análises dos economistas são pura merda! A lista de “economistas” e de praticantes de “economologia”, consigo incluído, que fizeram as coisas chegar ao ponto em que estão, é longa e sonante. E tilinta! Quanto a mim preferiria mil vezes ter a astróloga Maya a dirigir o país. De certeza que os resultados não eram piores.
Quando se conseguir pôr cobro neste país ao regime de castas, à indigência intelectual, à irresponsabilidade, à imoralidade, à exploração do tempo dos outros, então sim, podemos criar empresas viradas para a exportação, atrair investimento externo ou outra qualquer solução “económica” para regular o modo como nos relacionamos uns com os outros no plano material e procedemos à satisfação das nossas necessidades materiais colectivas e individuais. Até lá, tudo aquilo que o senhor diz não passa de um grande e inconsequente vazio.
Ou terá o senhor a veleidade de pensar que se aquilo que diz fosse verdadeiramente revolucionário, fosse gritado no foro adequado, brandindo as armas justas e os colocasse de facto em causa, esta corja de franganotes que o senhor tanto verbera não lhe tinha já mandado calar o bico?
Isto não vai lá com palavreado dr. Medina. Vai, e tem de ir, de outra forma. Daí eu pensar que a sua carreira já merece reforma...

2009/08/13

Um Grande BPN

Medina Carreira, no tom truculento que o caracteriza, deu ontem mais uma entrevista na televisão. Uma hora de crítica impediosa a uma classe que ele caracteriza como oportunista e que está na política para tratar da vidinha. Nada que não tenha dito em entrevistas anteriores ou que não saibamos por observação empírica. Sobre Medina Carreira há, normalmente, duas opiniões diametralmente opostas: ama-se ou odeia-se.
De uma coisa, no entanto, não podemos acusá-lo: é de ser incoerente na forma como - com números - explica o aumento da dívida externa e as suas consequências para o futuro da economia portuguesa. As contas são fáceis de fazer: ao ritmo de endividamento actual, o país estará ingovernável no prazo de dez anos. Produzimos pouco e mal, não criamos riqueza suficiente, importamos mais do que exportamos, necessitamos de empréstimos para manter o consumo interno e estamos, por isso, cada vez mais endividados, logo mais pobres. À crise interna e estrutural juntou-se a crise externa internacional e os indicadores económicos são péssimos. Mas, diz mais: as eleições que aí vêm não trarão qualquer alteração substancial (na melhor das hipóteses um governo minoritário que cairá ao fim de uns meses) e os programas partidários não passam de intenções que o seu "amigo Banana" subscreveria. Os partidos actuais estão enfeudados aos interesses económicos que vêem no poder uma forma de fazer negócios e empregar familiares e, por isso, com maioria absoluta ou maioria relativa, o sistema não mudará substancialmente. Portugal está transformado num "grande BPN".
À pergunta do entrevistador sobre o que proporia para mudar o estado do país, exemplifica: mais do que promessas, é necessário um diagnóstico sério (bastam três meses para fazê-lo) sobre as causas do nosso atraso e um governo que, com um programa mínimo, elimine os obstáculos que impedem o desenvolvimento português. Pessoas capazes (não necessariamente enfeudadas aos partidos) e coragem para executar um programa reformista sob a égide do PR, parece ser a saída preconizada por Medina. Não sabemos se esta fórmula resultaria, mas que a situação não pode continuar assim por muito mais tempo, parece-nos evidente. Para BPN já basta o Banco...

2009/08/09

Histórias de Guerra

As minhas primeiras recordações de Solnado datam dos anos cinquenta, era eu ainda um jovem adolescente.
Lembro-me vagamente do seu nome nos cartazes do Parque Mayer e, já em finais da década, da sua interpretação no filme "O Tarzan do 5º esquerdo", exibido no antigo cinema Condes. O filme foi um êxito de bilheteira e a crítica viu nele um dos primeiros exemplos do cinema "neo-realista" português. Mais do que a história, lembro-me da personagem principal, interpretada pelo Raul, que "levava" o filme aos ombros.
Anos mais tarde, através da "Guerra de 1908", que viria a tornar-se um clássico da rádio, o seu nome tornou-se indissociável de uma época atravessada por uma guerra - essa sim, real - que o regime impunha em África.
Lisboa era, à época, uma cidade taciturna e cinzenta, onde os homens vestiam fatos às riscas e usavam chapéus de feltro e as mulheres sózinhas não eram bem vistas nos cafés. Nas tertúlias do Martinho e do Monte Carlo, discutiam-se as escolhas de uma geração: fazer a guerra ou desertar, o que implicava na maior parte dos casos um exílio incerto. Dado que optei pela segunda alternativa, vi-me impedido de regressar ao país durante oito largos anos. O Portugal Salazarista tornou-se uma recordação cada vez mais distante, que gravações como as de Solnado contribuiam para amenizar. No fundo, as "guerras", a dele e a do regime, eram um absurdo.
Dos seus êxitos, em programas como o "Zip-Zip" ou, mais tarde, "A Cornélia", só soube por relatos indirectos e, no cinema, lembro-me da sua interpretação no filme "Balada da Praia dos Cães", que vi em finais da década de oitenta no Festival de Cinema de Roterdão.
Num dia atravessado por memórias, eu, que nunca o conheci, relembro um tempo de angústia e frustação, onde uma das poucas coisas que o regime não podia proibir, era rir. Graças ao Solnado, ri-me a bandeiras despregadas. Antes e depois da liberdade. Sem o saber, ele foi dos que mais contribuiu para a minha sanidade mental. Não é coisa pouca.