2010/02/19

Nobre escolha

Fernando Nobre, actual presidente da AMI, anuncia hoje, formalmente, a sua candidatura a Belém. Uma decisão algo surpreendente, ainda que seja conhecido o apoio que deu a diversas candidaturas e formações políticas ao longo dos últimos anos. Do PSD ao BE, passando pelas candidaturas de Mário Soares, António Capucho ou António Costa, o presidente da AMI tem mostrado a sua disponibilidade para apoiar causas públicas em que acredita. Nada a opôr.
A sua disponibilidade para, agora, se candidatar ao mais alto cargo da nação tem, no entanto, características diferentes. Pela primeira vez, deixa de ser apoiante de um partido ou político específico, para pedir o apoio destes. E das duas uma: ou o presidente da AMI, pensa que as suas ideias são suficientes para mobilizar um eleitorado cada vez mais descrente nas instituições que nos representam, naquilo que poderíamos apelidar de vaga de fundo para a"moralização da coisa pública"; ou o presidente da AMI dispõe já de um apoio concreto (aparelho partidário) que lhe garanta iniciar uma campanha eleitoral, com alguma probabilidade de sucesso, contra dois candidatos de peso: Cavaco Silva e Manuel Alegre.
Interrogado ontem, à chegada ao aeroporto, Nobre reafirmou alto e bom som que não era apoiado por nenhum partido, nomeadamente pelo partido socialista. É bem capaz de ser verdade.
Uma coisa parece certa, Nobre será sempre um candidato de "esquerda" nestas eleições e, nesse contexto, um concorrente de Alegre contra Cavaco. Independentemente de vir a ter o apoio de qualquer partido, o partido que apoiar Nobre não apoiará Alegre e vice-versa. Ou seja, Nobre, com a melhor das intenções, contribuirá para a divisão daqueles que se opõem a Cavaco. A manterem-se os pressupostos actuais, e caso estes três candidatos mantenham as suas candidaturas, não é difícil vaticinar que o actual presidente será, mais uma vez, eleito. Como escreveu o conhecido filósofo, a "história repete-se, agora como comédia".

2010/02/18

O que está verdadeiramente em causa hoje na política portuguesa

Se dúvidas houvesse sobre a verdadeira natureza do que está em jogo nesta discussão sobre as escutas divulgadas pelo "Sol", uma simples intervenção --feita ontem em tom de vítima ofendida e impotente-- da deputada socialista Isabel Oneto, na Comissão de Ética, Sociedade e Cultura da AR, veio clarificar tudo. Afirmava ela que "os jornalistas podem escrutinar e dizer o que pensam dos outros cidadãos e políticos, mas os deputados que aqui estão não podem dizer o que pensam dos jornalistas."
Não interessa se houve ou não pressões sobre a comunicação social, se houve ou não tentativas de usar o Estado para manobras obscuras por parte do Governo. Não interessa sequer que os políticos afectos ao governo tentem minimizar estes acontecimentos e que os da oposição os tentem exacerbar. Isso são problemas menores.
O que fica a descoberto aqui é o modo como os dignitários do regime democrático, que deviam ser os seus primeiros guardiões, encaram a sua função. Colocar a função jornalística no mesmo plano que a função política é um pecado indesculpável. Tolerá-lo-ia se viesse de um jornalista, nunca de um político.
Um jornalista não legisla, não aplica a lei, não gere dinheiros públicos, nem cobra impostos. O jornalista não está investido de nenhuma função pública. Os políticos funcionam de acordo com um programa sancionado pelos votos. O jornalista manufactura produtos de comunicação que eu tenho a liberdade de comprar ou não. Eu posso não comprar um jornal, mas tenho de pagar impostos. E quem os define são os políticos.
Os mecanismos de actuação e o espírito das funções são diametralmente diferentes. Os políticos não podem "dizer o que pensam" dos jornalistas porque a sua função não é dizer o que pensam. É outra. A lei é a matéria que perpassa tudo isto. Mas, as funções estão em lados operacionalmente contrários da lei. Um polícia não pode fazer apreciações sobre o ladrão. Actua segundo as leis que enquadram a sua função. O ladrão, por definição e por sua vez, tenta iludir a lei...
Se os políticos desatam a fazer notícias (como foi o caso do primeiro ministro, entre outros, em diversas ocasiões), ou se acham anormal e lamentam não o poderem fazer (como foi o caso da deputada citada), estão a demonstrar que não compreendem claramente as suas funções e temos então de nos questionar sobre que raio de ideia terão da sua função. Não chegámos à Madeira, nem à Venezuela...
O que todo este processo vem colocar a descoberto é que os políticos em Portugal (alguns, pelos menos, designadamente o primeiro ministro) jogam um jogo intolerável, aplicando um inaceitável estatuto de cidadãos comuns ao exercício das suas funções como cidadãos de excepção, mas revindicando o estatuto de cidadãos de excepção quando esses comportamentos de cidadão comum são julgados no quadro do exercício da sua função institucional.
Comportamentos mesquinhos e institucionalmente inaceitáveis, eis o que todo este processo revela e eis o que nos deve verdadeiramente preocupar. Esta gente está a mais na vida pública.

2010/02/17

Habituem-se!

A tática do PS para tentar demonstrar que não houve (há) uma tentativa de controlar a liberdade de expressão e de imprensa em Portugal, inclui 1) pedidos totalmente descabidos de "provas concretas" de que tudo isso se passou ou passa (repare-se nas intervenções dos deputados do PS nas interpelações da AR sobre a imprensa, por exemplo, ou nas declarações de alguns dirigentes do partido de governo), 2) lançar mão de tudo o que possa servir para desviar as atenções dos portugueses, desenterrando inclusivé velhos machados de guerra, ou, finalmente 3) deixar cair pedras incómodas que foram jogadas neste xadrez, que agora se nos vai revelando devagarinho (se agora caem, porque é que foram lá colocadas para começar...?).
O doutor Vitorino, o tal que postula que o primeiro ministro tem a pele coriácea e vai sair deste processo incólume, bem tinha avisado: habituem-se! A malta é que não ligou, na altura, ou interpretou a frase como lhe convinha...
Há um cheiro qualquer a podre em tudo isto e parece-me inevitável que a coisa acabe mal para este governo e seus apoiantes. Ainda bem, é bem feito!
Mas, por outro lado, quando olhamos para as intervenções da presidência da república ou quando vemos as alternativas que se perfilam no horizonte do lado da oposição, não podemos deixar de levar as mãos à cabeça. Que Zeus nos acuda (para usar uma expressão do Rui Tavares em crónica recente)! Quando me lembram que qualquer um daqueles patéticos candidatos à presidência do PSD pode ser primeiro ministro, fico gelado.
Mas, é isto que temos de facto. Horácios e coriácios! É com isto que temos de contar. Gostaria de poder dizer que há alternativas, mas não me parece. Espera-vos, pois, mais do mesmo. Habituem-se!