2010/10/07

Um Nobel ao retardador

O Nobel da literatura, hoje atribuído ao escritor peruano Vargas Llosa, premeia um dos mais destacados e prolíferos escritores da actualidade. Ainda que o seu nome não constasse há muito da lista de nomeáveis em que o "gossip" de Estocolmo é fértil, poucas vezes uma "obra" (porque é disso que se trata) recolheria tal unânimidade. É verdade que estas coisas valem o que valem e Llosa não precisava do Nobel para ser reconhecido como grande escritor que é. Mas fica sempre bem à Academia Sueca premiar os melhores na sua área. Foi o caso e deve registar-se.

Os cães ladram e a investigação continua

Há tempo escrevi aqui um comentário sobre o cinismo que os instalados no poder revelam ao abordar a questão do mérito. O mérito, para além de ser necessário tê-lo, precisa de ser reconhecido, e precisa de ser reconhecido através de actos concretos. Se assim não for, o mérito não passará nunca de uma curiosidade, de um número de variedades.
Em Portugal, o mérito é doença que suscita imediatas e violentas reacções de rejeição. Poder e falta de mérito vão aqui de mãos dadas. O exemplo vem de cima e pega como fogo em seara seca, por isso, o reconhecimento oficial do mérito, na prática, não existe.
Por mais "roteiros presidenciais" (iniciados por Mário Soares, recorde-se, que Cavaco segue à letra), por mais visitas simbólicas aos "centros de excelência", feitos por suas excelências, o círculo de giz caucasiano não se rompe. Fala-se em mérito e, na prática, ouve-se logo sacar da pistola!
Ainda há dias o professor António Damásio dizia, em entrevista na SICN —por palavras cuidadosamente escolhidas, mas dizia!— que a sua investigação não seria possível em Portugal. A ele coube reagir à falta de condições que tinha e escolher os EUA para fazer o seu trabalho. A nós todos, sobretudo os mais responsáveis, caber-nos-ia e cabe-nos perguntar, porque não? E é aqui que esta questão do mérito e do seu reconhecimento se começa a embrulhar num novelo cuja ponta precisamos de urgentemente encontrar.
Hoje o Público, num artigo de Teresa Firmino, refere que uma equipa de cientistas portugueses,  que trabalha com a equipa que ganhou o Nobel da Física pela descoberta do grafeno, viu o financiamento de um projecto seu que permitiria avançar no domínio da investigação sobre este novo material, ser recusado pela FCT. Um responsável da equipa portuguesa, o professor Nuno Peres da Universidade do Minho, diz, ainda segundo o Público, que "vamos continuar a trabalhar —sem dinheiro, com mais dificuldade—, porque a nossa motivação é compreender a natureza e daí tirar vantagens para a vida das pessoas."
Um dia destes vão todos tentar alapar no "mérito" destes investigadores, vão ver. Talvez mesmo distingui-los em breve com uma paragem do "roteiro" eleitoral e, para o ano, o presidente eleito vai conceder-lhes uma medalha de um "mérito" qualquer, num qualquer dia, de um qualquer Camões, sem corar de vergonha pelo ridículo do seu acto...
Depois continua tudo na mesma.

Uma petição oportuna

Agora que tantos economistas vão à televisão falar da actual crise e das soluções para combatê-la, seria bom ouvir outras opiniões para além dos "especialistas do sistema" que diariamente nos lavam o cérebro com as suas receitas.
Uma petição oportuna é esta aqui.
Assinem e divulguem.

2010/10/05

Atirar a toalha na questão presidencial

O antigo Presidente da República Ramalho Eanes diz que a gravidade da situação do País exige consensos entre os partidos. Ora aqui está uma frase, aparentemente inócua, que tem muito mais que se lhe diga. De repetida de forma ora automática, ora acéfala, esta ideia de que os partidos é que geram consensos acaba por ir fazendo "jurisprudência".
No meu entender, a situação do país —de há muito, não só de hoje— exige discussão e esclarecimento dos portugueses. Exige consenso, mas entre os portugueses. Que os partidos depois reflectirão, claro, mas que tem de emanar dos cidadãos. Uma das, senão mesmo a questão central da nossa democracia é este cheque em branco que os cidadãos concedem aos partidos. Que deu no que deu, como sabemos. A democracia não se esgota, como é sucessiva e inutilmente repetido por alguns, nas eleições, nem o nosso papel enquanto cidadãos acaba no momento em que conseguimos que alguém assuma o papel de nos representar politicamente. Este é um debate que urge fazer na sociedade portuguesa e que, naturalmente, não vai ser nunca promovido pelos partidos.
Há poucos dias o secretário-geral da CGTP defendeu a necessidade de aproveitar a eleição presidencial que se aproxima para um debate profundo sobre a situação do país, que inclui a perspectiva —correcta, no meu entender— da crítica do exercício do poder presidencial. Não posso concordar mais. Habituámo-nos a criticar o Governo, e em particular o Primeiro Ministro, pelos pecados da governação, mas esquecemo-nos frequentemente que o Presidente da República tem grossa percentagem de culpa no cartório e é co-responsável pelo estado a que as coisas chegaram. Não como sócio gerente, mas como silent partner. Negligenciámos avaliar o papel que esta figura tem nos acontecimentos nacionais.
O PR tem, mesmo numa interpretação light dos seus poderes constitucionais, muito mais poder de intervenção do que faz crer a interpretação oportunista que da Constituição fazem alguns parasitas da nossa vida política e, seguramente, muito mais do que aquele que o actual detentor do cargo evidencia. Por outro lado, o exercício deste cargo implica uma margem de assertividade que não tem sido de todo a tónica do mandato deste Presidente. O exercício da Presidência da República feito por Cavaco Silva faz-me lembrar um personagem do Jô Soares de há uns largos anos, conhecido pelo "não me comprometa"! E falo na versão light porque se formos para a versão com todos, o mandato deste Presidente é um fracasso total, na perspectiva do interesse nacional.
Na minha opinião, o desastre da governação do consulado Sócrates ocorre nesta matriz e nela tem também de ser enquadrado.
Ora, o que o comentário de Carvalho da Silva parece vir justamente pôr em destaque é a necessidade de não "arrumar" a questão das eleições presidenciais na secção dos "resolvidos" —aquela em que parece que a generalidade dos doutos comentadores e fazedores de opinião já encafuou a questão— e exigir mais! Partindo do princípio que as expressões "presidente de todos os portugueses" e "equidistânca dos partidos" não são vãs, é fácil concluir que há um terreno imenso onde a acção e a iniciativa do Presidente da República podem ter lugar e que estas não se esgotam no jogo de atirar pinos abaixo no bowling dos partidos. Devíamos ambicionar mais e o PR deveria ser um agente particularmente activo nesse desígnio.
Não vamos eleger o "monarca", figura decorativa, passiva e passada, como alguns desejam. Estamos noutra!
Falando de dificuldades de fazer uma comunicação decente do que está em jogo na presente situação política, teria sido mais últil que, em vez de chamar os partidos, como fez ultimamente, Cavaco Silva tivesse promovido uma discussão muito ampla e aprofundada sobre o que está verdadeiramente em causa. Há mil maneiras de o levar a cabo e não lhe faltariam decerto meios para o fazer. Falta-lhe, manifestamente, é o talento, a criatividade e a visão correcta de um verdadeiro estadista. Deve estar esgotado com as duas mil assinaturas que teve de apor nos diplomas todos que promulgou. Cãibra de escrivão, portanto.
E em resultado de tricas mesquinhas, ódios pessoais e interesses partidários inomináveis preparam-se todos para entregar de mão beijada, de novo, o cargo de Presidente da República a este homem.

2010/10/04

Uma entrevista oportuna

Saiu hoje no Público uma entrevista com Henrique Neto que pode ser lida aqui.


(Foto retirada da edição online do Púbico de autoria de Pedro Cunha)