2011/01/27

A rua árabe

Três dias, mil prisioneiros e cinco mortos depois, a revolta no Egipto parece ter vindo para ficar. Não muito longe dali, no Iémen, a população local está na rua, após a convocação de uma manifestação anti-governamental, a decorrer na capital do país. Na Tunisia, há duas semanas em ebulição, as manifestações diárias continuam a exigir a renovação total do governo deposto. Do Magreb ao Médio-Oriente, as populações árabes parecem despertar do longo sono a que foram sujeitas pelos regimes déspotas e autocratas da região. Provavelmente, outros países da zona, seguirão estes exemplos. Ainda é cedo para avaliar do impacto das revoltas, aparentemente "genuínas" e "expontâneas", convocadas através de simples SMS ou das "redes sociais". Uma coisa é certa: uma vez na rua, dificilmente as populações voltarão a aceitar o "recolher obrigatório" a que os dirigentes políticos os querem obrigar. Mesmo se essa contestação implicar vítimas, como foi o caso de Tunis e do Cairo, o que diz bem da determinação que move os contestatários. Essa é, para já, a grande lição a extrair destes quinze dias que estão a abalar o Médio Oriente. Por alguma razão, vieram já a terreiro os habituais "apaziguadores" internacionais (Clinton à cabeça) a pedir mudanças democráticas na região. Eles sabem que a recusa de reformas poderá mergulhar estes países num caos ainda maior que, em última análise, contribuirá para uma maior radicalização das forças políticas regionais. Não está sequer afastada a hipótese da chegada ao poder do fundamentalismo islâmico (a irmandade muçulmana) que conta com cerca de 30% de apoio no Egipto. Esse seria o pior cenário para o Ocidente e não parece que os EUA ou a Europa o desejem. Para já, as notícias são animadoras e devemos congratular-nos por esta vaga emancipatória que ousou afrontar e acabar com um ciclo de ditaduras anacrónicas na região.

2011/01/26

Da relatividade das coisas

As notícias, ontem vindas a lume, que dão Carlos Silvino como mentiroso (agora ou na primeira versão) seriam importantes, se não fossem ridículas. Como bem frisou o juiz desembargador Eurico Reis, este processo deixou de ser "um circo mediático", para tornar-se um "reality show". Um "show" com muito pouca realidade. Este é o país real que temos. No domingo foi o colapso informático, ontem as criancinhas com caixões, hoje as mentiras do principal suspeito no maior processo de pedofilia em Portugal. "The show must go on".

2011/01/25

Aberrações

A manifestação de uma organização que dá pelo nome de SOS Educação, feita hoje à porta do ME, que misturou crianças com caixões e gente graúda vestida de preto, é das coisas mais aberrantes que se viram neste país tão dado a aberrações. Há certos sectores da nossa sociedade que, ou se calam perante as injustiças em que o país é pródigo, ou, quando decidem intervir e tomar uma atitude cidadã, é isto. Organizam-se e comportam-se como criminosos.
Gostava que os arautos dos bons costumes, das virtudes da vida e da família, designadamente a Igreja Católica, tão pressurosos a tomar posição sobre tudo e mais alguma coisa, nos dissessem o que pensam deste triste espectáculo que consistiu em fazer desfilar crianças com caixões e crucifixos, sob a batuta dos nados mortos dos pais.

2011/01/24

A vitória da mediocridade

Não constituiram propriamente uma surpresa os resultados de ontem. Há muito tempo que as sondagens indicavam Cavaco Silva como o mais provável vencedor destas eleições. O facto de se recandidatar a um lugar que ocupa há cinco anos, a popularidade decorrente da passagem por diversos lugares de estado nos últimos 30 anos e o apoio de toda a direita parlamentar, garantiam-lhe, à partida, uma vitória fácil. Se juntarmos a estes dados, o facto de não haver uma candidatura alternativa forte que pudesse congregar toda a oposição, melhor se percebem as razões da sua reeleição. E, no entanto... nem tudo foram rosas para o presidente.
Desde logo, o facto de lutar contra cinco candidatos que, desde o início, o elegeram como principal inimigo. Depois, as suas, nunca bem explicadas, ligações ao "clan" do BPN e o favorecimento daí resultante, na compra das acções pessoais, por um preço estabelecido pelo presidente do banco falido. Finalmente, a questão da troca da propriedade no Algarve, numa urbanização onde, mais uma vez, vivem alguns dos sinistros personagens do BPN, só veio adensar as suspeitas. Junte-se a isto, a sua reconhecida incapacidade de comunicar, refugiando-se em respostas evasivas, sempre que era posto perante perguntas incómodas, acabou com o mito. Ou seja, pela primeira vez, o presidente em exercício foi escrutinado de uma forma a que não estava habituado e não soube lidar com a pressão. É verdade que ganhou, ainda que com menos meio milhão de votos relativamente a 2006 e num cenário recorde de abstenção e votos em branco, factores que não devem ser desvalorizados. Numa situação de crise social e económica profunda e sem alternativas à esquerda, os eleitores apostaram na "continuidade", segundo a velha máxima, "para pior já basta assim".
Cavaco ganhou, é certo, mas a sua imagem de homem "impoluto" e "acima de qualquer suspeita" nunca mais será a mesma. Ele sabe isso e os seus discursos ressabiados na noite de ontem confirmaram-no. Dificilmente poderá falhar, agora que foram reveladas informações que o comprometem para o futuro.
Sobre os outros candidatos, pouco há a dizer. Alegre foi sempre um candidato sem crença e os apoios envergonhados do seu partido apenas confirmaram uma derrota previamente anunciada. Nobre, apesar do discurso populista que chegou a raiar o patético em algumas situações, acabou por beneficiar da desilusão alegrista e do sentimento anti-partidos existente na população, conseguindo o melhor resultado relativamente ás expectativas com que começou. Francisco Lopes foi igual a si mesmo e segurou o eleitorado comunista, único objectivo da sua candidatura, enquanto os restantes dois candidatos - José Manuel Coelho e Defensor de Moura - foram essencialmente representantes regionalistas que nunca conseguiram ultrapassar a sua condição de "outsiders".
Uma última palavra sobre o problema técnico-informativo verificado nas mesas de votos, demasiado grave para passar em claro. Em condições normais, num país normal, tal anomalia faria rolar cabeças. Que o principal responsável do CNE viesse alegremente declarar, perante as câmaras de televisão, que as informações estavam disponíveis na NET e que bastava enviar um SMS para aceder à informação, é de uma cretinice a toda a prova. A maioria da população portuguesa não dispõe de computador pessoal e muitos daqueles que possuem um telemóvel têm dificuldade em usar os SMS. Resta acrescentar que muitos dos votantes são pessoas idosas e desistiram de votar quando compreenderam que tinham de deslocar-se a Juntas de Freguesia localizadas em bairros diferentes. Aparentemente, a forma mais fácil teria sido enviar uma carta a todos os recenseados com as necessárias informações. A operação custaria cerca de 1 milhão de euros. Foi este argumento economicista e mesquinho que impossibilitou centenas de pessoas de votar. Com tal sobranceria, não é de admirar que os cidadãos não se revejam neste estado. Também, por esta razão, estas foram eleições medíocres.

Todos perderam, todos perdemos

"O povo português não se deixou enganar," disse ontem Cavaco Silva no discurso de "vitória". É verdade. Prova-o o facto mais importante desta eleição: para além dos boicotes, foram batidos todos os recordes de abstenção, de votos brancos e nulos numa eleição presidencial. É uma derrota para todos. O regime está neste momento pouco acima da linha de água...

2011/01/23

Cidadania

Não começou bem o dia eleitoral. Por razões que a razão desconhece, o meu número de eleitor foi alterado. O facto, já de si estranho, é duplamente incompreensível, pois nunca fui informado de tal mudança.
Dirigi-me à mesa de voto e, sem número de eleitor, fui reenviado para a Junta de Freguesia. Dezenas de pessoas, na mesma situação, aguardavam, irritadas, que lhes dessem um novo número. Porque, nestes casos, não adianta discutir, pedi o livro de reclamações ao presidente da junta que, sem me atender, saiu o mais depressa possível. Quando chegou a minha vez e depois de receber o número actual, solicitei o livro pela segunda vez. A funcionária, inquisitória, perguntou-me a razão porque desejava eu o livro. Seguiu-se um diálogo sem fim, pois ela recusava entregar-me o livro sem saber as razões do meu pedido e eu recusava dar-lhas. Finalmente, e porque não conseguiu demover-me, acedeu. Perguntei a razão da troca de número. Aparentemente, quem se tinha recenseado há mais de um ano e possuia o novo cartão de cidadão - o meu caso e de outras pessoas presentes - recebeu um novo número (!?). O facto de não informarem os interessados, não interessa a esta gente. Vá-se lá saber porquê. Voltei à mesa de voto e, finalmente, pude votar. O "simplex" tarda em chegar às portas de Lisboa. Portugal no seu melhor.