2011/05/05

"O rabo é mais sadio"

"Martim de Tavora comendador da Chavaqueira, digo da Savacheira foy £.º de P.to Docem ˜q se falou asima, era n.lmente m.to raivozo e desconcertadiço; se alg˜u fidalgo lhe dizia ˜q andava a sua mula gorda respondia elle, por˜q naõ a de andar a minha mula gorda se naõ come mas ˜q meyo alq.re de sevada como as outras, e se alguem lhe dizia ˜q andava magra, tornava elle muito agastado, por˜q a de andar S.or a minha mula magra se come m.º alqueire de sevada como as outras, comia h˜u dia elRey D. João o 3º, e comia peixe, veio h˜u [homem] a meza, e disse h˜u dos médicos ˜q acestiaõ a ella, p.ª elRey, coma V. A. do rabo ˜q he mais sadio, quis elRey saber do mesmo medico a razaõ por ˜q o rabo do peixe era mais sadio ˜q o demais corpo, a ˜q o medico satisfes, dizendo: o peixe S.or he m.to humido e como anda sempre dando com o rabo com aquelle movim.to lança delle muita parte da humidad.e natural, e fica por esta razaõ sendo o rabo menos humido e mais sadio; acudio Martim de Tavora ˜q estava também prez.te dizendo p.ª elRey, hora eu S.or andei athe agora m.to descontente do rabo da minha mula por˜q anda sempre dando com elle mas hoje com o ˜q ouvi ao D.or estou mais conçolado por˜q o rabo he a melhor parte ˜q ella tem."


("Anedotas portuguesas e memórias biográficas da corte quinhentista", Leitura do texto, introdução, notas e índices por Christopher C. Lund, Almedina, Coimbra)

2011/05/03

Uma história mal contada

De acordo com as informações divulgadas pelo governo americano, o inimigo nº 1 dos EUA terá sido morto ontem durante um "raid" da unidade especial de fuzileiros "Navy Seals", numa operação militar que durou 40 minutos e acabou 11 horas mais tarde, no mar alto, com o funeral de Bin Laden. Muito profissional.
Vamos admitir que tudo se passou como relatado nos jornais. Porque é que os EUA não produziram, até agora, provas insofismáveis da morte de Bin Laden?
Três hipóteses:
1) A operação correu bem (neutralização de Bin Laden) e o governo americano aguarda apenas o melhor momento (campanha eleitoral de Obama) para divulgar as provas que possui.
2) A operação correu mal (morte de Bin Laden) e o governo americano necessita de construir uma versão mais verosímil para a opinião pública.
3) Bin Laden estaria morto há muito tempo e havia que "matá-lo" em tempo útil (antes da retirada do Afeganistão).
Pois não faz sentido que os EUA soubessem (desde Agosto) que Bin Laden vivia naquela casa e os serviços secretos paquistaneses o não soubessem. Da mesma forma que não faz sentido que esta operação fosse feita à revelia do governo paquistanês, que teria sempre de ser informado do que ia passar-se. Também não se percebe a pressa em desfazerem-se do corpo, prova última de que tinham capturado a presa mais desejada. Fizeram-no no passado com Che Guevara (exposto ao Mundo em 1967 na Bolívia) e, mais recentemente, com os filhos de Sadam depois de terem sido mortos e com o próprio Sadam Hussein, a sair de um esconderijo e a ser analisado por um médico no Iraque.
Sabemos que os tempos e os governos (americanos) são outros. Mas, também sabemos que, desde 2001, Bin Laden não era visto e que a sua influência na estrutura do Al Qaeda era considerada diminuta, seja porque estava em fuga, seja porque estava morto...
Se não estava morto, foi agora morto. Ou, como bem lembrou um comentador televisivo, pode estar vivo e a ser interrogado, mas será sempre morto. Por isso, os EUA podem ter avançado a história do corpo lançado ao mar a partir de um porta-aviões, pois ninguém o poderá refutar.
A CIA o criou, a CIA o matou. End of story.

Adenda: ler, a propósito deste caso, o artigo de Tariq Ali, publicado no "The Guardian" online com o título: "Bin Laden'dead: Why killing the goose?" (na coluna à direita do blogue), onde este autor explica porque Bin Laden ainda não tinha sido entregue pelo governo paquistanês.