2011/05/14

Leituras para o Pentecostes

Duas leituras para o fim de semana. Falam do mesmo tema, cada um no seu modo, e se juntarmos o post do Rui Mota de ontem aqui no Face, já temos aqui um dossier que dá que pensar...
O primeiro que recomendo é (mais) um do meu amigo Fernando Mora Ramos, chamado o "O enterro do conceito". Encontrá-lo-ão aqui. O segundo que queria igualmente distinguir é de São José Almeida, chama-se "A Contra-Reforma" e saiu hoje no Público. Para o lerem podem aceder a este link, se forem assinantes do jornal, ou dirigirem-se ao vosso quiosque e comprar a edição de hoje.
Por que razão, para ler os comentadores cujas opinões dão que pensar, temos de pagar enquanto os imbecis nos chegam à borla e em catadupas pela televisão e pela rádio, quer a gente queira, quer não...? É por estas e por outras que hesitei muito antes de decidir se digitalizava o artigo ou não e o publicava aqui.

2011/05/13

Coisas simples de perceber

Portugal entrou hoje, oficialmente, em recessão técnica (dados do INE). Uma notícia esperada, que o ministro da economia (Vieira da Silva) logo veio desvalorizar com o fantástico argumento de que estas coisas são naturais em época de crise económica.
Simultaneamente, vamos sabendo que os juros a pagar pelo empréstimo de 78.000 milhões de euros, rondam os 30.000 milhões, a taxas de 5% e mais por cento. Ou seja, um total de 110.000 milhões de euros que ninguém sabe muito bem quando serão pagos, com uma economia a crescer a menos de 1% ao ano.
Hoje mesmo a Agência Bloomberg concluia que Portugal não terá condições para pagar esta dívida, opinião que confirma a análise da Standard & Poors de há dias e da maior parte dos economistas nacionais e internacionais de renome.
O mais provável será Portugal chegar a 2013 com os juros pagos e - como a economia não crescerá mais do que 2% - entrar de novo em recessão e ser obrigado a pedir mais dinheiro para pagar a dívida que, entretanto, contraiu...
Como sabemos da Grécia e da Irlanda, a terapia de choque aplicada pelo FMI e pelo BCE, naqueles países, agravou a sua condição social e económica, de tal modo que o desemprego disparou para níveis nunca atingidos e os juros no mercado chegam aos 20 e mais por cento! Um cenário provável para o nosso país que alguns arautos da economia liberal desvalorizam e chamam de previsões "catastrofistas". O principal argumento destes iluminados crâneos é que não há volta a dar e que a alternativa é sair do Euro o que tornaria as coisas ainda piores. Postos perante a alternativa de (re)negociar a dívida de forma a obter prazos mais dilatados e juros mais baixos (única forma de não estrangular a economia que tem de crescer para podermos criar riqueza e, dessa forma, pagar a dívida), dizem-nos que isso é criar calotes e Portugal tem de pagar aos seus credores. Ou seja, para pagarmos agora aos credores, ficamos endividados até às calendas, pois nenhuma economia débil (como a nossa) tem capacidade de recuperar desta crise (estrutural e conjuntural) em que Portugal está metido há mais de dez anos.
Neste contexto de especulação internacional, os nossos obedientes governantes (os actuais e os que vierem após 5 de Junho) querem-nos impôr o "pensamento único" que advoga o conformismo em relação à situação por eles próprios criada.
Porque com esta gente não iremos a lado nenhum, é tempo dos cidadãos criarem formas democráticas de participação activa, para obrigar os políticos a defender os interesses nacionais, ou sairem pelo seu próprio pé, única forma de darem voz a quem de direito. Ou seja, só fora do modelo parlamentar actual, controlado por partidos acomodados e reféns do sistema, parece ser hoje possível construir uma democracia mais participativa, pois a democracia não se esgota no modelo representativo (eleições de 4 em 4 anos) que afasta cada vez mais os cidadãos conforme as percentagens de abstenção claramente o indicam. O desinteresse e a apatia conduzem ao conformismo que poderá revelar-se fatal no dia em que formos governados por um regime autoritário para o qual indirectamente contribuimos.

2011/05/11

Ali Babá, precisa-se

Um dia destes, confrontei-me com uma linha no extracto bancário que me mandaram, que, na singeleza de duas abreviaturas, traduzia um roubo: «desp man», assim rezava. E debitava-me 15 euros e tal.


Lá fui eu ao banco, aonde já há anos (desde que me permitiram acesso pela Internet) não me deslocava. Ah, e tal, que a minha conta tinha um saldo mensal médio de pouco mais de mil euros, logo inferior a 2500, que aquilo correspondia a despesas de manutenção, porque eles mandavam-me o extracto todos os meses, e assim. «Pois podem deixar de mandar, que eu não preciso disso para nada, pois movimento tudo pela net, como devem saber, pois há anos que não me põem a vista em cima.» E, falando grosso: «Só há duas hipóteses: ou me voltam a creditar o dinheiro que me debitaram ou, em vez de mil euros por mês, passam a ter zero euros, porque mudo para outro banco.» Se não se tinham impressionado com a minha vintena de anos «de casa», sempre sem lhes criar problemas, menos se impressionaram como a minha ameaça. «Faça como achar melhor, mas olhe que nós praticamos das taxas mais baixas do mercado, e nos outros bancos não irá decerto pagar menos.» Saí furioso, mas depressa constatei que eles tinham razão: nos outros bancos que abordei, também se praticava a taxa de «manutenção» e o preço era o mesmo; variavam outras condições (como a cobrança ou não de taxa por transferências, por exemplo), mas dos 15 eróis não me safava.


Nunca mais apareci no banco, mas aqui envergonhadamente confesso a humilhação de não ter cumprido a minha ameaça; ia ter de me chatear com burocracias e, como vêem, não ganhava nada com isso.


Segundo a minha leitura, o que se passa é que ao emprestar o seu dinheiro aos bancos, as pessoas se comprometem a uma destas duas alternativas: ou mantêm o tal saldo superior a 2500 euros, ou lerpam em 15 euros e tal por trimestre. Isto é contra a própria lógica do sistema: ainda não há muito tempo, lembro-me bem, os depósitos à ordem eram remunerados a uma taxa que variava de banco para banco, exactamente por efeito da concorrência, como forma de aliciamento dos clientes.


Emprestar-se dinheiro a uma instituição e esta fazer o emprestador pagar por isso não é a única aberração deste processo. Repare-se que quem paga não são todos: só os mais necessitados, os que têm saldo inferior a um certo montante. Poder-se-ia dizer que só põe o dinheiro no banco quem quer; mas o problema é, como o Carlos já referiu neste blogue, o de «certos pensionistas, que se vêem obrigados a receber as suas magríssimas pensões através de conta bancária». Não é só o problema destes, mas de todos os que, como eu, fazem alguns recebimentos por transferência bancária. Isto é, toda a gente integrada na vida social normal é, hoje em dia, obrigada a ter conta bancária aberta.


Em resumo, dado que quem paga são os mais pobres, assistimos a um fenómeno de duvidosa constitucionalidade, para não falar de grosseira imoralidade, que consiste em lançar um imposto sobre os mais desfavorecidos. Em proveito do Estado? Não, em favor da banca.


A isto acresce o que atrás se insinua: será por acaso que a taxa é igual em todos os bancos, não havendo possibilidade de escolha por parte do consumidor? O que mais será preciso para o Banco de Portugal investigar se se trata de uma atitude de cartel? Será isto constitucional?


O que mais me dói é que estamos de tal modo anestesiados nas nossas capacidades de cidadania que nos resignamos, nos curvamos, sem protestar, ante um facto a todos os títulos aberrante.

2011/05/10

Sequestros, sequestradores e sequestrados

"Fui sequestrado pá, e eu não gosto de ser sequestrado!" dizia o almirante Pinheiro de Azevedo naquele verão de todos os confrontos. Não o recordo aqui por ter qualquer simpatia especial pela sua memória e pelo seu legado. Recordo apenas velhos sequestros como pretexto para falar dos novos.
Depois deste regime ter gerado o caos presente preparamo-nos para "escolher" os nossos próximos representantes políticos, entre os próprios autores do caos. Os mesmos que juram a pés juntos que abominam esse caos que criaram, e que esfregam as mãos de contentes porque os portugueses se aprestam a legitimar com o seu voto a sua absolvição.
Preparamo-nos para fazer até mais: deixá-los limitarem-se a gerir e a implementar um programa feito no exterior para controlar os estragos do caos português nos seus territórios, poupando os seus autores, poupando-os à obrigação de pensarem pela sua cabeça e evitando perigos maiores para os seus próprios regimes. Depois de cumprida a missão, assegurado o pagamento, a troika voltará para casa e nós retomaremos o nosso triste estatuto habitual, até à próxima crise.
É isto que nos espera. Se não agirmos o futuro que nos espera é ainda pior.
Depois de dar o poder ao PS e de renovar esse acto, confirmando-o, em claro benefício ao infractor, para um segundo mandato, dizem as sondagens que o fautor principal do caos poderá continuar a contar com as preferências dos eleitores, isto porque o partido eleito há muito como "alternativa de poder", decidiu deixar passar para o lugar do condutor um jovem que se tem revelado um confrangedor ignis fatuus. O PSD é um total falhanço, uma desilusão sem classificação. A situação gerada por esta liderança é tão má que levou, por uma lado, diversos "senadores" a ter de vir apressadamente dar-lhe a mão e outros a demarcarem-se sem rebuço. E o desnorte e a falta de credibilidade no campo da "alternativa" social-democrata é tanto que até o presidente do CDS --um partido cuja ideia de serviço público se resume a sentar-se à beira da estrada, de perna aberta, à espera que passe um cliente-- vê campo liberto para pressionar a "sua" alternativa, antevendo-se como primeiro ministro. A ideia foi insinuada, primeiro, através da proclamação por parte de alguns membros do partido, e confirmada depois pelo próprio. Eram dele seguramente aqueles gritos de ambição que se ouviam através da janela aberta do Palácio de S. Bento, durante uma entrevista de José Sócrates a Judite de Sousa...
PS, PSD e CDS formam esta santa aliança arqueada que faz do sequestro a sua profissão. Mas estes são sequestros e sequestradores que deviam ser já amplamente conhecidos de todos, nada disto é novidade.
Do outro lado do espectro há outros sequestros e outros sequestradores. Os partidos de esquerda fingem estar fora do regime, mas as suas propostas, embora falem em ruptura, não o abjuram, são feitas dentro dele e debaixo do seu escudo protector. Não há risco, não há pisar do risco. Há circo. A única diferença entre o comportamento institucional da esquerda e o da direita, no que concerne a fidelidade a este regime, é o uso da gravata. A gravata é mesmo a única coisa que distingue a esquerda da direita.
Não há ruptura com o regime, não há confronto com este sistema que levou a vida dos portugueses ao estado em que está.
Ouvimos dos partidos de esquerda propostas que muitas vezes parecem justas, neste país onde a injustiça é tanta que dar esmola parece um acto de justiça. Mas elas são feitas de dentro e pelo regime que determinou os factos que agora criticam. O problema actual não reside na natureza das medidas a tomar, mas no próprio regime que lhes deu origem. É o regime que está em causa e nada de bom podemos esperar de dentro dele. Não há soluções para os problemas que afligem os Portugueses dentro do regime, seja qual for a forma como o regime é ocupado, com ou sem gravata. A esquerda parlamentar não tem um verdadeiro projecto de ruptura, qualquer movimento civil a ultrapassa facilmente e não têm por isso qualquer credibilidade as propostas que faz. A esquerda parlamentar não tem um verdadeiro programa de acção que rompa com o status quo. Não propõe atacar o cerne da questão, e, nesse sentido, é também regime, está feita com ele e ajuda-o a perpetuar-se. É o palhaço pobre do regime, que lhe dá significado. É o parceiro sem o qual o palhaço rico não tinha ninguém a quem dar estaladas. Mas, neste sentido, a "esquerda" sequestra o povo de esquerda e impede soluções de esquerda.
Há, portanto, o regime, os seus partidos e os seus chefes de fila. Há estes partidos, com ou sem gravata, que se alimentam todos da mesma ambição: transformar a precariedade inerente ao exercício do serviço público num emprego para a vida e defender esse "direito" com todo o arreganho.
Não interessa nada, neste momento, saber se o "povo" é ou não culpado porque dá aos agentes do regime a sua legitimidade. Não foi para isto que agora temos, certamente, que o povo votou. Os culpados são os donos do regime: estes partidos e o mestre-escola de Belém.
Não vejo, assim, outra alternativa para resolver os problemas graves que nos afligem senão afrontando a  sério este regime. É este regime que gera os nossos problemas, que contém os mecanismos de auto-protecção de que gozam todos os seus agentes e lhes garante a imunidade que lhes permite ir sobrevivendo à sua acção. Não estou necessariamente a preconizar andar à chapada, mas antes levar à letra e até às últimas consequências a ideia do sobressalto que alguns pimpões --julgando certamente que os consideramos alheios aos problemas, que nos causaram-- preconizam.
Sair do sequestro, uma saída possível, capaz de causar um verdadeiro sobressalto, é inquirir os sequestradores. O que é que verdadeiramente impede isso? Por que razão não promovemos essa inquirição?  O movimento do "voto branco" devia ser responsável e dinamizar esse processo. De outra forma o "voto em branco" não passará nunca de demissão. Devíamos levar muito, muito a sério a sugestão feita pelo economista Gylfi Zoega e "determinar exactamente o que se passou aqui, promover uma investigação independente, descobrir o que está errado no governo e no sistema político, quem deixou isto acontecer, para que ninguém esqueça e não volte a acontecer." É verdadeiramente um conselho de amigo este que o sr. Zoega dá.
Também eu não gosto de me sentir sequestrado, pá!