2011/07/15

Badajoz à vista...

Realiza-se por estes dias a 4ª edição do festival transfronteiriço "Badasom", um acrónimo de "som de Badajoz", que tem como tema central o Flamenco e o Fado. Trata-se de uma iniciativa da Junta Extremena e do Ayuntamento de Badajoz, patrocinada pelos cafés Delta, do português Nabeiro. O festival tem um orçamento global de 350.000euros sendo o custo das entradas de 6euros para o teatro e 10euros para o auditório.
Lá estivemos, este ano, para rever Esther Merino, uma "cantaora" extremena, que tem a particularidade de cantar José Afonso em...português. Descobrimos esta intérprete espanhola no Palácio Foz de Lisboa, onde se deslocou recentemente a convite de Amilcar Vasques Dias, compositor e pianista, de quem já conheciamos o reportório e que é, normalmente, acompanhado pelo violinista Luís Cunha.
Quando o desafio surgiu, nem hesitámos. Badajoz está a duas horas de caminho e poder rever, ao vivo, este trio de luxo, era um privilégio.
O Festival desenrola-se em dois espaços distintos da cidade, o teatro López de Ayala e o auditório Ricardo Carapeto para os grandes concertos. Um programa de luxo, o do "Badasom", onde em edições anteriores passaram nomes como Mariza, Camané e Cristina Branco, do lado português e Carmen Linares, Miguel Poveda, El Cigala, Vicente Amigo e Enrique Morente do lado espanhol.
Este ano, o Festival tem como tema a figura de "Porrina de Badajoz", um "cantaor" extremeno que mereceu as honras da primeira noite, a cargo de Ramón, "El Português". Seguiu-se uma noite no terraço do Teatro Ayala onde, a par de um jantar volante, pudemos desfrutar de uma noite de "cante" (ao luar), na qual participava Esther Merino que interpretou LLorca, Afonso (Cantar Alentejano) e diversos "palos" flamencos. Uma força da natureza, a Esther, que acaba de ganhar o prémio da melhor "cantaora" revelação do ano. Canta bem todos os estilos e a "seguiriya" com que nos brindou permaneceria um dos pontos altos da noite. O outro seria "Cantar Alentejano", acompanhado ao piano e violino, onde a técnica, aliada à expressividade e dramatismo que só uma grande intérprete pode ter, foi notável. Merino acaba de ser anunciada para actuar no Festival Flamenco de Lisboa, com data marcada para 16 de Setembro, no Coliseu. A todos aqueles que pensam que de Espanha "nem bom vento, nem bom casamento", posso desde já garantir que uma coisa boa vem de certeza: o flamenco!
O programa do "Badasom" continua hoje, com Estrella Morente e Joana Amendoeira, terminando amanhã com "Tomatito" e "El Guadiana". Já não podem dizer que não sabiam...

2011/07/11

O SNS é nosso!

Só quem não tem, não teve ou finge ignorar ter problemas de saúde, só quem não os experimentou directa ou indirectamente, por doença sua ou de alguém chegado, só alguém assim pode tratar o SNS com leviandade e distância. Nem mesmo o facto de ter muito dinheiro e de poder ir ao estrangeiro quando dói a barriga exime as pessoas de encarar um serviço de cuidados de saúde competente e universal como uma necessidade tão básica como o ar e a água, de o exigir e de lutar para que tenha as melhores condições de funcionamento.
Os pobres porque se encontram duplamente desprotegidos na doença devem ter direito, sem restrições, aos melhores cuidados de saúde. Mas, também os ricos. A doença não vai ver, primeiro, o saldo bancário para atacar. Os seus efeitos também atingem a classe A... Na doença qualquer ser humano está totalmente desprotegido e dependente. Na doença qualquer ser humano está, literalmente, de calças na mão.
Só quem não passou por isso, repito, pensará de outro modo. Na hora da verdade todos (todos!) queremos um especialista competente diante de nós, alguém em quem possamos confiar totalmente, que nos cure ou minimize os efeitos do inevitável. Nesses momentos em que nos sentimos, e estamos de facto, tão vulneráveis e desprotegidos, queremos conforto. Na doença, toda a gente, ricos e pobres, teóricos e práticos, corre a arranjar solução para o seu problema. A história da humanidade, arrisco-me a dizer, tem sido um percurso no sentido de proporcionar uma solução universal e justa para este problema que é universal e injusto: a falta de saúde. Na instituição das Misericórdias no século XV, na criação do SNS no século XX, até na "guerra" de Obama pelo plano universal de cuidados de saúde, lemos continuamente apenas um propósito: o da criação de mecanismos de protecção de todos, sem distinção, no momento em que estão mais frágeis e desprotegidos, o da doença.
Depois de criados esses mecanismos qualquer retrocesso é inadmissível. Ficar desprotegido face à doença depois de ter podido beneficiar da máxima protecção possível é tão absurdo como voltar a fazer fogo esfregando dois pauzinhos. Não se trata de algo fugaz, ditado pela conjuntura política. É um objectivo da humanidade, em marcha desde sempre, explícito ou implícito, cumprido com maior ou menor dose de sucesso, mas imparável.
Se há meta a atingir, inequívoca e indiscutível, se há "projecto" que pode unir todos os portugueses, a saúde para todos é um deles. Nem todos sabem disso, nem todos precisam ou precisaram do SNS, mas aos que não sabem é preciso explicar.
Não é pois possível calar o repúdio pelas "sugestões" de Cavaco Silva. Para além de constituirem, como foi já muito justamente apontado, um grosseiro atropelo à Lei Fundamental que jurou respeitar e que diz ser o seu desígnio enquanto Presidente da República, esperar-se-ia de uma pessoa com as suas funções a defesa e a pedagogia do SNS, não a sua deturpação canhestra. Os portugueses precisam do SNS, precisam de perceber o que o SNS significa para eles e o que representa, numa perspectiva civilizacional, dispôr de um sistema destes. Os portugueses precisam de saber que se trata de um sistema básico, elementar. Os portugueses precisam também de saber, claramente, que este sistema básico custa dinheiro e que, para o assegurar, esse dinheiro tem de ser obtido pelas receitas fiscais de todos. Os portugueses precisam de saber que se o sistema custa mais do que o que as receitas fiscais proporcionam, terão de trabalhar mais e descontar mais para o assegurar sem o deturpar. É isto que é preciso explicar, é esta pedagogia que é preciso fazer e não sugerir a oferta do sistema a privados para garantir o seu funcionamento.
Trata-se de responsabilizar os portugueses por garantir um sistema que é seu e, mais do que isso, constitui um marco civilizacional, não uma frivolidade adquirível a crédito numa qualquer campanha de promoção. O SNS não pode andar para trás. Esta ideia que paulatinamente vai aterrando de entregar o SNS a privados, mesmo que de modo supletivo, é uma aberração, um crime! A saúde, como a morte, não podem, em qualquer circunstância, ser negócio. Não podemos deixar que isso aconteça e não podemos deixar que o governo vá por essa via.
O professor Cavaco Silva tem de corrigir a tremenda argolada que cometeu.
Garantir um SNS efectivo e viável, contribuir com empenho e trabalho colectivo para isso, é a ideia mais forte que qualquer líder político poderia encontrar para mobilizar os portugueses para o futuro. Se já este  facto de ter de trabalhar para pagar os buracos financeiros criados pela irresponsabilidade dos sucessivos governos que temos tido parece absurdo, afigura-se totalmente inaceitável que, no caso da saúde, se transforme um buraco financeiro numa oportunidade de negócio para uns quantos espertalhões. Se há alguém que deva lucrar com a saúde são os portugueses. O dinheiro que os portugueses pagariam para garantir a mais-valia dos privados deve servir para melhorar o sistema, não para os privados se encherem. A resposta aos problemas do SNS pertence aos portugueses, exclusivamente.
Espera-nos a todos a doença e a morte. Até Cavaco Silva vai ter de se colocar um dia nas mãos de um qualquer clínico que lhe trate da saúde. Na hora da verdade confortá-lo-á certamente ter alguém competente, em quem confie. A mim e ao leitor também...