2011/08/05

Uma questão de educação

Politicamente, estamos numa fase que poderíamos classificar como a das virtudes teologais. Este governo iniciou funções, se bem se recordam, a proclamar  —fazendo coro com Cavaco Silva— que "Portugal não vai falhar." Uma , portanto. Portugal empolgou-se. A fé, sabemo-lo, move montanhas e o imaginário dos portugueses arrebatou-se, estimulado por amplos movimentos de terras.
Mas logo a fé foi substituida pela caridade. Enquanto mostrava a verdadeira face, malhando forte nas condições de vida dos portugueses, o governo dava logo a outra face ao introduzir o seu programa ou plano de emergência social, uma verdadeira cerimónia de lava-PES, a penitência, um amontoado de medidas para aplacar consciências. Um governo feito quermesse de paróquia, constituído por governantes que no seu louvável afã parecem uma brigada da Conferência Vicentina ensaiando a dança de S. Vito. É verdadeiramente patético.
Em vez de quebrar o ciclo, Portugal assiste a tudo isto venerador e obrigado. Uma mão estendida enquanto a outra segura os fios da tanga de domingo que sobra para ir à missa.
No final, com a capacidade de reacção entalada entre a fé e a caridade, lá bem no fundo, fenece a esperança dos portugueses. Por muitos actos de fé e por muita caridade que seja despejada sobre eles, os estudos e estatísticas estão aí para o demonstrar: os portugueses são um povo sem esperança.
Educados nas virtudes teologais, os portugueses, governantes e governados, precisavam de ir muito mais além, para ultrapassar este maldito ciclo do império das virtudes, mas não dão mais do que isto: fé e caridade sem esperança.
As virtudes teologais levaram-nos à crise, as virtudes teologais hão-de tirar-nos dela. É cá uma fé que a gente tem...

2011/08/03

Álvaro

Devo confessar que tenho um "fraquinho" pelo Álvaro. O Santos Pereira. Aquele que é ministro de Economia e Inovação. Vi as intervenções que fez na Comissão de Inquérito da Assembleia da República e fiquei espantado. O homem não tinha carro em Vancouver e ia todos os dias de metro para a Universidade onde leccionava. Mais, aproveitava o tempo da viagem para ler os relatórios que tinha de estudar. Ainda hoje, nem ele nem a família têm automóvel (Imagino que irá de metro ou de autocarro, para o seu ministério). Quando chegou ao governo ficou chocado com as mordomias em que viviam os seus antecessores: os carros topo de gama, as ajudas de custo, os motoristas. Em consequência, já mandou reduzir os gastos. Também já reduziu o número de secretários, assessores e funcionários no departamento.
Acredita em Portugal e tem planos extraordinários para o futuro. Provavelmente, o mais extraordinário de todos é tornar Portugal a "Florida da Europa". Já tinhamos o Portugal "Europe's West Coast" e o "Allgarve", agora teremos os reformados do Norte da Europa com mais calor durante todo o ano. Estou a imaginar o slogan: "Meet the real Camarinha at Algarve's Barlavento".
Isto para não falar do seu tom coloquial: Álvaro para os colaboradores, que essa coisa de títulos é de país atrasado (não podia estar mais de acordo). O homem não pára. Ele é o ministro de quem se fala. Colossal, o Álvaro.

2011/08/02

O futuro de Coelho pode falhar

Ninguém tinha ilusões quanto à capacidade do governo poder controlar a bagunça que por aí vai, mas nunca pensei que o pior cenário se viesse a revelar de uma forma tão abrupta, tão rapidamente. Deste governo exigia-se que fosse como aqueles carros dos quais se diz que atingem os 100 km/h na casa dos poucos segundos. E que tivesse potência para aguentar, já nem digo ultrapassar, essa velocidade. Pelo menos enquanto durasse a gasolina.
As reacções ao aumento dos transportes vieram mostrar que vivemos num equilíbrio extremamente precário. Não as considero tímidas. A qualquer momento o "bólide" gripa.
Em breve, creio, os diversos poderes vão perceber que não basta verter lágrimas de crocodilo por causa da pobreza e repetir, sem convicção, que vivemos numa situação difícil e é portanto necessário fazer sacrifícios. Há um limite para tudo, até para a capacidade de tolerância dos portugueses e o governo parece ignorar que não tem margem de erro. Coelho, Portas e Cavaco estão a falhar.
Sem explicações aceitáveis para os inesperados aumentos e novos cortes, demonstrando de forma cada vez mais clara a falta de trabalho de casa que teria permitido começar cedo a trilhar novos caminhos e a rectificar claramente os erros de gestão mil vezes apontados ao PS, estamos à deriva. O governo parece o Breivik a acertar friamente nas vítimas impotentes, nas vítimas de sempre. Será que Coelho e o seu parceiro de coligação leram mesmo bem —mesmo bem!— os sinais que lhes foram transmitidos pelas eleições?
Se não se põe a pau o governo de Passos Coelho —que susbstituiu a desculpa com o governo anterior pela desculpa com a troika e o "fontismo"— caminha a passos largos para um aparatoso trambolhão.

2011/08/01

Negócios colossais

Ver Mira Amaral na Televisão justificar a compra do BPN pela ridicula quantia de 40 milhões de euros (quando a maior oferta era de 100 milhões) com o argumento de que aquele era o preço justo no mercado, é demasiado ofensivo para ser levado a sério.
Imaginem só: o banco que foi alvo da maior fraude financeira da história da banca portuguesa, e que custou até agora ao erário público 2.400 milhões de euros, vai despedir 750 dos 1500 funcionários e o governo ainda terá de assegurar 550 milhões para o recapitalizar, antes de entregá-lo ao BIC. A "cereja em cima do bolo" - no caso do banco ter um lucro de 80 milhões no futuro - vai ser a devolução de parte deste valor ao estado (quando?).
Principais accionistas neste negócio leonino: a filha do cleptócrata Eduardo Santos (Angola) e Américo Amorim (o homem mais rico de Portugal), que já detêm o BIC, no qual Amaral exerce a função de administrador principal.
Não é de admirar que o ministro das finanças só encontre "desvios" nas contas do estado. Faltam-me adjectivos para classificar tal negócio. Talvez colossal?