2011/10/22

Alfredo Bruto da Costa

A pobreza é um problema vergonhoso neste país. Alfredo Bruto da Costa é certamente uma voz a escutar atentamente, se queremos dar ordem ao pensamento sobre este tema.
Não são de hoje as suas análises sobre as causas e as consequências da pobreza em Portugal e não são de hoje os alertas que tem lançado sobre a deterioração constante da situação do país nesta matéria. Há uma série de artigos e entrevistas que é oportuno ler ou reler. Ouça-se esta entrevista recente da TSF, veja-se esta outra, veja-se ainda esta outra, leia-se esta ou esta, ou ouça-se esta.
A sua entrevista de há poucos dias ao TVI24 foi um momento de raro valor televisivo. Simples, sem tiques nem demagogias, usando palavras totalmente ausentes hoje dos discursos públicos (quem fala de dignidade? Quem entende sequer o que é dignidade?!), Bruto da Costa revisitou de A a Z as causas do problema da pobreza em Portugal e desmontou as manhas e o embuste do OE2012. Fê-lo de um modo sereno, quase zen. Foi demolidor.
Pena que a TVI24 não disponibilize esta entrevista. Vale uma manif, bem concorrida.

2011/10/20

Ruptura, precisa-se!

 Para quem tem dúvidas sobre o tipo de regime que é imposto aos Portugueses —o regime que nos conduziu até ao actual estado de coisas—, basta atentar na reacção dos partidos com assento na AR ao OE2012.
Numa altura em que até gente que conheço, simpatizante fiel do CDS, demonstra sinais de enorme descontentamento, desconforto e apreensão, numa altura em que ocorrem manifestações por todo o país, se anuncia uma greve geral, organizada pelas duas centrais sindicais, e há uma agitação latente e indisfarçável, o que vemos nós?
Uma direita arrogante, a tentar naturalmente explicar aos portugueses o inexplicável —sem grande sucesso diga-se—, perdida, sem consenso, dissonante, exaurida, a direita do foste-tu!, que mete nojo. Sempre meteu, mas agora mete mais... 
Mas, também, uma esquerda estúpida, encolhida, acomodada, amorfa, sem criativiadade, sem coragem para se impôr pelas suas ideias. Uma esquerda que demonstra um indesculpável "medo de exisitir".
Do lado do PS, uma espécie de esquerda-direita-op-dois, incapaz de colocar fim à política do uma no cravo e outra na ferradura, sempre à procura da via, terceira, quarta, que só pega de marcha atrás. O OE2012 é a morte do País? Contem connosco para o viabilizar, grita Seguro. Nisto estão todos de acordo: a morte do País merece consenso entre os partidos do "arco do poder". O PS finge que é oposição, mas esparrama-se diante da direita como uma ninfomaníaca, cobarde, incapaz de aproveitar a ocasião para se diferenciar finalmente dessa direita, comprometido que está com os tabus e as catacumbas deste regime. Não há qualquer esperança de ver um PS diferente. 
Mais à esquerda, encostados às tábuas, vemos um BE light e um PCP ensosso. Esquerdas que não se percebe bem o que andam a fazer, acomodadas, subjugadas ao dízimo que o regime lhes proporciona, inexplicavelmente agarradas às liturgias do sistema, formais, alinhadinhas, penteadinhas, totalmente incapazes de aproveitar o descontentamento generalizado e de captar para a sua causa importantes sectores da sociedade portuguesa, vítimas objectivas das tropelias do poder, que finalmente perceberam que não são, nem nunca foram classe dominante e que a Classe A também se abate. Uma esquerda que elegeu a falta de gravata como único sinal visível e material do seu "inconformismo". De resto, zero! 
A incapacidade da esquerda para segurar o momento e ser motor desta ruptura necessária é confrangedora.
Numa altura em que ruptura é a única resposta possível à "crise" a que nos condenam as forças mais obscuras da sociedade, numa altura em que é preciso reunir todas as forças para combater esta política  escandalosa que empurra o povo português para a quase barbárie, em que as circunstâncias estão maduras, como jamais estiveram, para produzir as mudanças profundas e necessárias, os partidos que se auto-proclamam de esquerda mostram-se sem iniciativa, quando muito reactivos, acomodados, amorfos, impreparados, sem criatividade. 
A narrativa de esquerda está de tal forma carcomida pelo bicho que até o CDS e alguns dos seus militantes aparecem por vezes com o discurso mais progressista que se ouve hoje em Portugal. Algo está profunda e preocupantemente mal quando assim acontece. A narrativa de esquerda está de tal forma de rastos que até um personagem sinistro como Cavaco Silva se atreve a pegar em valores de esquerda, apropriar-se deles e pregá-los desavergonhadamente, como se estivesse a jogar em casa! É inaudito!
O exemplo da Madeira é particularmente chocante e ilustra bem o que se passa à esquerda da vida institucional portuguesa. Derrotada em toda a linha, por via de uma actuação política verdadeiramente dasastrosa e vergonhosa, derrotada por um personagem que não devia existir, que em qualquer sociedade civilizada teria já sido declarado interdito, a esquerda, as esquerdas da Madeira deviam simplesmente fazer seppuku. A sua derrota humilhante diz bem da "superioridade moral" de que esta esquerda impotente e serôdia se reclama... 
É necessária ruptura, mas faltam políticos para a produzir. À esquerda, nas esquerdas, está faltando gente com tomates!

2011/10/19

O bom católico e a má luterana

A actual crise, que desde 2007 afecta parte significativa do Mundo Ocidental, tem dado para tudo. Depois do "subprime", que teria estado na origem da crise financeira dos EUA, seguiu-se a crise económica dos países directamente afectados pela primeira e, actualmente, encontramo-nos na terceira fase, a da crise social que atinge milhões de cidadãos em todo o Mundo. Uma das zonas mais afectadas, depois dos Estados Unidos, é precisamente a zona Euro, onde Portugal está inserido.
Desde a desenfreada "especulação bolsista", às "famigeradas agências de notação", passando pelos "nervosos mercados" e as "populações a viverem acima das suas possibilidades", não têm faltado interpretações dos "amaciadores da opinião pública" que, diariamente, passam pelos canais da televisão a que vamos tendo direito. Depois dos economistas e dos politólogos, para não falar dos políticos em exercício, ninguém tem faltado à chamada. Ontem foi a vez de Freitas do Amaral.
Discursando num congresso de economistas, o que veio dizer esta pitonisa de serviço?
Que a crise, de contornos desconhecidos, é também culpa da falta de líderes europeus à altura das circunstâncias e que, neste contexto, o "falhanço" da Alemanha se deve à sua chanceler, a Sra. Merkel. A explicação, segundo Freitas, é simples e deve ser procurada nas origens reformadoras-cristãs de Merkel. Esta, educada na Alemanha de Leste, é uma luterana e, como é sabido, os luteranos professam uma fé que não conhece intermediários. Os pecados devem ser expiados na Terra, pois só nós somos responsáveis pelo nosso destino. Essa é a razão pela qual, países como a Grécia e Portugal, devem pagar pelos seus desvarios financeiros. Temos de ser punidos. Primeiro, pagar. Só depois poderemos ser ajudados. Esta é a razão que estará na origem da inflexibilidade alemã.
Freitas, como bom católico que é (pode sempre confessar-se e voltar a pecar) disse esperar ainda por um raio que caia literalmente em cima de Merkel e a ilumine de vez, única forma de sairmos disto...
Terei de consultar o Nostradamus, mas aposto que deve lá estar uma profecia parecida. Esta não lembrava ao careca!

A incógnita (2)


Em junho passado vislumbrei uma incógnita nos céus de Lisboa e dei disso conta aqui. Hoje vejo outra  incógnita, maior, desenhada nos céus aqui da minha terra. Maior e mais nítida. Certezas, certezas, só as pode ter o governo e o seu PR: se é tumulto que receiam, é tumulto que lhes vai cair em cima pela certa. Infelizmente, penso que não nos livramos disso.
Ainda há bocado, no café onde habitualmente vou, passavam imagens na televisão, em directo, dos tumultos desta manhã na Grécia. O dono do café, pessoa bastante conservadora e nada dada a "tumultos", pelo que percebo, dizia-me com ar nada surpreendido: "ah! afinal é na Grécia, pensava que já era aqui!" Será um que não ficou convencido da bondade das palavras do Álvaro ontem quando disse que "há mais vida para além da austeridade," mais um que já só espera o pior.
Nesta equação de tumultos a várias incógnitas, há umas já resolvidas e outras em vias de resolução.

A careca do presidente

"Há limites para os sacrifícios que podem ser pedidos," diz o PR.
Too little, too late, Mr. President.
Continua o embuste, com os condenados de antanho a fingir agora que são juízes.
Há de facto limites para os sacrifícios que se podem pedir aos portugueses, mas estes limites não estão na sua capacidade de sacrifício —que parece infinita— nem na sua arte para apertar cintos. Os limites estão na sua capacidade para entender as origens desta crise e na qualidade da manha que tem sido usada para disfarçar responsabilidades. Uma manha feita de um ciclo vicioso, de um jogo de empurra o empurrado e volta a empurrar, para voltar tudo à primeira forma e manter o status quo intocável, como é norma desde o início da vigência desta Constituição.
Há quem esteja acima da crise. É só olhar à volta.
A tudo isto é preciso dizer chega! Quando a maioria que elegeu o senhor Presidente finalmente tirar as suas conclusões, ninguém se safa e não fica pedra sobre pedra.
"Mudou o Governo, mas eu não mudei de opinião," acrescenta o PR. Percebemos, mas percebemos também que não é por coerência. É apenas o medo de que a maioria descubra finalmente a careca do presidente e a verdadeira natureza da sua "coerência".

2011/10/17

Ainda os ecos do 15 de Outubro

O local escolhido para a Assembleia Popular de 15 de Outubro não podia ser mais apropriado. É do exercício da democracia que estamos a falar.
Não posso deixar de me rir quando ouço e leio algumas críticas a todo este movimento do 15.O.
E agora, perguntam uns? Sim senhor, estive lá, fui para casa, e agora? O que se segue no programa?
O movimento, acusam outros, é emocional. Falta-lhe reflexão, pensamento, conceitos.
Onde está a representatividade destes movimentos, perguntam, finalmente, outros? A pergunta vem, sobretudo, dos mais significativos contribuintes líquidos para o folclore em que se tornou esta espécie de regime em que vivemos.
Muito se poderia dizer sobre estas críticas. A história não regista, infelizmente e por razões óbvias, os que lhe passam ao lado, mas todas as clivagens profundas tiveram os seus detractores. Camões criou o símbolo do "velho do Restelo" para os definir.
Aos que foram lá e perguntam e agora?, digo: voltem e continuem a luta. Não se pode pedir aos organizadores de todo este movimento que inchem e que o engrossem com o seu próprio inchaço. E agora?, perguntam vocês? Pois, agora somos justamente nós, vocês, que temos de tomar a palavra, agir, organizar, dinamizar. O 15.O não é, em si, um movimento de vanguarda, nem é, por si, a resolução dos problemas que nos apoquentam. É uma forma possível de criar soluções. Tem de ser construída, tem de ser solidária e gerar solidariedades. A palavra cabe, justamente, aos que fazem a pergunta e agora?.
Aos que acusam o 15.O de falta de pensamento e de reflexão digo: vejam aonde o vosso "pensamento" e a vossa "reflexão" nos conduziram! Não foi o 15.O que dirigiu as coisas. Foram vocês, as vossas facções. E são vocês que se tornaram um problema. Parecem ignorar, uns, que o pensamento se forja na acção, e esquecem ou escondem, outros, na sua ânsia controleira, os princípios que lhes deram origem e tornaram possível a sua própria existência. Criticam um movimento que lhes foge manifestamente por entre os dedos.
Aos que acusam o 15.O de falta de representatividade, digo: vocês são os avós do fugaz e os pais da ilusão. Estão demasiadamente habituados à liturgia e aos paramentos desta sociedade e ajudaram a manter este regime mínimo. Não percebem nada do que se está a passar à vossa volta. Nasceram moribundos. A maior parte de vocês está cá já a mais.
Boaventura Sousa Santos chamava há dias a atenção para o facto de que a ideia principal que subjaz todo este movimento é, simplesmente, a de exigência pacífica de mais democracia. Não se reivindicam ideologias, implantação deste ou daquele regime, mas mais participação dos cidadãos. Democracia! E desobediência civil perante esta democracia defeituosa que nos é servida, que temos de pagar com dinheiro que não temos.
Só se exige democracia quando se vive em ditadura. Quem são agora os ditadores?

2011/10/16

Escolhas


Uma mensagem simples e clara. Antigamente, a manha do poder limitava o conhecimento das coisas. Antigamente era difícil o acesso aos arautos, só os muito bem organizados conseguiam fazer a denúncia de verdades simples como esta do cartaz.
Hoje qualquer um pode conhecer a verdade. Hoje qualquer um tem capacidade de intervir. Hoje qualquer um sabe que o que está escrito neste cartaz é verdade. Escolher ignorá-la ou desculpá-la  é uma opção. Que não faz, porém, do ignorante ou do absolvente, classe dominante. Pode, quando muito, dar-lhe essa ilusão, mas, mais tarde ou mais cedo, essa opção vai ser paga duramente.
Sabemos, todos nós que ontem estivemos em S. Bento, que também temos de pagar por essa opção dos outros...
Por trás da singeleza e de uma certa espontaneidade desta manifestação de 15 de Outubro está esta outra verdade, também ela, muito singela: quem lá esteve, em Lisboa, em Seattle, em Melbourne ou em Tóquio sabe tudo isto. Somos muitos a saber tudo isto e somos cada vez mais a fazer tudo para que ninguém possa fingir ignorar ou desculpar esta verdade simples: a dívida de hoje é o roubo de ontem pela classe dominante.
Assim, como alguém dizia no Twitter ontem, "se não tens motivos para assistir amanhã à manifestação mundial, talvez sejas afinal parte do problema"...