2012/01/17

A doutrina do choque

O acordo laboral, esta madrugada assinado, entre os denominados "parceiros sociais", representa um dos mais brutais ataques ao mundo do trabalho dos últimos anos: redução de dias de férias e dias feriados, eliminação das chamadas "pontes", criação de uma "bolsa" de 150 horas (a utilizar de acordo com os interesses do empregador), despedimento por ausência em dias próximos a feriados, etc.
O argumento, dizem, é "flexibilizar" a economia, essa receita mágica com que o patronato julga poder resolver os problemas estruturais do mundo do trabalho em Portugal.
Trata-se, objectivamente, de embaratecer o factor trabalho, com vista a poder concorrer com a mão-de-obra dos países emergentes, coisa que nunca conseguiremos, a menos que os trabalhadores portugueses passem a ganhar o mesmo que os trabalhadores chineses ou indianos (o que já esteve mais longe de acontecer).
Depois da redução drástica do poder de compra (através de cortes substanciais dos ordenados e subsídios de férias) e do aumento de impostos e preços dos bens essenciais, o governo vem agora (com a cumplicidade da UGT) penalizar os trabalhadores empregados, obrigando-os a aceitar medidas draconianas a troco de uma mirífica retoma económica.
Nada faz supor que, findo o período de austeridade, a economia portuguesa esteja melhor do que hoje (veja-se o exemplo da Grécia); ou que estas medidas venham sossegar os "mercados" internacionais. Se dúvidas houvesse, a recente qualificação de "lixo" atribuida pela S&Ps ao nosso país mostra até que ponto as agências ignoram as medidas tomadas pelo actual governo. Portugal, há muito que deixou de ser interessante para o investimento estrangeiro, pelo que não se esperam grandes mudanças neste sector.
As medidas anunciadas visam apenas destruir o aparelho produtivo e já foram ensaiadas noutras latitudes, sempre com o mesmo efeito: o empobrecimento acelerado da população com vista à aceitação de medidas cada vez mais brutais, numa estratégia que Naomi Klein apelidou de "A doutrina do choque" (2009) e que foi testada em realidades tão díspares como o Chile e a Russia, ou a Grécia e Portugal. A lógica é simples: uma vez aterrorizada, a população tende a aceitar mais facilmente as medidas impostas pelos governantes, mesmo que, para isso, as liberdades formais tenham de ser restringidas e a democracia musculada. Estamos a caminhar para lá...

1 comentário:

Carlos A. Augusto disse...

De facto, Rui, estamos, todos nós, aqui perante a necessidade de compatibilizar músculo e democracia...