2012/01/06

A minha "loja" é melhor que a tua

A acreditar nos jornais de hoje, 80% dos deputados da AR terão ligações à Maçonaria.
Destes, a maioria faz parte dos três grandes partidos: o PSD, o PS e o CDS. Todos os seus líderes partidários, respectivamente Luís Montenegro, Carlos Zorrinho e Nuno Magalhães, pertencem a uma "loja" maçónica.
Questionados pela comunicação social, nenhum deles confirmou ou desmentiu a sua filiação: Luís Montenegro, sob o qual incide a atenção dos "média", dadas as suas ligações aos Serviços Secretos e destes à Ongoing, responderia que, "provavelmente, os jornalistas sabiam mais sobre a Maçonaria do que ele próprio". Já Carlos Zorrinho, daria uma não-resposta, ao dizer que a sua "vida política sempre tinha sido pautada pela transparência", enquanto Nuno Magalhães considerava "não fazer sentido, para esta ou outras questões, levantar suspeitas infundadas".
Como bem explicou Pacheco Pereira, no programa "Quadratura do Círculo", o secretismo que rodeia a Maçonaria justificou-se durante a ditadura de Salazar (que proibia tudo o que fosse anti-regime), mas não faz sentido em democracia. Ninguém deve ser proibido de pertencer a qualquer seita ou "irmandade", por mais esotérica que seja, mas, se essa pessoa ocupar um cargo político relevante (governante, deputado, etc.), deve declará-lo para evitar tráfico de influências. Até porque, como bem lembrou Pacheco, a Maçonaria não é, necessariamente, uma organização fraterna e filantrópica, mas pode ser uma organização criminosa, como ficou provado nas ligações da Loja P2 à Mafia e à Democracia Cristã italiana.
Para que não haja dúvidas, o general Vasco Lourenço, mestre da GOL (a verdadeira, a da Bayer), veio hoje a terreiro declarar que os bons princípios da Maçonaria estão a ser subvertidos pelos "maus" maçons. A estes chamou de "gangs", que só desprestigiam a irmandade e devem ser combatidos. Não está certo...
Avizinham-se sangrentas guerras de "gangs" nas ruas da capital do reino da hipocrisia.

2012/01/02

As origens da crise e os votos do bispo do Porto

Os primeiros minutos de 2012 trouxeram-me uma surpresa. Estava com um grupo amigos, numa situação informal de celebração da passagem do ano, e a conversa foi parar à crise e ao futuro do país. Um dos presentes falava-nos da filha, economista a trabalhar desde há pouco tempo em Espanha, numa situação de desafogo e privilégio. O pai tinha-lhe pedido que descrevesse o seu novo trabalho. Ela contou-lhe que uma das suas tarefas, no quadro da gestão de "recursos humanos", era despedir pessoal. Em tempo de crise a tarefa não era simples nem agradável, mas tinha de ser cumprida em nome das boas e sacrossantas normas de gestão. Perante uma divergência de opinião sobre este assunto, o pai disse-lhe que quando estivesse a cumprir essa sua função se lembrasse das suas origens. Antes de despedir alguém, ter-lhe-á sugerido, tinha de ver para além dos números e das estatísticas. Só havia uma atitude correcta a ter num caso destes. Tinha de se lembrar que estava perante um ser humano, certamente com família, não de um robô ou de uma qualquer máquina que constasse do imobilizado da empresa.
Algum tempo depois, a filha contava ao pai que tinha sido encarregada de despedir um funcionário, português como ela, originário da mesma região, que a conhecia a si e à sua família. "Tu vais-me despedir," ter-lhe-á dito, "e vais continuar a poder dar de comer aos teus filhos, mas eu vou deixar de poder alimentar os meus." Antes de consumar o despedimento do funcionário, ela apresentou a sua própria demissão.
Fui apanhado de surpresa com este relato, confesso. O pai contava isto com um enorme, óbvio e justificado orgulho. Não há, de facto, nenhuma outra alternativa eticamente defensável.

A Igreja Católica é, em boa parte, culpada desta da caldeirada ética que vai por aí.
Hoje o bispo do Porto lembrava na sua homilia de Ano Novo as premissas para a "sustentabilidade da sociedade," alertando que "voltar atrás nos progressos, na dignificação da mulher, pais, filhos e idosos seria dramático e poderia ter graves riscos para a solidariedade e a paz que têm geralmente na família a sua primeira e indispensável pedagogia." Enquanto lia estas palavras pensava que o maior défice público em Portugal é, com efeito, o da família. A "família, a primeira e indispensável pedagogia" da democracia, como a definiu D. Manuel Clemente. É um facto! A família hoje é descartável, as relações transientes, os laços forjados nas aparências, sustentados por interesses conjunturais, mesquinhos e egoístas. Ter família custa, por isso se desfazem com tamanha facilidade.
O bispo do Porto deve saber que não há nada de sagrado na família hoje. Talvez ele tenha razão:  ao desmoronarem-se as relações familiares abriu-se caminho ao regabofe liberal que hoje domina o ocidente. Talvez, de facto, a destruição da família seja o elemento determinante na geração da crise. Talvez, de facto, seja imprescindível que "a sociedade e o trabalho se organizem em função das famílias e da unidade, não pensando apenas no individual", para que a crise seja superada. Não tenho grandes dúvidas a esse respeito.
Mas, o senhor bispo do Porto devia contudo saber que a sagrada família, hoje, é outra coisa, muito diferente da família que vemos simbolizada nos presépios natalícios. E a nova sagrada família é tão legítima com a velha. Há velhas, mas, também, novas famílias, famílias com membros trazidos por ele ou por ela, famílias também só deles ou só delas, e até famílias de gente que não partilha laços de sangue, mas apenas cumplicidades e desígnios comuns. Nesta empresa, neste clube, nesta instituição "somos como uma família", diz-se frequentemente. Muitas destas famílias não se enquadram neste conceito estreito de família da Igreja, nem são por ela reconhecidas. A sociedade em geral, constituída também por estas famílias, e as suas instituições têm, elas próprias, dificuldade em lidar com esta realidade. E, para complicar ainda mais tudo isto, também há gente sem família, gente que já não partilha laços de sangue com ninguém, gente só, gente cujos vínculos foram quebrados também por outros divórcios, gente que não beneficia de qualquer acto de solidariedade, gente condenada ao eterno desterro.
Em todas as famílias, nas novas como nas velhas, o que conta, porém, é sempre a mesma coisa: os laços são forjadas na solidariedade, no respeito mútuo e no amor incondicional. É assim em todas as verdadeiras famílias que tenho observado, velhas ou novas, hetero, homo, de esquerda, de direita ou de centro, formais ou informais.
O bispo do Porto e a Igreja Católica deviam dirigir este discurso para dentro da própria Igreja porque é daí que parte o maior ataque à família, às famílias, de que há memória. É aí portanto que tem origem boa parte da crise actual.
Muitos membros e seguidores dos princípios da Santa Madre Igreja —não só necessariamente dos que se dizem praticantes, com missa e benzeduras, mas também daqueles em quem foi implantada esta moral, que seguem acriticamente— fazem parte do grupo mais cruel, mais insensível, mais cínico e mais  egoista da sociedade portuguesa. Em genuflexão e com ar compungido, não deixam de constituir um dos  motores principais de toda a crise que hoje está instalada neste país, nos exactos termos em que o bispo do Porto a definiu. São os mais pios e os mais beatos que mais despedem, mais cortam, mais austeridade preconizam e mais famílias, essas mesmo que o bispo refere, lançam no desespero. São os mais pios e os mais beatos que se mostram mais insensíveis à miséria que os rodeia. Não admira numa religião cujo objectivo é o da salvação da alma individual.

Há uma agenda ideológica clara por detrás da destruição em curso no país e a Igreja é a sua mais forte fonte inspiradora. Para terem alguma credibilidade os católicos, incluindo o bispo do Porto e a própria Igreja Católica enquanto instituição, deveriam promover uma verdadeira acção católica e fazer como a filha daquele surpreendente pai que referi acima: apresentar a sua "demissão" desta sociedade hipócrita e desumana que criticam, mas que objectiva e materialmente promovem, e colaborar na constituição de uma verdadeira alternativa à crise.