2012/04/27

A arte da dissimulação

Logo após ouvir o discurso do Presidente da República do passado 25 de Abril invadiu-me um enorme sentimento de raiva e senti uma necessidade quase irreprimível de partilhar com os leitores do Face essa sensação.
Queria assinalar a minha total perplexidade pela tom de desresponsabilização que parecia inundar todo o discurso. "Temos todos o dever de mostrar que somos um país credível e com potencialidades que tantas vezes são ignoradas," disse Sua Excelência, num plural abusivo e manchado de tons levemente acusatórios. Queria manifestar a minha total revolta por esta tentativa de deitar para cima dos cidadãos comuns tarefas que incubem aos órgãos do Estado, por este driblar de competências. "Mostrar" o verdadeiro país é "uma tarefa para a qual são convocados todos os cidadãos," sentenciou Sua Excelência chutando a bola para fora. Queria enfim gritar alto que os feitos da Pátria que Sua Excelência reivindica para, pelo seu lado, "mostrar o País" foram cometidos apesar de haver a "pátria" e, frequentemente, com a "pátria" a exercer uma intolerável acção de boicote. Não é de hoje, certamente, mas a modernidade não passou ainda por aqui. Não será nunca a presença no Twitter que nos levará ao pódio. Mensagens ocas no Twitter, serão sempre ocas, em Português ou em Mandarim. Um provinciano no Facebook é sempre um provinciano.
A pouco e pouco fui percebendo, porém, que muitos outros portugueses tinham afinal ficado com uma igual sensação de revolta perante o discurso provocador, anestesiante, mas sempre sem asa do PR. E esse é o facto digno de nota.
Com um, aparentemente inócuo, discurso de circunstância o PR pretende fazer-nos acreditar que não tem nada a ver com esta realidade. Estamos todos convocados até para contribuir para o apagão. Mas, parece que a enorme tolerância de que o PR tem beneficiado ao longo dos anos (ele foi de facto eleito por um número significativo de portugueses (a)pagantes...) se estará a começar a esboroar. Mesmo os indefectíveis começam a dar sinal de cansaço. E isso é bom.
O Portugal que temos (todos, de facto) de mostrar ao exterior é um Portugal sem Cavaco e todos os outros responsáveis pela necessidade de termos agora, ao fim de 38 anos, que colmatar a nossa actual falta de "credibilidade [e] dignidade" e de desvendar "inúmeros aspetos positivos e imensas potencialidades," que gente como o actual PR foram paulatinamente destruindo ou, deliberada e convenientemente, escondendo ou boicotando ao longo de todos estes anos de acção política.
Não seríamos, nem eu nem o leitor, nunca nós os responsáveis por estas falhas, mesmo que nele tivéssemos votado.

2012/04/24

Sinais de mudança (2)

Demitiu-se esta segunda-feira a coligação governamental holandesa, constituida pelos partidos VVD (liberal) e CDA (democrata-cristão), que era apoiada pelo partido PVV (populista de direita). A demissão surge após sete semanas de duras negociações entre os três partidos, com vista a chegar a um acordo para implementar medidas de austeridade estimadas em 14 mil milhões de euros no próximo Orçamento de Estado. Ainda que a notícia já fosse conhecida desde o passado sábado, só ontem foi formalmente aceite pela rainha, que agora terá de marcar a data das próximas eleições. Em princípio, estas não devem acontecer antes de Setembro. Não causa grande surpresa esta demissão. Desde a sua instalação, em Outubro de 2010, que o governo dependia do apoio do PVV, partido liderado por Geert Wilders, um populista xenófobo que defende a proibição do Islão, a abolição da burka e a expulsão de muçulmanos não holandeses. Um programa que lhe valeu 15% de votos e 34 deputados nas últimas eleições. Dado os anti-corpos provocados na classe política holandesa, Wilders acabaria por não aceitar fazer parte do governo, mas garantia a maioria dos votos governamentais no parlamento. Uma construção, que os holandeses apelidavam de "governo tolerado", uma vez que a qualquer momento o PVV poderia retirar o seu apoio. Foi o que aconteceu agora, quando o governo propôs cortes significativos em áreas sociais sensíveis, como a idade e o valor das reformas, às quais o partido de Wilders se opõs. As reformas, aliás, eram um ponto de honra para Wilders que, a par da sua declarada Islamofobia, sempre defendeu os reformados de baixos recursos. Em queda de popularidade após os atentados de Oslo (quando as suas ideias foram elogiadas por Breivick) Wilders há que muito procurava uma saida airosa para a sua política de ódio e terra queimada. Aparentemente, a crise actual, ofereceu-lhe essa oportunidade. Ao distanciar-se das medidas do governo, espera ganhar a admiração dos holandeses mais pobres e, dessa forma, recuperar a popularidade perdida. Uma coisa parece certa: Wilders dificilmente voltará a ter a influência do passado e tudo aponta para que a próxima coligação governamental seja de centro-esquerda.

2012/04/23

Sinais de mudança

Sem surpresa, François Hollande ganhou a primeira volta das eleições francesas. Ainda que a diferença para Sarkozy não tenha ultrapassado os 2%, a vitória do candidato do PS abre boas perspectivas para uma mudança de governo. Resta a questão: em quem vão votar os eleitores de Marie Le Pen? Esta é a grande incógnita da 2ª volta, pois uma votação massiva da extrema-direita em Sarkozy daria a vitória ao actual presidente. Não seria a primeira vez e pode voltar a acontecer. Para já, os sinais são contraditórios. Ontem, no rescaldo das eleições, as primeiras sondagens eram francamente favoráveis a Hollande (54%); mas já hoje, na abertura das bolsas, os "mercados" davam os primeiros sinais de inquietação. Compreende-se: em tempos de austeridade, anunciar mais emprego e aumento de prestações sociais, equivale a uma maior despesa, logo maior risco de dívida, coisa que os investidores não desejam ver repetida. Temos, por isso, uma dupla incógnita: vão os eleitores de Le Pen continuar a rejeitar Sarkozy (abstendo-se) e dar assim a vitória à esquerda?; estará Hollande em condições de cumprir o que prometeu, caso ganhe as eleições? Uma coisa é certa, com Sarkozy teremos mais do mesmo, o que não trará benefícios para a Europa; com Hollande, poderá haver um maior contrapeso à política de Merkel e ao "diktat" alemão, o que poderá favorecer os países endividados. Para já, a maioria dos franceses parece acreditar no candidato socialista. Resta saber em quem acredita o candidato. Dito de outro modo: "como nenhum político acredita no que diz, fica sempre surpreso ao ver que os outros acreditam nele". A frase é atribuida a De Gaulle e ele sabia do que falava. Até lá, resta-nos esperar pelo dia 6 de Maio.

A gente tem mesmo de aturar isto?!

A conversa desta figurinha patética vale o que vale, claro, mas não deixa de merecer comentário. É um ministro do meu País, que está ao serviço do Povo Português, e este paleio suscita algumas interrogações.
O que se estará a passar em Portugal, afinal? O que é que se estará a passar de tão sério —para além do terrorismo do governo— que mereça os olhos esbugalhados e o palavreado proto-fascista desta criatura triste? Que outras perturbações estarão a suceder da ordem pública e da legalidade —para além do desemprego, dos cortes salariais, da quebra unilateral de contratos, do aumento insustentável dos impostos e do custo de vida, entre outros, gerados pela acção do próprio governo— que justifiquem este fraseado apocalíptico?
Achará este escarro que mete mesmo medo a alguém? Um nojo indescritível tudo isto.