2012/08/11

Perguntas Simples

Se o MP não encontra os documentos do negócio dos submarinos no Ministério da Defesa, porque não pedi-los a Paulo Portas que, antes de sair do governo, fez 60.000 fotocópias no ministério que tutelava?

2012/08/10

Selvajaria

"A hipóteses de extinção da Fundação [Paula Rego] é grotesca, despropositada, uma selvajaria," diz António Capucho.
Selvajaria, recordemo-lo, é coisa de selvagem, alguém gosseiro, rude, animalesco, que responde apenas a instintos básicos. Capucho está a sugerir que os membros da coligação que está no poder e assegura, neste momento, a governação do país podem ser capazes de actos de selvajaria. Membros do seu próprio partido e do CDS, portanto.
Selvajaria opõe-se a civilização. O selvagem é alguém que reage por instinto, sem inteligência e desorganizadamente, que não contrbui para o progresso da sociedade. Inteligência, organização, progresso social são atributos de uma sociedade civilizada. Segundo António Capucho, a coligação PSD/CDS pode portanto não se encaixar nos parâmetros mais básicos de definição de civilização.  Concordo com Capucho. Ele acerta em cheio quando emprega o termo selvajaria para caracterizar o caso da Fundação Paula Rego.
Capucho descobriu tudo isto agora, em boa hora entenda-se, a propósito de uma questão perfeitamente legítima. Mas, o comum dos portugueses já o tinha descoberto há muito tempo. Já tinha percebido que estávamos perante actos de selvajaria pura quando viu os seus direitos mais básicos, duramente conquistados, serem desrespeitados, quando lhe foi roubado, sem respeito pelos seus direitos constitucionais, uma parte do seu salário, quando foi ilegitimamente sobrecarregado com novas taxas, à vista ou encapotadas, quando perdeu o emprego e viu os mecanismos de perda do emprego serem facilitados, quando viu o acesso ao subsídio de desemprego ser dificultado, quando viu o seu direito à saúde, à educação, à justiça ser simplesmente trucidado pelos selvagens da actual coligação, em nome de uma racionalidade nunca explicada e de um equilíbrio orçamental que, na prática, mais não faz do que manter os privilégios dos que mais têm. O comum dos portugueses já o tinha descoberto quando constata que quem assina o cheque não é responsabilizado, e vê o ónus da situação actual ser-lhe atirado para cima, numa enorme encenação de culpa colectiva que ao responsabilizar todos, em abstracto, apaga o papel dos verdadeiros responsáveis. O comum dos portugueses já o tinha descoberto quando, em tempos de austeridade, percebe que o aparelho partidário criado por estes selvagens continua a manter o controlo do acesso à administração apertado, de forma a que a ela e aos seus privilégios de excepção apenas tenham acesso os membros da selvática confraria. Tal como fizeram os membros da selvática confraria que os precedeu. O comum dos portugueses já tinha percebido a dimensão da selvajaria quando em tempos de aperto financeiro, de cortes generalizados, de redução dos serviços públicos na saúde, na educação, na cultura, da insegurança causada pelo desemprego galopante e pela precariedade do emprego, é a polícia a única entidade a quem cabe o privilégio dos aumentos e da dotação de novos meios. O comum dos portugueses sabe tudo isto.
Selvajaria pura é de facto a única forma de classificar o período da nossa História que estamos a viver. Retrocesso civilizacional é o que se passa hoje. Capucho deve agora levar as consequências do que afirmou até ao fim, sem rodriguinhos de retórica.

Silly Season

É fatal, como o destino. Todos os anos, por esta altura, as histórias mais inverosímeis enchem os orgãos de comunicação social. Com a classe política "a banhos" e o país "a ferro e fogo", os jornalistas necessitam de "casos" que ajudem a vender o seu produto. Nos países anglo-saxónicos chamam-lhe "silly season", nos germânicos "komkommertijd" (época dos pepinos) e nós? Talvez, "pepineiras". O que, aparentemente, começou por ser um caso de financiamento governamental para um projecto de painéis solares em Abrantes, ameaça transformar-se num argumento digna de Le Carré, mestre do romance de espionagem. A história conta-se em poucas palavras: Alexandre Alves, o famigerado "barão vermelho" (a cognome é todo um programa) foi acusado pelo ministério da economia de ter recebido uma avultada quantia do estado para iniciar um projecto de painéis solares. Dado que o projecto, por falta de verbas, não avançou em tempo útil, o governo quer o dinheiro de volta. Questionado por todas as estações televisivas em "prime time", Alves negou ter recebido qualquer verba do governo (o que foi corroborado pelo, então, presidente do Aicep) e apelidou de mentirosos os ministros que faziam tal calúnia. Foi assim na RTP, na TVI e na SIC. Faltava a SICN, onde Crespo, o "rei da pepineira", resolveu tirar da cartola, o trunfo das grandes revelações: Zita Seabra, personagem digna de um romance tantas são as histórias que deve ter para contar... E o que disse a Zita, instada pelo Mário sobre o "verdadeiro papel" da FNAC (não confundir com a cadeia francesa de produtos culturais), uma empresa de ar condicionado da qual Alexandre Alves foi presidente executivo nos anos oitenta? Que a "Fábrica Nacional de Ar Condicionado", a exemplo de tantas outras (jornal "O Diário", Editora "Caminho") era uma empresa do PCP, apoiada pela RDA (Alemanha de Leste), que teria um especial interesse em vender "ar condicionado" ao estado português... "Deixe cá ver se percebi bem", salivava o Crespo, antevendo a resposta à sua pergunta retórica: "A senhora está a dizer que a RDA queria vender aparelhos de ar condicionado aos ministérios, para poder pôr lá dentro microfones de espionagem? Em plena "guerra fria"? E Zita, rindo de matreira: "Bem, não posso afirmar que havia lá microfones, porque nunca os vi, mas que a RDA tinha um especial interesse em promover esses aparelhos, isso era claro"... Porque o jornalismo também é feito de contraditório, o Crespo lá convidou o Alexandre Alves para rebater a tese. Este explicou, de forma muito clara, o que estava a contecer e reafirmou que nunca recebeu qualquer dinheiro do governo, pela simples razão que o projecto nunca arrancou. Tornou a chamar mentirosos aos nossos governantes e desvalorizou as afirmações da Zita, de quem disse que "anda a viver à custa do anti-comunismo há mais de vinte anos". O Crespo, que não acreditava no que ouvia, não resistiu à última provocação: "Não o incomoda ser apelidado de "Barão Vermelho"? Ao que Alves responderia que era público que ele tinha sido militante do PCP há vinte anos e que, para além disso, era do Benfica... Hoje o DN notícia, em primeira página, que o Procurador Geral da República resolveu abrir um inquérito sobre as alegadas espionagens do PCP, no seguimento das acusações de Zita Seabra no programa da "Pepineira". A coisa promete. Resta-me uma dúvida metódica: Será que os aparelhos da FNAC, vendidos ao Sporting, tinham microfones do Benfica instalados?

2012/08/07

Quando a cor do tempo era vermelha

Chris Marker (1921-2012) morreu no passado 28 de Julho, dia do seu aniversário. Mais do que um documentarista, Marker era considerado pelos seus pares "um ensaísta do cinema". Foi escritor, jornalista, documentarista, artista multimédia e militante político. Ligado, desde sempre, às grandes causas, foi um observador atento e privilegiado de acontecimentos que marcaram o Mundo nos últimos cinquenta anos. Para quem acompanhou de perto as convulsões políticas das décadas de sessenta e setenta do século passado, episódios como a revolução cubana, a guerra do Vietnam, a morte de Che, Maio de´68, a Primavera de Praga, Watergate, o 25 de Abril ou a derrocada da URSS, são parte do nosso imaginário. Filmes como "Cuba Si!", "La Jetée", "Loin du Vietnam", "Le fond de l'air est rouge", "Sans Soleil", "Level 5", são hoje parte integrante do acervo documental dessa época. É impossível documentar a história do século XX em imagens, sem mostrar os filmes de Chris Marker. Esse será, provavelmente, o maior legado, ainda que os seus interesses se alargassem a outras áreas como a critica cinematográfica (foi colaborador dos "Cahiers du Cinema") e a militância política. Foi também um dos principais animadores do movimento dos cineastas da "rive gauche", agrupados no colectivo militante ISKRA, em Paris, onde viria a falecer. Associando-se às homenagens internacionais, o cinema Nimas, em Lisboa, organiza esta semana um ciclo dedicado a Chris Marker. Neste curto ciclo, podem ser vistos quatro das suas obras mais representativas. O primeiro e certamente o seu documentário político mais conhecido, "Le Fond de L'air est Rouge", passou ontem; prosseguindo a homenagem com "La Jetée" e "Sans Soleil" (hoje) e "Level 5" (amanhã), sempre às 21 horas. Para quem não possa assistir, ou queira rever os filmes, existe uma caixa da Atalanta com os últimos três títulos.

2012/08/06

Há 67 anos...

 

A 6 de Agosto de 1945, faz hoje portanto 67 anos, os E.U.A. lançaram a bomba atómica sobre Hiroshima. A bomba foi carinhosamente chamada de Little Boy. Seguiu-se a bomba sobre Nagasaki. Um crime hediondo, mil vezes repudiado, mas nunca expiado. 
O pior da espécie humana é, quanto a mim, a hipocrisia e o cinismo. Não há nada pior do que isto. O que a América mostrou, com este crime fria e deliberadamente executado, com esta Little Boy e a Fat Man que se lhe seguiu, foi este seu lado mais obscuro, que tanto avanço tecnológico e civilizacional não conseguiu contrariar. A sofisticação tecnológica e os avanços na organização da sociedade não foram suficientes para produzir outra resposta que não fosse a morte imediata de cerca de 250 000 pessoas, a maioria civis, e a morte lenta de mais uns largos milhares, posteriormente, devido aos efeitos da radiação. A resposta da sofisticada América ao conflito foi e continua a ser premir o gatilho. Não há nada de sofisticado nisto.
Hoje mesmo, uma sonda americana, a Curiosity, chegou a Marte com sucesso. "O mais sofisticado laboratório móvel que alguma vez aterrou noutro planeta" como referiu o presidente dos EUA. Quanto à sofisticação não tenho dúvidas e quanto à organização que a sociedade americana demonstra para conseguir esta proeza, também não me restam dúvidas.
Vamos é ver para que serve tudo isto. Vamos ver se no futuro, como há 67 anos, Curiosity doesn't kill the cat...

Um Cineasta Olímpico

Quem, por norma, assista às cerimónias de abertura e de encerramento dos Jogos Olímpicos, lembra-se, certamente, de Pequim. De todas as que vi, as cerimónias de 2008 foram as que mais me impressionaram. O principal responsável por esse evento foi Zhang Yimou. Zhang Yimou (1951) é o maior cineasta chinês da actualidade. Nascido numa época conturbada - a revolução maoista estava a dar os seus primeiros passos - cedo teve de interromper os estudos e, devido às suas origens "burguesas", obrigado a trabalhar no campo e numa tinturaria. Mais tarde, estudou fotografia. Estas experiências, com a realidade camponesa e com as cores, viriam a marcar toda a sua obra de cineasta. Terminada a "revolução cultural" e os seus desvarios, Yimou candidatou-se à Academia de Cinema, que o recusaria por não ter qualificações e mais de 27 anos, considerada a idade limite para admissão. Graças à reabilitação artística da época, acabaria por ser admitido e graduou-se em 1982. Do mesmo curso, sairiam alguns dos nomes mais sonantes do cinema chinês actual, como Chen Kaige, Tian Zhuangzhuang e Zhang Junzhao, também conhecidos como a "5ª geração". Data de 1987 a sua primeira longa-metragem, "Red Sorghum" (o campo de milho vermelho) que, no ano seguinte, conquistaria o Urso de Ouro do Festival de Berlim. Seguem-se cerca de 20 títulos, dos quais os mais famosos - "Ju Dou" (1990), "Raise the red lantern" (1991), "The story of Dou Ju" (1992), "To Live" (1994), "Shanghai Triad" (1995), "Not one less" (1999), "Hero" (2002), "House of Flying Daggers" (2004) - ganharam todos os grandes festivais (Berlim, Cannes e Veneza) e os óscares para o melhor filme estrangeiro (duas vezes) em Hollywood. Nem todos foram distribuidos em Portugal, mas os mais populares foram editados em DVD. Se tiverem de ver um, escolham "Raise the red lantern" (Esposas e Concubinas), provavelmente a sua obra-prima. Acontece que, depois de reabilitado, Yimou passou a ser idolatrado. No Ocidente e não só. Daí, o convite do governo chinês para dirigir a coreografia da delegação chinesa em Atenas (2004) e, quatro anos mais tarde, as cerimónias de Pequim. Sobre o evento escreveria Steve Spielberg, o famoso realizador americano: "no centro da cerimónia olímpica de Zhang, esteve a idéia que o conflito do homem profetiza o desejo de paz interior. Este é o tema que ele explora e aperfeiçoa nos seus filmes, sobre a vida de humildes camponeses e da exagerada realeza". Com tantos créditos a seu favor, não é difícil a Zhang conseguir apoios para os seus filmes. O último, "The Flowers of War", actualmente a passar nas salas portuguesas, teria custado mais de 90 milhões de dólares. Com tanto dinheiro à disposição, mal seria se alguma coisa falhasse. Mas, falhou. Não que o filme não se veja. Os ingredientes de uma boa história estão todos lá, Há ainda a "mise-en-scene" e direcção de actores, as cores e a fotografia, tudo de uma excelência ímpar. Mas não chega. Perpassa por todo o filme um moralismo e heroísmo de pacotilha, aliado ao nacionalismo bacoco, expresso no maniqueísmo do Bem (China) contra o Mal (Japão), típico dos filmes americanos do pós-guerra. Algumas das cenas (combates entre o soldado chinês e o destacamento japonês) e a personagem do herói, interpretada por Nolan, recordam-nos "O soldado Ryan" e "Indiana Jones" de Spielberg. Não tardará muito e Yimou será convidado a filmar nos Estados Unidos...

2012/08/05

O essencial na vida não é o triunfo...

...mas a competição, lembrava Pierre de Coubertin há um século atrás. Passada uma semana sobre a abertura dos JO em Londres, não se pode dizer que os atletas portugueses tenham esquecido as sábias palavras do fundador dos Jogos Modernos. Salvo honrosas excepções - vela, remo, canoagem, ténis de mesa e hipismo - as prestações da delegação portuguesa pouco têm impressionado. É verdade que, sem Naíde Gomes, Nélson Évora, Obikwelu, Rui Silva e Vanessa Fernandes, as probabilidades de Portugal alcançar um lugar no podium eram diminutas. Apenas Telma Monteiro e, eventualmente, João Pina, no judo, eram potenciais candidatos a uma medalha. Acontece que, mesmo estes, claudicaram no primeiro combate contra adversários que, normalmente, derrotam. Um afastamento precoce, talvez explicável pela pressão a que ambos foram sujeitos desde o início, dada a craveira e vitórias a que nos vem habituando. Resta a segunda semana de provas, dominada pelo atletismo, onde Portugal tem o melhor histórico. Hoje mesmo, na maratona feminina, Jessica Augusto obteve um excelente sétimo lugar e Marisa Basto o décimo-terceiro. Confirma-se, deste modo, a tradição portuguesa para as corridas de fundo que pode, ainda melhorar, quando Dulce Félix entrar em prova. Até lá, vamos competindo, pois há mais vida para além das vitórias e, mesmo estas, são efémeras, como sabemos...