2012/12/01

NOTAS DE VIAGEM: em Paris, com a música do Zeca

No ano em que passam 25 anos sobre a morte de José Afonso, o Theatre de La Ville, em Paris, levou a cabo uma homenagem ao cantor português que actuou naquela prestigiosa sala em Novembro de 1981. O concerto, que esteve para acontecer em 2011, nos trinta anos da passagem do Zeca pelo teatro, só agora teve lugar, devido à dificuldade em conciliar datas. Lá fomos, aproveitando a proximidade da cidade onde nos encontrávamos (Amsterdão), também movidos pela curiosidade de ver um “naipe” de intérpretes que nunca antes se tinha juntado em palco e de rever Paris, afinal a cidade onde tudo pode acontecer. Porque o tempo escasseava, optámos pelo Thalys, a versão TGV da Benelux, que liga Amsterdão a Paris em menos de 3 horas e meia. À chegada à Gare du Nord, a primeira surpresa: a entrada da estação do metro tinha um cartaz do Zeca, anunciando o espectáculo, situação que se repetiu ao longo dos corredores do metro que fomos atravessando e, mais tarde, quando chegámos a Chatelet, a estação que serve o Theatre de la Ville. No dia do concerto e enquanto atravessávamos a cidade, os cartazes e as menções ao concerto repetiam-se: nas estações de metro, nos jornais (Liberation), na rádio e na Net (MediaPart). A máquina de promoção estava a funcionar e isso era bom sinal. O concerto, que partiu de uma ideia do primeiro director artístico do Theatre de la Ville, Démarcy-Mota, tinha um conceito arrojado: misturar “compagnons de route” do Zeca (Francisco Fanhais e Júlio Pereira) intérpretes da sua obra (João Afonso, o sobrinho) e gente que, do Zeca, só tinha ouvido as gravações (António Zambujo e Mayra Andrade). Como era esperado, o público luso-francês compareceu em massa e, se mais bilhetes houvera mais teriam sido vendidos. Uma sala de 1000 lugares, onde não cabia um alfinete. A primeira batalha estava ganha. Seguiu-se a parte musical propriamente dita, que não chegou a durar hora e meia, tempo médio dos concertos no Theatre de La Ville e que o mestre de cerimónias controlou com “mão de ferro”. Nem os pedidos de “encore”, depois da inevitável “Grândola” (cantada de pé pela assistência), demoveu o director do teatro da sua tarefa. Também por isso, o concerto soube a pouco,. Do que vimos e ouvimos, devemos destacar a presença e a interpretação de António Zambujo, definitivamente uma aposta ganha; o sentido e sentimento de João Afonso, a quem coube as canções mais difíceis (Redondo Vocábulo, por exemplo); o “ensemble” dirigido por Júlio Pereira, que assegurou a direcção e o apoio dos restantes elementos. De Fanhais, que teve a difícil tarefa de abrir o concerto com uma difícil “Utopia” cantado a capella; e de Mayra Andrade, sensual e alegre, mas longe da alma afonsina que se espera de um concerto deste tipo, resta-nos acrescentar que cumpriram, o que não é pouco. Uma bonita homenagem, de que se continuou a falar na recepção oferecida pela direcção do Teatro e pela Embaixada portuguesa, após o concerto, aos artistas envolvidos. Como diria Hemingway, “Paris, é uma festa!”.




Pour José Afonso, revoir le concert live sur... viaMediapart

2012/11/25

Responsabilidade


Por que razão merece a notícia honras de manchete no JN de hoje? É simples: um polícia que comete ilegalidades é o homem que morde o cão.
"A PSP tem por missão assegurar a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, nos termos da Constituição e da lei," lê-se na declaração de princípios do site da PSP. Bastará dar uma vista de olhos para ver nele inscrito um imenso rol de boas intenções, de imagens gentis, de sorrisos cidadãos.
Diz-se ainda que é função da PSP "garantir as condições de segurança que permitam o exercício dos direitos e liberdades e o respeito pelas garantias dos cidadãos, bem como o pleno funcionamento das instituições democráticas, no respeito pela legalidade e pelos princípios do Estado de direito; garantir a ordem e a tranquilidade públicas e a segurança e a protecção das pessoas e dos bens; prevenir a criminalidade em geral, em coordenação com as demais forças e serviços de segurança; prevenir a prática dos demais actos contrários à lei e aos regulamento."
Inatacáveis são tais princípios, tranquilizantes são tais funcões.
Já todos vimos (para sermos justos) a observância destes princípios e o cumprimento destas funções reflectidos na actuação da Polícia em diversas ocasiões, mas pergunto-me como é que se enquadra tudo isto numa actuação de pura e comprovada provocação, como foi caso no dia 14 e em casos anteriores ocorridos em passado recente? Como?! Que sentido de responsabilidade revelaram nessa sua actuação os comandantes desta autoridade e os agentes que nela intervieram? Que diferença há entre eles e o chefe que o JN noticia?
Que Estado é este que age, ele próprio, ao arrepio das suas próprias normas regulamentares? Que outra possível justificação tem para isso que não seja a da destruição do próprio Estado? Que sentido de responsabilidade revelam os agentes da Lei pelo uso deste poder, exercido nestas condições?
A segurança e os direitos dos cidadãos contituem responsabilidade do Estado. Está na Lei. É só fazê-la cumprir.
Olhemos agora para o Ministério da Educação. Observamos que dela, da Educação, diz o próprio Ministério que "determina o futuro do país e deve gerar igualdade de oportunidades para as gerações futuras."  Diz ainda este organismo estatal que "para obter bons resultados é necessário determinação e rigor." Nota o Minstério que a "cooperação de pais, professores e alunos é fundamental para a criação de um ambiente de trabalho favorável, que privilegie a exigência." Sublinha o Ministério que "defende como princípios o esforço, a disciplina e a autonomia."
Como é possível, pergunto eu, cumprir todos estes desígnios quando há crianças a desmaiar de fome ou a recorrer à caridade estatal porque não têm, reconhecidamente, meios em casa para se alimentarem? Como é possível instigar "determinação" e "rigor" em estado de debilidade física? Como é possível obter um ambiente de trabalho favorável, que privilegie a "exigência", quando se corre para a escola para saciar a fome? Como é possível obter a cooperação entre pais, professores e alunos com os pais a serem lançados no desemprego, os professores a verem o seu papel na sociedade reduzido ao de mero embrulho e os alunos a verem o país transformar-se, pouco a pouco, em zona de guerra, e a verem o futuro dos pais e de si próprias resumir-se a uma quimérica solução migratória?
O futuro do país depende da educação e, assim, o Governo, di-lo e bem, "assume a Educação como serviço público universal." A sua actuação aponta porém num sentido totalmente oposto. Revela-se nesta sua incoerência uma absoluta e deliberada falta de sentido de responsabilidade.
Educação universal, eis uma outra responsabilidade do Estado. Está na Lei. É só fazê-la cumprir.
Podia desfiar aqui uma lista sem fim de casos em que as responsabilidades do Estado não são cumpridas por desleixo ou em resultado de uma atitude que lhes desvirtua, de forma perfeitamente deliberada, o sentido. É assim na Justiça, é assim no Ambiente, é assim na Economia, é assim nas Finanças, é assim na Saúde, é assim em praticamente todos os sectores que o Estado tutela ou administra directamente.
Esta atitude, ora simplesmente badalhoca ora criminosamente deliberada, é a dos fantoches que dominam hoje e que têm dominado a hierarquia do Estado e que partilham o bodo do Orçamento a seu bel-prazer, de forma impune, não cumprindo os preceitos a que estão obrigados, não cumprindo as suas responsabilidades, permanencendo inimputáveis, fazendo até crer que cabe àqueles a quem têm que prestar contas que a irresponsabilidade é afinal deles. Procurando criar-lhes a ideia de que o seu incumprimento tem alguma espécie de justificação divina.  Forçando-os mesmo a pagar a sua própria irresponsabilidade e desmandos. Porque não há alternativa...
Ora, está tudo perfeitamente definido na Lei. Estão lá os princípios que separam as responsabilidades do Estado e dos seus cidadãos, a imputabilidade de uns e os limites precisos da inimputabilidade de outros. Face ao preceituado, não há margem para dúvidas. Estão lá os deveres e direitos. Está lá definido o que é alternativa ao quê. É tudo perfeitamente claro. Está na Lei. É só reclamar o seu cumprimento.

Reclamar o seu cumprimento da Lei é o que faz o Estado, por exemplo, quando pune o assassino ou multa o condutor embriagado. Ou quando vier a punir o chefe que usava matrículas falsas...
Estado é justiça, Estado é exemplo, Estado é bitola a que todos devem recorrer para sanar os seus diferendos, suprir equilbradamente as suas necessidades, precaver os seus direitos, regular e cumprir os seus deveres.
Que Estado é este então que mente e desvirtua as suas funções a toda a hora? O que fazer com este Estado? É este o debate urgente e é por aí que o país sai da crise.
A Lei Geral existe, chama-se Constituição da República.
Aqui está afinal uma exigência simples, mas de enorme alcance, transversal, capaz de unir os Portugueses, independente de credos, ideologias ou interesses particulares; susceptível de proporcionar, de uma modo simples, este desígnio simples de todos nós: viver com Justiça, com Igualdade de oportunidades e de deveres.
A Constituição é Lei, e enquanto o for, é para cumprir.

Em Portugal as responsabilidades e a "accountability" dos cidadãos e do Estado que os representa funcionam apenas num sentido. Por mim, gostava apenas que nos entendessemos simplesmente sobre o modo de tornar o princípio biunívoco.