2013/10/05

O torto do direito

As declarações do presidente da Comissão Europeia hoje no Algarve são um insulto, uma vergonha que não devia passar sem resposta condigna dos cidadãos. Acha este personagem de opereta, este fantoche não eleito, que, em nome da paz com os "mercados," deve haver um "compromisso" que não "incumbe apenas ao Governo, mas a todos os órgãos de soberania e mesmo à sociedade no seu conjunto," nisto incluindo, claro está, os tribunais (mais aqui.)
De um personagem politicamente ilegítimo e tão fraco, como é Durão Barroso, não estamos à espera de grande coisa. Mas, agora parece-me que este zé manel foi longe de mais.
A Lei é afinal para cumprir ou não? É que, a mim, vai-me apetecendo cada vez mais não cumprir nenhuma lei. Prevalece o "vale tudo político" que António Costa referiu no seu discurso de hoje ou a democracia e o "estado de direito" têm regras? E a separação de poderes do Estado Português é para respeitar ou não?
Se é para cumprir e se esta Lei não serve, mudem-na. Se, por outro lado, circunstâncias excepcionais aconselham agora o seu não cumprimento, o Presidente da República que tenha a coragem de declarar o estado de excepção. Se o poder tem medo desta alternativa, uma outra saída poderia também ser a de delegar o poder de declarar o estado de excepção na chanceler alemã ou na Comissão Europeia. Assim, estaria tudo legalmente acautelado.
Enquanto assim não for o "caldo entornou-se" com estas declarações. Fecha a matraca Barroso!!

2013/09/30

E Agora?

Ainda que os resultados das eleições de ontem não sejam todos conhecidos, à hora de escrevermos este “post”, as conclusões são óbvias:
Ganharam o PS, a CDU e as Candidaturas Independentes. Perderam o PSD, o BE e, na Madeira, Alberto João Jardim. O CDS teve uma “vitória de Pirro” que Paulo Portas, como sempre, aproveitou para explorar demagogicamente.
Que destacar nestas atípicas eleições autárquicas?
Desde logo, o aparecimento de um número inusitado de candidaturas independentes, que contribuíram para o colorido da noite e devem ter servido para alertar os anquilosados aparelhos partidários. Neste capítulo, a vitória de Rui Moreira (Porto) foi, sem dúvida, a mais espectacular. Depois, o “pleno” na vitória do PS, que conquistou o maior número de votos, o maior número de câmaras, o maior número de vitórias por maioria absoluta (em Lisboa, Costa arrasou) e a presidência da Associação Nacional de Municípios. Com esta vitória do partido, Seguro não terá de temer pela sua contestada liderança.
Finalmente, o inesperado regresso da CDU, na sua maior votação desde a década de noventa e a reconquista de municípios importantes como Évora, Beja e Loures. A contestação às políticas do governo vão, certamente, continuar.
Restam, a copiosa derrota do PSD, em bastiões tão importantes como o Porto, Gaia e Sintra, apesar das vitórias em municípios relevantes como Braga e Guarda. Na Madeira, o “ciclo” João Jardim parece ter chegado ao fim, apesar do partido continuar a ser o mais votado na ilha.
Sobre a votação do BE, ainda que esta não tenha propriamente espantado (o partido nunca teve grande influência autárquica), os resultados de ontem foram maus de mais para serem escamoteados. Dificilmente, não haverá consequências a nível interno e da direcção.
Onde não se esperam mudanças, a avaliar pelas declarações de Passos Coelho na madrugada de hoje, é na política seguida por este governo. Logo, as medidas de austeridade, previamente anunciadas e combinadas com a Troika, são para aplicar. Onde nos levará esta política suicida de aluno cretino, não sabemos. Ninguém sabe. A começar pelo próprio primeiro-ministro.  



Mesmo em crise, Amsterdão é uma festa (conclusão)

Como é da tradição, na terceira terça-feira de Setembro, o rei profere o “Troonrede” (Discurso do Trono) que, formalmente inaugura o ano parlamentar. Nesse dia, igualmente conhecido por “Prinsjesdag” (O Dia do Princípe), o monarca dirige-se aos cidadãos para comunicar-lhes a agenda do governo para o próximo ano. Numa monarquia constitucional, como a holandesa, o discurso é previamente preparado pelo gabinete de ministros, limitando-se o rei a enunciar as grandes linhas da politica a seguir.
Como sempre, a Holanda parou para escutar o monarca, Willem-Alexander, que sucedeu à rainha Beatriz no passado mês de Abril. Um discurso há muito aguardado, dada a estreia do rei nestas andanças e às medidas de austeridade previsíveis no orçamento deste ano. E que disse o rei de novo?
Que a Holanda era um pais bem organizado, rico em talento e habituado a desafios, mas que, de há cinco anos a esta parte, enfrentava uma crise económica. Que as consequências desta crise são cada vez mais sentidas: o desemprego a crescer, o número de falências a aumentar, as casas a valer cada vez menos, as reformas congeladas e o poder de compra estagnado. Ainda que comecem a surgir tímidos sinais de recuperação,
a economia vê-se confrontada com problemas estruturais, nomeadamente as dívidas do estado, das famílias e a saúde orçamental dos bancos. Devido a causas sociais, como o envelhecimento da população e a internacionalização dos mercados, o mercado de trabalho holandês e a rede de apoios sociais deixaram de responder às exigências deste tempo. Se querem defender a tradicional sociedade de solidariedade em que vivem, os holandeses têm de adaptar-se à nova situação. Até aqui, o diagnóstico do rei.
Depois, o monarca continuou: O actual “verzorgingsstaat” (estado de protecção) deve mudar gradualmente para uma “participerende samenleving” (comunidade participativa). Ou seja, os cidadãos devem tomar o destino nas próprias mãos, mostrando mais iniciativa. Os próximos anos serão de grandes reformas e muitas leis parlamentares, foi avisando o monarca. E porquê?
Desde logo, porque o nível da dívida pública deve ser controlado (os holandeses pagam actualmente, 11 mil milhões de euros de juros/ano, pela sua dívida) e o estado tem de intervir. Sem intervenção, este “déficit” aumentará exponencialmente, o que exige medidas drásticas: para começar, já este ano, um corte de 6 mil milhões de euros. Onde?
Ora bem: a partir de 2014, o governo deixará de compensar a perda salarial sofrida com a inflação. Na assistência à saúde, uma parte passará a ser ministrada pelos médicos de família, assim como aumentará a exigência e controlo sobre os seguros de cuidados paliativos. Será criado um apoio social único, em vez dos existentes (desemprego, invalidez, viuvez, etc.), que diminuirá à medida que o rendimento familiar aumente. As pessoas que o desejem, podem investir o dinheiro que recebem desse fundo numa empresa pessoal, a troco de uma taxa de impostos mais baixa. Os apoios à juventude passam a ser da responsabilidade dos municípios. Os apoios de longa duração têm de ser mudados, pois as despesas dispararam nos últimos anos e já custam €2200/ano a cada holandês. Serão as Câmaras a determinar qual o tipo e por quanto tempo essa ajuda será dada. O apoio médico ficará sob a alçada da Segurança Social regular. As Câmaras passarão a ajudar os agentes sociais a conseguir trabalho para os desempregados de longa duração. O subsídio de desemprego, assim como a lei do despedimento, vão ser “modernizados”, diminuindo o tempo máximo de subsídio para 24 meses.
Deixará de haver apoios para minorias específicas, nomeadamente no sector do ensino extra-curricular, como é o caso das escolas do Islão.
A nível internacional, a Holanda apoiará a criação de uma União Bancária Europeia (UBE) e será anfitriã da próxima cimeira da Segurança Nuclear contra o Terrorismo, marcada para 2014 em Haia.
Para concluir e ainda nas palavras do rei: A transição para uma “comunidade participativa” será mais visível na segurança social e no apoio a longo prazo. O modelo clássico do “verzorgingsstaat” (estado de protecção) da segunda metade do XX, criou regras que estão desadequadas aos tempos actuais. Nos tempos que correm, as pessoas querem ser mais participativas e ter mais iniciativa na resolução dos seus próprios problemas.
Perante tal semântica, que mais acrescentar? O Estado Social holandês pode ainda não ter terminado, como se apressaram a escrever alguns dos comentadores da nossa praça, mas caminha para lá a passos largos. Curiosamente, ou talvez não, no dia seguinte a este discurso, foram reveladas as intenções de voto dos holandeses. Sem surpresa, os partidos da actual coligação governamental, o VVD (liberais de direita) e o PVDA (trabalhistas), caiam a pique nas sondagens. O partido mais votado seria, agora, o PVV (extrema-direita populista) que é pela proibição do Islão e pela defesa das pensões dos reformados.