2013/12/20

Chumbo Unânime

Num país normal, depois do quarto chumbo do Tribunal Constitucional às medidas inconstitucionais do governo, aconteciam uma de duas coisas: ou o governo (se tivesse vergonha) pedia a demissão; ou o presidente da república (se existisse) chamava o primeiro-ministro a Belém e exigia a sua demissão. Em qualquer dos casos, a decisão permitia convocar eleições antecipadas, o que não sendo a solução para os problemas do país, permitia clarificar as opções existentes e dar voz a uma população que há muito não se revê num programa de austeridade do qual não se vêem quaisquer resultados positivos. Pelo contrário, a situação piora a cada dia que passa e a destruição social é uma evidência. Mas, não estamos num país normal...  
Desde logo, porque o Portugal "intervencionado", deixou de ser um estado soberano desde que pediu o resgate e aceitou as condições impostas; depois, porque a Troika tem mostrado ser inflexível nas suas metas e pressiona o governo através dos organismos internacionais que dela fazem parte; finalmente, porque o governo português não está minimamente interessado em negociar este programa de ajustamento, que serve às maravilhas a sua estratégia de privatizações e desmantelamento do estado social. Resta acrescentar que, nesta matéria, tanto os organismos que fazem parte da Troika (FMI, BCE, UE) como os partidos governamentais (PSD, CDS) têm uma visão comum sobre o modelo político e económico a seguir: estado mínimo e mercado máximo.
Sobre a oposição parlamentar (PS, PCP e BE), é visível a sua incapacidade de apresentar alternativas reais, seja porque não as tem, seja porque sabe que, no dia em que for governo, será confrontada com uma economia irrecuperável - porque destruída nos seus fundamentos - o que obrigará a uma renegociação da ajuda externa, logo de mais dependência.
Resta falar da oposição extra-parlamentar, onde aumenta a contestação e as formas de desobediência civil, para além dos projectos anunciados de novas formações à esquerda (Livre, 3D) o que, não sendo (ainda) uma alternativa concreta, aponta para novas formas de organização fora do anquilosado sistema partidário.
Em suma: o chumbo do Tribunal Constitucional, sendo justo e esperado, não garante uma mudança das políticas até agora seguidas. As ameaças, ainda que veladas, já começaram a surgir: desde logo através dos porta-voz do partidos governamentais e (who else?) da chanceler alemã e do presidente da Comissão Europeia, o "patriota" Barroso, que (como sempre) dizem estar "atentos" aos desenvolvimentos em Portugal. Por outro lado, prevendo o que aí vinha, a Troika fez depender a transferência, de mais uma "tranche" da "ajuda",  da decisão do Tribunal Constitucional. É por demais evidente, que a chantagem vai continuar.

   
       

2013/12/16

Na Morte de Peter O'Toole


Há algum tempo que não se falava dele. Aparentemente, continuava a interpretar peças de teatro - que nunca abandonou - e a participar em filmes que, esporadicamente, lhe eram propostos. Este ano anunciou a despedida da representação. Em 2002, a Academia tinha-lhe oferecido o Óscar que nunca ganhou (apesar de nomeado 7 vezes) como tributo pela sua carreira cinematográfica. Não fora um filme e, porventura, não estaria aqui a escrever estas linhas. Conheci-o, como a maior parte das pessoas da minha geração, através de "Lawrence of Arabia", a obra prima de David Lean. Já lá vão cinquenta anos...
E, no entanto, "Lawrence" - o filme,  continua gravado na memória, como uns dos mais marcantes da minha juventude.  Talvez devido ao facto do cinema continuar a ser a "fábrica de sonhos" que nunca abandonámos. Uma coisa é certa: depois do "Lawrence", o cinema, para mim, nunca mais foi a mesma coisa.
Vi o filme diversas vezes, a última das quais em formato 70mm, quando David Lean faleceu. Nesse dia, algumas salas de Amsterdão tiveram a ideia original de projectar quatro das obras de Lean, em homenagem ao realizador britânico. Indeciso quanto à escolha, optei por "Lawrence". Antes da projecção, a sala ficou às escuras e, durante largos minutos, só ouvimos o tema musicado por Maurice Jarre. Uma experiência inesquecível. Quando surgem as primeiras imagens, com Lawrence a andar de moto, naquela que seria a sua última viagem, já estamos identificados com o personagem. Lawrence só podia ser O'Toole e O'Toole era Lawrence. Uma simbiose perfeita, que a duração do filme (mais de 3horas na versão "director's cut") apenas confirma. Tudo é perfeito nesta obra - nomeada para oito óscares - o argumento, as inesquecíveis imagens do deserto, a música e as interpretações individuais. De todas, a mais impressionante é, sem dúvida, a de Peter O'Toole, até aí um desconhecido do grande público. As nomeações para o Óscar, que posteriormente viria a receber, apenas confirmam o seu inegável talento como actor, apreendido no celebrado Old Vic, onde voltava sempre que podia.
Um personagem inesquecível, o Lawrence. Ou seria o Peter?