2014/11/22

Os bancos maus e os capuchinhos vermelhos



Parece que ainda não é desta que acabaram as surpresas neste ano pós-Troika.
Mal refeitos das notícias que conduziram à detenção dos implicados no caso dos vistos "gold" - e consequente demissão do ministro Miguel Macedo - surge-nos agora a notícia da detenção, para inquérito, do ex-primeiro ministro José Sócrates, aparentemente suspeito de crimes de corrupção e branqueamento de capitais. Temos de concordar que, tais notícias, ainda para mais na mesma semana, não são coisas triviais num país de "brandos costumes" como Portugal.
Das duas, uma: ou existem fortes índicios que levaram à detenção de todos estes personagens e, nesse caso, nada a estranhar, pois a justiça estará a funcionar; ou, dada a razia que as detenções do grupo de onze suspeitos dos "vistos" causou na coligação governamental (leia-se PSD-CDS), poderá estar em curso uma acção contrária por parte do ministério da justiça, com o fim de desacreditar o maior partido da oposição (PS), agora que António Costa surge à frente nas intenções de voto...
Ambas as hipóteses são válidas e, como têm vindo a comentar os "tudólogos" de serviço nos diversos canais televisivos, é ainda muito cedo para extrair conclusões apressadas. Se, no caso dos "vistos gold", as acusações parecem fundamentadas; no caso da detenção de Sócrates, esta terá a ver com ligações do suspeito a uma empresa de Leiria, alvo de investigações prévias, para além de fluxos de avultadas somas de dinheiro através da sua conta bancária. Como diria o outro, "isto anda tudo ligado" e não será de estranhar que os próximos dias nos tragam notícias, porventura, ainda mais sensacionais.
Uma coisa parece certa: depois dos escândalos bancários  do BPN, do BPP e do BES, dos vistos "gold" e, agora, da prisão (pela primeira vez) de um ex-primeiro-ministro, aparentemente ligado a negócios menos transparentes, Portugal começa a tornar-se um lugar cada vez menos recomendável.
Nada que nos surpreenda. Contrariamente à generalidade das opiniões, que continuam a ver nos actores políticos e nos principais partidos governamentais os únicos responsáveis por este clima de suspeição generalizada, pensamos que há um mal maior, transversal a toda a sociedade portuguesa. E, da mesma forma que não há corruptores sem haver corrompidos, também não poderá haver apenas políticos corruptos sem que alguém se deixe, por eles, corromper ou vice-versa. Isso mesmo está implícito nas mais diversas investigações, levadas a cabo sobre esta matéria e reflectidas nos índices publicados anualmente pela Organização do Desenvolvimento Humano das Nações Unidas (PNUD). Uma simples consulta ao "ranking" a partir de 1990 (ano em que o IDH foi pela primeira vez publicado) permite-nos constatar o óbvio: Portugal caíu 10 lugares na lista de corrupção mundial, depois de ter ocupado a 23ª posição, a sua melhor classifcação de sempre. O nosso país ocupa, agora, a 33ª posição no índice "Transparência" (ver mais aqui), uma das piores entre os países europeus. Não vale a pena olhar para o lado. Algo está, realmente, podre no reino da Dinamarca e não chega chamar pelo lobo mau, para desculpar as maldades do capuchinho. Esta é uma situação potencialmente explosiva e mal vai uma sociedade onde a descrença é geral e o estado perdeu a credibilidade.  
      

3 comentários:

Carmo da Rosa disse...

"....há um mal maior, transversal a toda a sociedade portuguesa."

Precisamente Rui.

Como eu costumo dizer, os políticos que governam Portugal não caem do céu de pára-quedas, nem são contratados no estrangeiro, como os treinadores e jogadores de futebol - é tudo malta muito tuga...

Também é verdade que estamos mal colocados no índex da Transparency International, o que é bastante triste e rezo a Deus (mesmo sendo ateu) para que não resvalemos para a posição do Brasil ou, pior ainda, do México...

Carlos A. Augusto disse...

Carmo da Rosa, o que Portugal precisa verdadeiramente é de quem goste disto. Goste mesmo, amor verdadeiro, desinteressado. Estou farto de ouvir zurzir nos "portugueses" que são assim que são assado. Não conheço nenhum português assim ou assado"típico" nem me revejo nas descrições que para aí abundam dos antropólogos amadores. A absolutamente esmagadora maioria dos meus compatriotas é gente do caraças. Estou farto de ver os portugueses serem achincalhados e culpabilizados por uma coisa que verdadeiramente não controlam, de serem acusados de ignorantes sem disso terem culpa. Quem manteve os portugueses na mó de baixo tem nome! Quem os acusa de desleixo e preguiça do mas os explora sem vergonha na puta da cara também tem nome. Não há portugueses maus. Há uns filhos da puta, com cara e nome que deviam ser simplesmente liquidados. Sabendo ainda mais que para exercerem alguma espécie de controlo sobre a sua vida os portugueses precisam de saber mais, de ser mais esclarecidos, e isso só se faz com empenhamento e com o tal amor e presença, causa-me verdadeiramente nojo ouvir dizer mal dos "portugueses". E, falando de antropólogos amadores, também já me causam alguma reacção de tipo emético os treinadores de bancada da política. O reparo que o Rui aqui faz é o de uma pessoa empenhada e presente. É um contributo valioso este. Ele paga aqui impostos e sofre aqui com as malfeitorias dos vigaristas que tomaram conta do poder e ganha com isso o direito à crítica. Está no olho do furacão, como eu. Vamos mal quando falamos do alto e de longe sobre assuntos que verdadeiramente não nos afectam. Precisamos é de ajuda local, de empenhamento de todos, de deicação e profissionalismo, e da tal presença. Estar aqui a aguentar esta merda, sempre na mira de tornar isto um bocadinho melhor, resistir das mil formas que vejo muitos portugueses a resistir, dá todo um outro estatuto. E, mesmo estando aqui, falar teso e com fome é diferente de falar com a barriga e a conta bancária cheias. Por isso falo (mesmo) grosso, percebe...

Carmo da Rosa disse...

Carlos A. Augusto, você além de monarca é um lírico! Portugal não precisa de quem goste do país, precisa é de quem queira investir no país. E uma boa classificação no Index da Transparency International ajuda bastante.

Como monarca é natural que você se desfaça em patriotismos, compreende-se, está-lhe no sangue, mas porque razão servir-se (ao mesmo tempo) de devaneios marxistas que lhe estorvam a visão?

Veja se percebe porque eu não duro sempre. Para elaborar relatórios sobre a corrupção num determinado país não é obrigatório pagar impostos no país em questão. Nem é preciso, nem convém, estar no olho do furacão a sofrer as malfeitorias locais. Até convém ter a barriga cheia e a conta bancária positiva, que é para evitar stress e poder pensar claro para tirar as devidas conclusões da enorme quantidade de informação existente. Uma atitude completamente diferente de dizer mal disto ou daquilo! Isso é conversa de donas de casa de varanda a varanda enquanto esperam pela chegada do carro do peixe.

O Rui, empenhado ou não, é apenas o mensageiro. E a mensagem do relatório da T.I., em que o Rui se baseia, quando traduzida para uma maneira comezinha e patrioteira de pensar dá mais ou menos isto: a maioria dos nossos compatriotas é realmente gente do caraças - quando comparados com mexicanos. Se forem comparados com dinamarqueses a coisa muda de figura e já se nota uma ligeira perda de brilho no caraças...

Note que depois da publicação do Index, tenho a certeza que no México e no Zimbabwe vão estar também uns maduros a dizer que estão fartos de ouvir zurzir nos seus compatriotas que são tudo gente do caraças e um país fantástico... Como os nacionalistas acríticos se anulam mutuamente, é preciso gente de fora ou dissidentes para corrigir o que está errado, de outras forma nunca mais saímos da cepa torta.

Por favor não pense que é o único que gosta realmente de Portugal... Lembre-se que os doutores Salazar e Cunhal, o professor Caetano e o cardeal Cerejeira também diziam ser muito patriotas, e agora o Passos Coelho, Sócrates, família Espírito Santo e Cristiano Ronaldo também acham o mesmo - mas cada um à sua maneira....