2014/12/23

Logo agora, que isto ia tão bem...



O último relatório da Comissão Europeia sobre o nosso país não é meigo e, de acordo com as notícias, chega mesmo a "puxar as orelhas" ao governo português.
Ora, que diz, no essencial, tal documento?
Desde logo, critica as "reformas estruturais" do governo (leia-se, medidas de austeridade) que teriam abrandado, depois da saída da Troika em Julho passado. Depois, critica o aumento do salário mínimo, congelado há quatro anos. Critica também a correcção do défice assente na receita em vez da despesa e, finalmente, critica o excesso de dívida pública, que continua demasiado alto.
Temos de concordar que não é coisa pouca.
No entanto, há aqui coisas difíceis de explicar. Por exemplo: desde Maio de 2011 que, aos portugueses - sujeitos ao mais austero programa financeiro dos 40 anos de democracia - foram pedidos sacrifícios sem fim, para reduzir um "déficit" incontrolável e uma dívida pública galopante, com a promessa que, depois, poderíamos regressar aos mercados (e continuar a endividar-nos de novo...). Para que isso fosse possível, era necessário aumentar os impostos, reduzir os salários, reduzir as pensões e reformas, reduzir os subsídios de desemprego e invalidez, reduzir o abono de família e reduzir o rendimento de inserção social. Era ainda necessário reduzir o "peso do estado" na despesa pública e aumentar as privatizações em áreas tão nevrálgicas como a EDP, a REN, a PT, a ANA e a TAP. Porque estas medidas não foram consideradas suficientes, foram pedidos ainda mais sacrifícios, nomeadamente a suspensão dos subsídios de Natal, o pagamento das pensões em duodécimos,  criadas taxas de solidariedade sobre todas as pensões acima de 650euros (3,5%), assim como uma taxa de 15% sobre todas as pensões acima de 1500euros (segundo o critério, um português com 1500euros, é um português rico!). Como está bem de ver, esta espiral de empobrecimento colectivo conduziu à retracção do consumo, que por sua vez influenciou negativamente a produção de bens e levou ao fechamento de lojas e fábricas por todo o país, com as consequências previsíveis. O desemprego atingiu os 14% (a terceira maior taxa da União Europeia) e, porque o desemprego aumentou, as famílias ficaram ainda mais endividadas tendo, muitas delas, visto os seus bens penhorados. Milhares tiveram de revender as casas e os carros aos bancos, tirarem os filhos das escolas e, nalguns casos, regressar a casa dos familiares. Os que terminaram os estudos, porque não arranjavam emprego, tiveram de emigrar (só nos últimos três anos, teriam saído de Portugal cerca de 350.000 jovens adultos em idade laboral!). Porque ainda não era suficiente, os orçamentos para a educação e para a investigação, foram drasticamente diminuidos e o mesmo se passou na saúde, onde todos os serviços passaram a ser pagos de acordo com os vencimentos dos utentes. A cultura deixou de ter ministério e o orçamento não atinge, hoje, os 0,3%. Tudo passou a ser pior, como era imaginável e, três anos depois, Portugal não só está mais pobre (dois milhões de pessoas a viverem abaixo do índice da pobreza e mais de 25% das crianças subalimentadas), como nenhum dos principais objectivos, do programa de "emagrecimento" resultou: o déficit continua a estar acima dos 3% exigidos pela Tratado Europeu (prevê-se que atinja os 4,9% este ano), a dívida pública continua muito acima do máximo de 120% previsto (está em 127,7% do PIB), a economia não cresce acima dos 1,1%, as importações não diminuiram e as hipóteses da economia melhorar, a curto prazo, são nulas.  Não fora o abaixamento das taxas de juro (devido às intervenções de Mario Draghi) e à recente quebra do preço do petróleo nos mercados internacionais e Portugal continuaria a ver a sua dívida ainda mais aumentada e prolongada no tempo.
A situação é de tal modo grave, que a insuspeita Lagarde (FMI), declarou há dias que a receita do Fundo Monetário para os países intervencionados, Portugal incluido, não estava a resultar e que as medidas de austeridade tinham sido exageradas.
Ora, vem agora o Snr. Juncker (acusado pelo Parlamento Europeu de favorecer a lavagem de dinheiro no Luxemburgo, enquanto foi presidente do país), chamar a atenção do governo português, para os desmandos verificados nos últimos meses. Não se faz!
Ainda por cima, criticar os nossos governantes, que sempre disseram querer ir além da Troika e foram os primeiros a assinar o Tratado Orçamental Europeu, que nos prende irremediavelmente a regras impossíveis de cumprir num país endividado como o nosso. E agora, em que ficamos?
É o programa bom? Se é, porque não resultou? Se não é, porque insistir neste modelo?
De facto, há coisas incompreensíveis. Logo agora, que isto ia tudo tão bem, como não se cansa de repetir o governo de Portugal...  

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