2014/08/20

Duas semanas noutra cidade (3)



Uma das zonas mais inovadoras e interessantes de Amsterdão é, actualmente, o Noord, situada numa das margens do Ij, o lago que divide a cidade em duas partes distintas. Porque a maioria dos visitantes tende a permanecer no centro, onde estão concentradas as maiores atracções da cidade, poucos são aqueles que conhecem uma área que sofreu modificações profundas nos últimos 20 anos. Antiga zona industrial da cidade, onde estavam os grandes silos de armazenamento de produtos transportados por via marítima e os estaleiros de construção e reparação naval, o Noord foi perdendo a sua importância, à medida que a construção naval passou a ser feita em países asiáticos de mão-de-obra mais barata. Da mesma forma, os antigos armazéns, originalmente destinados a cereais e especiarias trazidas de outros continentes, acabaram por ser esvaziados das funções para que tinham sido construídos, muitos deles tendo ficado ao abandono. Após um período conturbado, nas décadas de setenta e oitenta, em que muitos destes edifícios foram recuperados por "krakers" (ocupantes de casas), que ali viviam e tinham os seus "ateliers", a zona acabaria por ser requalificada e entregue a empreendores privados que transformaram muitos destes antigos armazéns em "lofts" e apartamentos de luxo, onde hoje vive parte da classe média alta da cidade.  Nem todas as soluções arquitectónicas são admiráveis, mas é nesta zona que podem ser vistos alguns dos edifícios mais marcantes desta inovação. Visitámos a zona de Ijburg, servida por uma linha de eléctricos que parte da Centraal Station da cidade. Ainda em fase de acabamentos, já dispõe de uma marine e de uma praia artificial (blijbeach) onde a população da zona pode nadar em águas calmas e conviver nos inúmeros bares e lojas existentes.
Para os turistas, a parte mais interessante da zona Norte está, no entanto, situada nos terrenos da NDSM (Nederlandsche Dok en Scheepsbouw Maatschappij), os antigos estaleiros da cidade onde, entre 1894 e 1979, foram construidos e reparados centenas de navios e tanques de grande porte. Após anos de decadência e subaproveitamento dos antigos edifícios, também aqui surgiriam iniciativas ligadas às artes performativas (Over Het Ij Festival) e diversos "ateliers" e incubadoras de empresas (Creative Hotspot Amsterdam) que transformaram por completo a imagem de "arqueologia industrial" dos antigos estaleiros. Visitámo-la por duas vezes, a primeira para almoçar no Plekk, um restaurante/discoteca construido a partir de antigos contentores empilhados, que dispõe de uma óptima esplanada e uma praia artificial com vista para a cidade; e a segunda, para jantar no Ij-Kantine, um gigantesco restaurante que funciona num dos antigos estaleiros de construção naval. Mais uma vez, uma vista magnífica do "skyline" de Amsterdão, a partir da doca, onde estão fundeados diversos barcos históricos, desde o velho submarino S-117 holandês, ao mítico barco "Verónica", que foi rádio pirata no Mar do Norte, nas décadas de sessenta e setenta. No Ij-Kantine, é ainda possível ouvir música de jazz cigano, numa programação que faz inveja a muitas salas de espectáculos. Os interessados em visitar esta zona da cidade devem apanhar o "ferry" (pont) que parte todas as meias-horas das traseiras da Centraal Station. É a maneira mais rápida, confortável e é gratuita. Não há desculpas e vale a visita.       

2014/08/19

Duas semanas noutra cidade (2)


Um dos lugares mais refrescantes e tranquilos de Amsterdão é o Jardim Botânico. Para quem deseja fugir à verdadeira "Disneyland" em que se tornou o centro histórico da cidade, invadido por milhares de turistas durante todo o Verão, este é um lugar a visitar. O Hortus Botanicus Amsterdam é um dos mais antigos jardins botânicos do Mundo. No jardim e nas estufas encontram-se nada menos do que 4.000 espécies de plantas originárias de todos os continentes. Originalmente criado em 1638, após a epidemia de peste que assolou a cidade, com o nome de Hortus Medicus, albergava à época um jardim de ervas medicinais. Médicos e farmaceuticos aprimoravam ali os seus conhecimentos sobre as ervas medicinais. As ervas eram, então, a principal fonte de medicamentos. Nos séculos XVII e XVIII os navios da Companhia Holandesa das Índias Orientais (VOC) trouxeram plantas ornamentais e especiarias exóticas ao Hortus. Ainda que relativamente pequeno (1,2 ha), a sua riqueza em plantas é enorme. O jardim e as estufas representam sete climas diferentes. A colecção contém somente espécies de plantas naturais e é cientificamente gerada, mediante o intercâmbio de sementes com outros jardins botânicos. 
No lago exterior, aquecido, floresce no Verão a rainha dos nenúfares, a "Victoria Amazonica", que é desde 1859 o ponto culminante da colecção de plantas do Hortus. Porque o acontecimento é publicitado no "site" oficial do Jardim, quis o acaso que, no dia da nossa chegada à cidade, estivesse previsto um dos florescimentos deste ano. Lá fomos, eram 22.30, hora prevista para o desabrochar da Victoria. Nessa noite os portões estavam abertos à população e eram centenas os curiosos que, como nós, se deslocaram ao Hortus. A flor do nenúfar surge ao cair da noite e dura normalmente cerca de 24h, após o que desaparece. Este ano, já tinham florido 10 exemplares, rigorosamente registrados num quadro ao lado do lago e onde uma especialista do Jardim nos guiou através das suas detalhadas explicações. Um verdadeiro acontecimento.  
Outra das atracções, num país de apreciadores de cerveja, é a prova das ditas nos locais próprios, as famosas "bierbrouwerijen" (fábricas de cerveja) das quais existem diversas fábricas artesanais. Esqueçam a "Heineken", a "Amstel" e a "Bavaria", marcas com as quais os portugueses estão familiarizados, e que são aqui meras cervejas de supermercado. 
Se querem provar o que é bom, dirijam-se à Brouwerij't Ij, situada na zona Leste da cidade, não muito longe do Museu Marítimo. É identificável através de um alto moinho de vento, dos poucos que ainda existem em Amsterdão.
Uma vez lá chegados, a dificuldade reside na escolha. Para os iniciados,  recomendamos a Plzeñ (5º) feita a partir de malte de trigo, com aroma de lúpulo e ervas aromáticas. O seu nome deriva da cidade de Plzeñ na Checoslováquia, onde teria surgido a cerveja a copo (pils) original. A minha preferida é a Ijwit (6,5º), uma cerveja branca de malte de trigo. De resto, a palavra "wit" é o antigo termo usado para trigo. Para os apreciadores, a Zatte (8º) é uma prova imperdível. Foi a primeira cerveja saída da fábrica (criada em 1985) e tornou-se um clássico. É uma "tripel", de acordo com a classificação belga dada às cervejas "blonde" mais fortes. Para os mais ousados,  a I.P.A. (7º), uma cerveja "blonde" escura de sabor a lúpulo, ou uma Struis (9º), cerveja de cevada ao estilo inglês, são alternativas a provar. Não esquecer, para acompanhar, o "Old Amsterdam", um queijo bem curado, ligeiramente salgado, ou uma enguia fumada, pois uma boa cerveja biológica exige aperitivos à altura. Um verdadeiro templo de cerveja, a Brouwerij't Ij, que pode ser visitada, individualmente ou em grupo, desde que feitas as marcações com antecedência.        

2014/08/18

Duas semanas noutra cidade


É uma das cidades mais populares da Europa (2.5 milhões de turistas por ano) e continua a crescer. Falamos de Amsterdão, que acabamos de (re)visitar, na enésima visita feita a esta cidade, que não pára de nos surpreender,  apesar (et pour cause) de décadas ali vividas.
Ainda que Agosto não seja o mês mais indicado para o fazer - a cidade esvazia-se de habitantes e enche-se de hordas de turistas que ocupam literalmente o centro histórico - o Verão é, por definição, a melhor estação do ano para visitar esta urbe do Norte da Europa, onde a imprevisibilidade climatérica é um factor de risco a ponderar. Como bem sabem os naturais, o clima pode mudar três vezes ao dia e andar de calções e sandálias não dispensa o chapéu de chuva, pois as trovoadas e aguaceiros são, nesta altura do ano, frequentes.
Sem programa pré-estabelecido, a opção, desta vez, foram lugares ou programas menos populares, que turistas clássicos (mais interessados em Rembrandt, Van Gogh ou Anne Frank) não costumam visitar. Em boa hora o fizemos, pois o que vimos compensou largamente as expectativas, tanto do ponto de vista qualitativo como do ponto de vista da tranquilidade dos museus escolhidos. 
Desde logo, a celebrada Huis Marseille/Museum voor Fotografie, que ocupa duas antigas casas senhoriais do Keizersgracht, um dos principais canais do centro de Amsterdão. Diversas exposições seminais de fotógrafos tão diferentes como Taco Anema (Portraits de Conselhos Directivos de Organismos Municipais), Guido Guidi (fotografias hiper-realistas de uma Itália desconhecida) e Martin Roemers, Frans Beerens e Marrigje de Maar (sobre a China actual), que confirmam a qualidade e os critérios de bom gosto deste verdadeiro templo de fotografia contemporânea.
Outra visita gratificante foi a do Cobra Museum of Modern Art, situado em Amstelveen, zona nobre a sul da cidade, que alberga permanentemente a antiga colecção do Stedelijke Museum (Appel, Constant, Jorn, Corneille, Alechinsky) e onde se encontra, temporariamente, uma selecção da Guggenheim Collection, constituida por 51 trabalhos de 44 artistas do famoso museu nova-iorquino, com trabalhos de artistas como Pollock, Rothko, Willem de Kooning, Louise Bourgelos, José Geurrero e Vieira da Silva. Obras marcantes da arte contemporânea, no período compreendido entre 1949 e 1960.
Inesquecível, seria também a visita à cinemateca da cidade, o futurista edifício "Eye" onde, para além das habituais sessões (4 salas em permanência), visitámos o programa dedicado a David Cronenberg, que inclui a projecção de todos os seus filmes, uma exposição, com painéis explicativos e interactivos, adereços (cápsula do filme "A Mosca", os monstros de "Naked Lunch" e "eXistenZ", ou os trajes de "M.Butterfly" e "Eastern Promises"), completada com diversas entrevistas ao realizador, que passam em modo contínuo numa sala decorada como bar, onde não falta o famoso monstro de "Naked Lunch". Imperdível.
Finalmente, e ainda no campo das exposições, "De Krim - Goud en Geheimen van de Zwarte Zee" (A Crimeia - Ouro e Segredos do Mar Negro), que pode ser vista no Museu Arqueológico da Universidade de Amsterdão, o Allard Pierson Museum. Uma pequena, mas informativa exposição sobre esta península ucraniana, recentemente declarada território russo, onde nas últimas décadas foram feitas escavações arqueológicas e descobertos verdadeiros tesouros em cemitérios de povos tão diversos como os Chyntios, os Godos e os Hunos que ocuparam a região. Porque a Crimeia foi um ponto de passagem entre a Europa e a Ásia, devido à famosa "Rota da Seda", também ali foram recuperadas as primeiras caixas lacadas chinesas conhecidas no Ocidente. Uma revelação, agora que a região é notícia pelas piores razões, e uma curiosidade: a exposição, que deveria ter terminado em Julho, foi prolongada, pois a administração do museu holandês não sabe a quem há-de entregar o acervo exposto, uma vez que este é originário de 5 museus diferentes, uns de Kiev e outros da Crimeia...