2015/05/13

Atrevam-se!

Perante os sinais evidentes da falência total das democracias ocidentais, como esta em que vivemos, o que Manuel Arriaga nos propõe neste seu "Reinventar a Democracia, 5 ideias para um futuro diferente" é simples: como criar uma verdadeira alternativa de controlo e exercício do poder que não seja um travesti deste sistema que faliu?
Um corolário imediato desta proposta é o seguinte: poderão as “alternativas” que vemos surgirem por aí quase todos os dias, dentro e fora do sistema, ser consideradas verdadeiras alternativas?
E há um outro corolário óbvio, que se pode ainda extrair: é possível construir um alternativa sem cair na tentação de usar os mesmos meios que o sistema que queremos reformarusa, eles próprios sustentáculos e causas dessa falência?
A resposta a estas perguntas é simples: sim, é possível, usando a inteligência. A única forma que o Homem teve para assegurar a sobrevivência da espécie durante 200 000 anos.
As palavras chave, neste caso, são "usar" e "inteligência".
A democracia de tipo ocidental é um sistema cheio de imperfeições, que tem, por via delas, destruído a sua própria promessa. A democracia ocidental está hoje no estado daqueles corpos que, sem alimento, começam a consumir as suas próprias gorduras até nada mais restar.
Sem vergonha, o modelo até é exportado para as paragens mais "selvagens", apoiado no cliché “churchilliano” de que a democracia é "a pior forma de governo imaginável, à excepção de todas as outras que foram experimentadas.” Uma forma hábil de impedir o surgimento de alternativas antes mesmo de nascerem, classificando-as desde logo como experiências…
Como se a democracia não tivesse começado por ser uma experiência.
Chegámos a um ponto porém em que esta democracia não corresponde mais ao estado de evolução das sociedades humanas. Os problemas avolumaram-se e avolumam-se, não há soluções dentro do sistema, e as soluções tornaram-se, elas próprias, problema, a partir do momento em que os detentores do poder que as impõem, em nome dos seus interesses. Alapados nesses interesses e neste horror ao experimentalismo, esses crónicos detentores do poder velam para que nada mude, desde que os seus interesses não sejam afectados. O descrédito e o descontentamento perante esta situação são generalizados e a revolta, mesmo que nem sempre claramente expressa, é profunda.
O olhar atento revela-nos que o sistema contém um mecanismo de auto-regulação que impede a sua reforma e o blindou contra todas as tentativas de mudança. Uma ínfima minoria não terá a inteligência para se aperceber disso. E uma esmagadora maioria não quer, simplesmente, usá-la. Eis a génese do impasse que inviabiliza a mudança: os descontentes parecem preferir não usar a sua inteligência e demitiram-se de intervir nos mecanismos que decidem as suas vidas. Preferem demitir-se a provocar a mudança. Preferem demitir-se a contribuir para resolver os problemas de que se queixam.
Como explicar este disparate a quem não quer ouvir? Como dizer-lhes que a raiz do seu desconforto são eles próprios, sem os hostilizar?
Acredito, porém, como Manuel Arriaga, que a natureza humana é boa, embora admita, como ele, que os perigos e as dificuldades gerados por estas propostas de mudança, que de forma corajosa, saudavelmente clara, surpreendentemente serena  e candidamente optimista, ele aqui propõe, são reais e imensos.
A vantagem destas propostas é que, ao contrário de outras baseadas em perspectivas reformistas ou revolucionárias — mas sempre convenientemente encaixadas numa qualquer forma de poder actual —, estas permitem estabelecer o diálogo, sem excluir nem afrontar ninguém à partida.
Dialogar não significa antagonizar. Só através do diálogo inteligente poderemos aspirar a construir uma sociedade auto-determinada, aí onde, como aponta John Holloway, outras propostas que dominaram o pensamento político ao longo de todo o século XX, quando o mal estar se começou a instalar, falharam em toda a linha.
Acredito, portanto, que mais depressa do que se pensa o bloqueio será furado. Não nos restará outra coisa senão sermos atrevidos. Atrevamo-nos, portanto.
Comece por se atrever a ler este livro.
Ver-nos-emos certamente por aí.
Até já.

Sem comentários: