2015/06/19

Filmar a Memória

Nos últimos quinze dias pude assistir a três obras cinematográficas - género documentário - sobre a memória de regimes e eventos políticos em países devastados por guerras, golpes de estado e repressão generalizada. Os dois primeiros, no âmbito do Festival "Olhares do Mediterrâneo" (Cinema no Feminino) e, o terceiro, numa das salas da Medeia Filmes.
Filmes sobre a guerra na Bósnia, na década de noventa (For those who can tell no tales); sobre a repressão em Portugal durante o fascismo (O medo à espreita) e sobre o golpe de estado militar na Indonésia em 1965 (O olhar do silêncio).
Enquanto no primeiro filme, a realizadora Jasmila Zbanic (Bósnia), utiliza uma turista australiana como alter-ego, para dessa forma construir uma narrativa distanciada, mas nem por isso menos denunciadora das violações sofridas por centenas de mulheres bósnias num hotel, utilizado pelas tropas sérvias durante a guerra civil na década de noventa; o filme português, de Marta Pessoa, reúne diversas figuras da resistência anti-fascista e deixa-as falar perante a câmara, num cenário negro, onde os entrevistados relatam as torturas a que foram sujeitos nos calabouços da PIDE. O terceiro filme, realizado por Joshua Oppenheimer (norte americano, baseado na Dinamarca), segue a investigação do personagem principal, cujo irmão foi torturado e morto por milícias de extrema-direita, às ordens dos generais indonésios.
Três formas diferentes de olhar a tortura, em sociedades onde, durante períodos mais ou menos prolongados, o poder foi exercido por regimes autoritários ou durante convulsões internas, como foi o caso da guerra civil na ex-Jugoslávia.
Dos três filmes, o docudrama de Oppenheimer (segunda parte do díptico iniciado com "A arte de matar",  que vimos no ano passado) é, sem dúvida, o mais impressionante. Já porque o realizador dinamarquês possui aptidões que as realizadoras dos outros filmes parecem ainda não possuir; como, os meios técnicos postos à sua disposição, são, indubitavelmente, mais sofisticados. Se "A arte de matar" já era um filme devastador, pela crueza das histórias de tortura representadas pelos próprios esbirros, "O olhar do silêncio", ainda que versando o mesmo tema, não cai na repetição de "clichés" procurando descobrir a verdade, através das conversas informais que o personagem principal do filme vai tendo com os antigos torturadores, até conseguir descobrir os assassinos do próprio irmão. Um filme assustador na sua simplicidade formal, filmado com grande mestria e beleza estética, a lembrar a grande tradição asiática de Ozu e Lav Diaz.
Num período histórico de grandes convulsões políticas, em que começam a surgir prenúncios de regimes mais ou menos autoritários, alguns dos quais bem perto de nós, é bom lembrar que as derivas dictatoriais não estão tão longe assim. Neste sentido, filmes como aqueles que nos foi dado ver nas últimas semanas, são bons exemplos do que a arte cinematográfica pode fazer pela memória.       
   

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