2015/12/29

Urgente

A Jovem e a Morte, de Marianne Stokes

É urgente remodelar as urgências dos hospitais, que não funcionam, quando mais urgentes são os seus serviços. A recente morte do jovem de Santarém, por falta de assistência atempada no tratamento de um AVC, veio despoletar uma discussão velha de anos, agora divulgada pelo relato dos familiares, sem o qual não teríamos sabido a existência de mais quatro casos semelhantes. Ontem mesmo, um novo caso, agora no hospital de Faro, provocou a sexta morte (!?) por falta de assistência a uma vítima de AVC nas urgências, o que excede toda e qualquer tolerância para este tipo de procedimentos.
Invocam-se os cortes verificados na saúde, devido à austeridade financeira a que Portugal está sujeito, como explicação para a falta de médicos nos fins-de-semana. É certamente uma explicação contabilística, que não resolve o problema de saúde dos cidadãos, que têm direito constitucional (SNS) a serem tratados, independentemente de terem posses financeiras, ou não. Em última análise, se os hospitais públicos não estão apetrechados para determinado tipo de intervenções (as operações de doentes, que sofreram um AVC, implicam uma equipa de cirurgiões especializados), devem existir escalas nos principais hospitais nacionais (privados inclusive) que permitam, de forma rotativa e satisfatória, operar doentes em risco de vida iminente. A filosofia só pode ser uma: salvar a vida primeiro e exigir o pagamento depois.
Por outro lado, e não sejamos ingénuos, as lacunas do incensado Serviço Nacional de Saúde, já vêm de longe e não começaram com a chegada da Troika a Portugal. O desmantelamento progressivo de apoios intermediários e unidades hospitalares no interior do país, é uma tendência da última década e iniciou-se com as aberrantes decisões do ministro de saúde de então (Correia de Campos), cujo afã para encerrar serviços, obrigou dezenas de portuguesas irem ter os filhos a clínicas espanholas. Alguém imagina uma cidadã espanhola vir a Portugal ter os seus filhos, por falta de apoios no seu país?
Eu próprio, fui testemunha da falta de meios humanos em diversos hospitais da periferia de Lisboa, nomeadamente durante a noite e nos fins-de-semana. No Hospital Amadora-Sintra, por exemplo. Por alguma razão, as urgências nesse hospital registaram, no ano passado, tempos de espera de 17 e mais horas (!?), o que pode revelar-se fatal, como é o caso de um AVC, com sequelas para a vida.
Não basta, por isso, pedir a demissão, como fizeram os principais responsáveis pela saúde da região de Lisboa. Por muito nobre que o gesto pareça, a causa desta inoperância é estrutural e tem de ser assumida pelos governantes em gestão. O sistema existente não funciona, os meios humanos são reduzidos, os médicos queixam-se de não serem chamados aos fins-de-semana por falta de verbas e os doentes têm de esperar mais de 48horas, antes de serem atendidos. Para seis desses pacientes, a espera foi fatal. E é isto que não pode acontecer. Nunca mais.
Esperemos que o partido do novo governo, responsável pela criação do Serviço Nacional de Saúde, motivo de orgulho de todos nós, saiba extrair as lições desta catástrofe. É urgente tratar das urgências.

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