2015/11/02

DOC's (parte 3)



Terminou mais uma edição do DOC's, o melhor festival português de cinema documental, com o anúncio e entrega dos respectivos prémios. Nas categorias Portuguesa, Internacional e Favorito do Público, destaque para "Rio Corgo" (longa-metragem portuguesa) da dupla Maya Kosa e Sérgio Costa (já aqui referenciado); "Il Solengo", da dupla italiana Rigo de Righi e Matteo Zoppis e "Phil Mendrix" de Paulo Abreu. Outros filmes (duplamente) premiados, foram "Dead Slow Ahead" de Mauro Herce (Espanha) e "Talvez Deserto, Talvez Universo" de Karen Akerman e Miguel Seabra Vasconcelos.
Dos títulos acima referidos, vimos "Phil Mendrix", um biopic sobre o legendário Filipe Mendes, guitarrista actual dos "Ena Pá 2000!" e dos "Irmãos Catita", que passou pelos históricos "Chinchilas" e "Roxigénio", dos anos sessenta e setenta. Após uma estadia no Brasil, onde residiu durante a década de '80, Filipe regressou a Portugal, para reiniciar uma carreira única, agora "rebaptizado" de Phil Mendrix, em homenagem ao ícone Jimi Hendrix. Excelente documentário, tanto do ponto de vista técnico (som e imagem) como musical, recheado de episódios humorísticos, dignos desta personagem única no meio musical português.
"Talvez Deserto, Talvez Universo", relata o quotidiano de um grupo de doentes mentais, numa ala do Hospital Júlio de Matos, utilizando o método da observação-participativa, onde a descrição e o respeito, pelos personagens filmados, são notáveis. Óptima fotografia e enquadramentos, num preto e branco enevoado, a sublinhar a ténue fronteira entre loucura e normalidade.
Dos ciclos temáticos, "I don't throw bombs, I make films" (da famosa citação de Fassbinder), apresentava uma das melhores selecções desta Mostra.  Destaque para "El Proceso de Burgos" (Imanol Uribe), um extenso e bem documentado filme, sobre o célebre processo contra 9 membros da ETA, acusados da morte do Comissário da Brigada Político-Social de Guipúzcoa (País Basco) em 1968. Pesem os inúmeros pormenores do julgamento, contados por todos os implicados, o documentário peca pela extensão e repetição de detalhes, numa sucessão de "talking-heads", algo monótona. Bem mais interessante, seria a trilogia "Afsan's Long Day" (The Young Man was...) de Naeem Mohaiemen, uma reflexão sobre os anos tumultuosos do Bengla-Desh pós-1971, em contraponto com o chamado "Outono Alemão" e as espectaculares acções da "Armada Vermelha" japonesa, quando o terrorismo internacional era transversal a diversas zonas do globo.
No mesmo ciclo, destaque para dois filmes italianos, o excelente "Colpire al Cuore" (Gianni Amelio) sobre um jovem em crise, desconfiado das relações do pai com uma amiga acusada de terrorismo; e a curta-metragem "Hipóteses sobre a morte de G. Pinelli" (Elio Petri), onde são encenadas 3 versões da morte do anarquista Pinelli, acusado do atentado da Piazza Fontana (Dezembro de 1969) e que, segundo a versão policial, teria saltado da janela da esquadra, o que lhe provocou a morte. O caso, que se tornou emblemático, denuncia as práticas da polícia italiana e é igualmente relatado num dos melhores filmes deste ciclo, "A Orquestra Negra", sobre o "complot fascista" organizado com o apoio da CIA na Itália dos anos sessenta.
Ainda sobre a mesma problemática, dois filmes alemães históricos: o primeiro, "Deutschland im Herbst" (com Rainer Werner Fassbinder, Bernhard Sinkel, Edgar Reiz, Volker Schlondorff e Wolf Biermann e.o.), sobre os dias que se seguiram ao assassinato, em 1977,  de Hanns-Martin Schleyer, às mãos do grupo Baader-Meinhof. Imagens que correram Mundo, desde o enterro do presidente da confederação dos patrões alemães, até à prisão dos terroristas e ao posterior anúncio da sua morte (alegadamente por suicídio) na prisão de Stammheim. O filme, que termina com imagens do funeral dos três terroristas, encontrados mortos nas suas celas, tenta articular e explicar um sentido para esta estratégia de luta, que caracterizou a extrema-esquerda europeia nos anos setenta; o segundo, "Die Bleierne Zeit" (Margarethe von Trotta), é uma encenação da relação das irmãs Meinhof (Marianne e Julianne) personalidades antagónicas, que permanecem unidas até ao trágico desenlance na prisão de Stammheim, após o qual, Julianne (jornalista), toma conta do filho da irmã e inicia uma investigação sobre as causas da morte de Marianne. Dois clássicos a ver e rever, sobre um dos períodos mais conturbados da história europeia recente. O DOC's 15, acabou, mas os documentários continuam. 

P.S. Durante o Festival, fomos informados da morte do cineasta José Fonseca e Costa. Um desaparecimento, de algum modo anunciado, dado o estado de saúde do realizador nas últimas semanas. O cinema português perdeu uma referência e um autor de filmes marcantes, onde se destacam "O Recado", "Os Demónios de Alcácer-Quibir", "Kilas, o mau da fita", "Sem Sombra de Pecado", "Balada da Praia dos Cães", "Cinco Dias, Cinco Noites" e "A Mulher do Próximo". O cinema e, por extensão, a cultura portuguesa, estão de luto. A nossa homenagem.