2016/03/23

Double Standards


Os atentados de Bruxelas lembram-nos que o terror não abrandou, apesar dos sofisticados meios postos ao dispôr das polícias e serviços de informação internacionais. Uma realidade insofismável, à qual não podemos furtar-nos e que temos (todos) de enfrentar, única forma de manter a liberdade que alguns teimam em querer roubar-nos.
O método usado pelos terroristas não difere de outros atentados no passado em Madrid, Londres ou Paris, ainda que a sua autoria tenha sido reivindicada por organizações, aparentemente, diferentes (Al Qaeda e Daesh).
Em todos eles podemos reconhecer um padrão comum: a destabilização da vida quotidiana, através de actos de terror gratuitos, praticados indiscriminadamente contra cidadãos civis. Os locais são, por norma, frequentados por grande número de pessoas (transportes públicos, estações de caminhos de ferro, aeroportos) e em capitais de países directamente implicados nos conflitos militares do Médio-Oriente. Foi assim em Madrid e em Londres, nos atentados executados por células do Al Qaeda, como resposta à intervenção militar no Iraque (o que originou, posteriormente, a retirada das tropas espanholas do conflito); e foi, assim, de novo, em Paris e Bruxelas, nos atentados reivindicados por membros do Daesh, como resposta às intervenções europeias na Síria.
Ainda que o estafado argumento da "não-integração" de minorias estrangeiras estigmatizadas em Londres, Paris ou Bruxelas, não deva ser desprezado - como explicação para a adesão destes "desesperados" a uma causa fanática sem objectivos, onde a auto-imolação dos terroristas é, por norma, o desfecho frequente - a verdade é que o problema do terror (do "mal", como alguém lhe chamou) é bem mais complexo do que à primeira-vista poderá parecer.
Nas últimas vinte-e-quatro horas, temos assistimos a uma emissão "non-stop" de programas de televisão, onde os mais variados "experts" na matéria, dizem coisas tão banais como "enquanto for permitido entrar nos aeroportos sem sermos revistados, os terroristas não necessitam de passar o controlo de bagagem. Basta-lhes entrar com um carrinho de bagagem no hall de entrada...". O que é verdade, obviamente. E então? Passamos a controlar os passageiros na Grand-Place de Bruxelas?
A paranóia está instalada e este é o maior perigo. Destabilizar as sociedades ocidentais (uma vez que o terrorismo é, hoje, global) é o fim último destes grupos de "lobos" acossados, sem programa político, para além do ódio e da frustração.
Todos os "experts" disseram isto e disseram outra coisa ainda: a prevenção tem evitado males maiores, mas nunca evitará os atentados em si. Haverá sempre um momento de distracção (ou menos atenção) que pode ser fatal. Por outras palavras: é impossível tudo controlar, a menos que coloquemos um polícia ao lado de cada cidadão. Nem nos estados mais totalitários, isso é possível, como sabemos.
Ora, como não desejamos um estado totalitário (o desejo inconfessável dos fascistas de várias matizes), teremos de defender a liberdade conquistada, única forma de não permitir o aumento da repressão. No fundo, encontrar o equilíbrio entre segurança e a democracia, para que a primeira não nos faça perder a segunda.
Esta luta, que é de todos, passa, obviamente, por uma maior consciência dos interesses em jogo, que não acabam no bairro de Molenbeek. É necessário fazer rusgas e prender os suspeitos, chamem-se eles Hamid ou Van der Meulen. Os suspeitos existem ("o fascismo está em cada um de nós", dizia Deleuze), mas convém não isolar a árvore da floresta. Algures, numa cidade perto de si, os maiores "arautos da liberdade" clamam por mais uma guerra (formal), contra um exército de sombras. Na manhã de ontem, ouvimos, outra vez, François Hollande proclamar o seu "statement" favorito: "Estamos em guerra!". É verdade. Estamos em guerra. Não foi ele que vendeu os "Mirages" e continua a comprar petróleo aos "sheiks" da Arábia Saudita, o principal financiador do mesmo "Estado Islâmico" que pratica atentados em solo europeu?
Se querem combater eficazmente o terrorismo, comecem pelas suas fontes de financiamento. Deixem de vender armas às ditaduras árabes e impeçam a venda do petróleo controlado pelo Daesh, aos países que mais dele beneficiam (por exemplo, a Turquia). Não será a solução para todos os problemas, mas é, certamente, um passo na boa direcção.
 

Sem comentários: