2016/03/04

É a ética, estúpida!

Assisto a uma das muitas "opiniões públicas", em que a televisão portuguesa é pródiga, desta vez sobre a polémica relativa ao novo "job" da ex-ministra Maria Luís Albuquerque.
Como é habitual nestas "terapias de grupo", há opiniões para todos os gostos: os comentadores "encartados", que juram a pés juntos não saberem nada de leis, mas afirmam peremptoriamente não haver incompatibilidade com a função de deputada; os indignados do costume, que criticam toda esta promiscuidade a que vamos assistindo regularmente; e os conformados do costume, que dizem serem todos os políticos iguais, leia-se corruptos.
Assistimos, de facto, à degradação crescente de uma sociedade onde, apesar, de todos os progressos materiais, continuamos a ser confrontados com a mais despudorada falta de "sentido de estado" (o sempre citado "civil servant") categoria há muito arredada da política portuguesa recente.
Os portugueses em geral, mantêm-se enredados em "rodriguinhos" e assuntos de "lã caprina", sem qualquer relevância para a vida dos cidadãos (futebóis, dramas passionais de famosos, telenovelas, lixo televisivo, prisões de empresários futebolísticos...), enquanto os assuntos, verdadeiramente importantes para o nosso bem-estar quotidiano, continuam por resolver, sem que a "polis" se revolte indignada.
Nunca, como nos dias que correm, o conformismo, o laxismo e a promiscuidade, parecem ter descido tão baixo. O que devia ser fácil (criar uma lei de incompatibilidades entre funções de estado e interesses privados) é tido como uma dificuldade intransponível, com o argumento de que a "exclusividade" de cargos políticos, impediria, no futuro, de contratar os melhores para a função. Mas, se assim é, quem obriga os "civil servant" a fazer serviço público? Ninguém, como é óbvio. Todos lá estão (ou deviam estar) com essa missão: a de servir o povo, que os elegeu para o representar por um período determinado. Uma vez eleitos, só lhes resta cumprir (o melhor que souberem) a função de governantes ou deputados, como é o caso em notícia. Uma vez, este período cumprido, podem sempre optar pelo emprego que melhor sirva os seus interesses. Ninguém os impede.
Logo, uma deputada - que há 3 meses atrás ainda era ministra das finanças e nessa função negociou parte da dívida portuguesa com a empresa especuladora Arrows - não deveria, em tese, poder conciliar o seu cargo de deputada, com o de administradora dessa mesma empresa.
A própria lei de incompatibilidades o afirma, ao explicitar que (aos ex-governantes) se exige um período mínimo de 6 anos de nojo, antes de aceitar uma cargo de chefia numa administração de uma empresa com a qual teve relações institucionais. Claro como a água.
Não se percebe, por isso, as reacções das "virgens ofendidas" do costume, ouvidas a toda a hora e vindas de quem mais proveito tira deste regime de promiscuidade, que só pode interessar a quem não quer perder privilégios inerentes a quem governou o país.
É a ética, estúpida!

1 comentário:

Carlos A. Augusto disse...

O mais grave hoje (e o fenómeno não se verifica só cá!) é que já nem tentam disfarçar. Acabou a hipocrisia (poderia isto também ser o título deste post do Rui). A sociedade parece ter esgotado finalmente toda a reserva de vergonha na cara que tinha. O que, a mim, não me deixa de todo mais descansado...