2016/02/04

As Grandes Manobras

Nunca um Orçamento de Estado desencadeou uma discussão tão profícua na sociedade portuguesa.
É extraordinário o afã das forças mais retógradas - da oposição parlamentar à "domesticada" comunicação social - em criticar os números do "draft" (esboço) apresentado pelo governo português a Bruxelas. Trata-se de um procedimento normal, à qual todos os países da UE estão sujeitos e que Portugal (ainda que com algum atraso) está a cumprir de acordo com os compromissos assumidos. A questão do "atraso", inclusive, explica-se pelo facto do anterior governo (PSD/CDS) não ter apresentado um Orçamento em tempo útil, devido à realização das eleições legislativas de Outubro. Dada a inexistência de um Orçamento e de um governo formal (saído das eleições) não era, de todo, possível apresentar o OE antes da constituição de um novo governo, o que só veio a verificar-se em finais de Novembro. Dois meses e alguns dias mais tarde, o actual governo apresentou o seu primeiro "esboço" à UE, que está, neste momento, a ser discutido em Bruxelas. Qual a surpresa?
A surpresa, reside no facto deste orçamento partir de pressupostos diferentes dos orçamentos anteriores, elaborados num período de crise financeira e de austeridade, imposta pela Troika, entre 2011 e 2014. Como é sabido, os resultados desse programa foram, na sua quase totalidade, desastrosos para a economia e para a população portuguesa e, com a excepção do "déficit", nenhum dos objectivos foi alcançados pelas políticas de austeridade levadas a cabo pelo governo anterior: houve perda do poder de compra, empobrecimento geral, desemprego generalizado, aumento da emigração, perda de apoios sociais e subsídios diversos, miséria absoluta para grandes extratos da população e fome declarada para milhares de crianças sem apoios parentais.
Uma vez no governo, é pois, natural, que o PS (no que é apoiado pelas forças de esquerda maioritárias no parlamento) quisesse inverter este ciclo de empobrecimento que, não só não conseguiu obter os resultados anunciados, como compromete o futuro do desenvolvimento do país para os próximos anos.
É com esta estratégia, que se compromete a reverter o ciclo de austeridade, que o orçamento foi elaborado e apresentado em Bruxelas: um orçamento que se propõe cumprir as obrigações de Portugal na Europa (pagamento das prestações da dívida soberana e "déficit" abaixo dos 3% nominais exigidos), ao mesmo tempo que prevê melhorar as condições sociais dos grupos mais atingidos pela austeridade (assalariados, pensionistas, famílias e grupos mais vulneráveis da sociedade), penalizando os salários e grupos (empresas) mais favorecidos.
É difícil, esta equação?
Com certeza. O governo necessita de cerca de 1000 milhões de euros para cobrir as despesas previstas e isso só será possível com um aumento do crescimento económico superior a 2,5% anual, quando a média da UE é inferior a 2% (ainda que, em Espanha, a economia esteja a crescer a 3,5%).
Ou seja, sem crescimento económico relevante, dificilmente o governo poderá satisfazer os seus compromissos, a menos que volte a penalizar (através de impostos) a classe média, tradicionalmente o grupo mais "sacrificado" em todas as projecções. A chamada "quadratura do círculo".
Uma coisa é certa: as críticas ao (esboço de) Orçamento, feitas pela direita portuguesa (no que é secundada pela comunicação social) e pela Comissão Europeia, não são técnicas, mas, fundamentalmente, políticas. Para a UE, Portugal não pode tornar-se um exemplo positivo para outros países (Espanha e Itália, por exemplo), pois isso seria comprometer o modelo económico e o "pensamento único" que, actualmente, domina a Europa, onde o capital financeiro controla o poder politico.
Este é, pois, o maior desafio que o governo de Costa enfrenta e sobre o qual não pode haver duas interpretações: ou, as negociações em Bruxelas, permitem ao governo defender o seu orçamento e aplicá-lo (ainda que com concessões) de acordo com as promessas eleitorais feitas há três meses; ou uma capitulação, nesta fase, poderá comprometer toda a estratégia concebida e tornar Portugal numa nova Grécia, o pesadelo de todos os democratas.