2016/02/24

Entre Bruxelas e Lisboa, vai o passo de um anão...


O Orçamento 2016 foi aprovado na generalidade. Segue-se, agora, a discussão na especialidade.
Após dois dias de intenso debate, a aprovação final - que não constituiu propriamente uma surpresa, dada a constituição da Assembleia da República - confirmou o caminho estreito e sinuoso que nos espera.
Será, agora, a execução do próprio Orçamento, a confirmar (ou não) as expectativas geradas.
O governo, numa antecipação do que poderá aí vir, já foi avisando que este não é Orçamento desejado, ainda que inclua algumas das premissas apresentadas na primeira versão discutida em Bruxelas. Sabemos assim, que esta versão, é um recuo em relação aos desejos governamentais e, por extensão, aos partidos de esquerda que o apoiam. Um mal menor, algures entre o desvarios dos últimos 4 anos e o Orçamento "ideal" que todos desejaríamos, mas que não será ainda possível.
Há um nítido avanço no campo dos direitos laborais, com recuperação das medidas de equidade necessárias à recuperação do poder de compra dos mais desfavorecidos e uma maior inclusão de mais de dois milhões de portugueses na sociedade. Estas são as medidas positivas e devem ser saudadas.
Depois, há um agravar dos impostos indirectos (combustíveis, automóveis, tabaco) o que, sendo compreensível, por serem os bens mais importados, irá necessariamente agravar o peso da despesa nas empresas e nos transportes públicos, como é inevitável.
Desta forma, o governo corre o risco de penalizar largos extratos sociais (a mítica classe média), dependentes da utilização do automóvel e dos transportes públicos no seu quotidiano (empregos, escolas, etc.). Esta é uma crítica pertinente da direita, ainda que se perceba a lógica de taxar os bens mais importados e, nessa medida, contribuir para a diminuição da despesa pública.
O governo fez as contas e provou, com números, ser a carga fiscal menor relativamente ao Orçamento do anterior governo. Por outras palavras, os portugueses irão pagar, globalmente, menos impostos este ano.
Independentemente dos ganhos e perdas neste Orçamento, nada mudará estruturalmente enquanto o peso da dívida continuar a sufocar a economia portuguesa. Com uma dívida pública de 220.000 milhões de euros (130% do PIB) e 8.500 milhões de juros a pagar em 2016, não parece fácil reduzir o déficit até 2,4%, conforme a exigência da Comissão Europeia. Sem um crescimento económico sólido (acima de 2,5%) e sem poder utilizar o saldo primário excedente (todo ele canalizado para o pagamento da dívida), o governo português não parece dispôr de margem suficiente para praticar as políticas sociais anunciadas.
Desta forma, a exigência da renegociação da dívida (defendida pelo BE e pelo PCP) ganha nova actualidade. Impedido de fazer as reformas estruturais anunciadas, o governo terá na dívida a "pedra de toque" desta legislatura. Também, por esse motivo, arrisca a sua própria sobrevivência. Bruxelas sabe isso e não facilitará a vida a Lisboa.
Agora que se tornou moda citar Sérgio Godinho, parece-nos actual relembrar uma das suas canções mais famosas: 
"Entre a rua e o país, vai o passo de um anão
vai o rei que ninguém quis, vai o tiro de um canhão
e o trono é do charlatão".


Foto: MANUEL DE ALMEIDA/LUSA