2016/05/07

Amnésias

As próteses dentárias de Hitler eram, ao que parece, feitas com ouro retirado dos dentes dos judeus assassinados nos campos de concentração. Este ouro terá sido obtido pelo seu dentista Hugo Blaschke. O dentista terá juntado cerca de 50 kg, que  valeriam qualquer coisa como 2 milhões e meio de dólares a preços de hoje.
Segundo informação de há dias, a Grécia voltou ao estado de recessão. Ou melhor, viu aprofundar-se o estado de recessão permanente em que vive desde há anos. Tudo isto é fruto do terceiro resgate, o último neste longo processo que Varoufakis classificou apropriadamente como terrorismo
Terrorismo que se reflecte agora numa dívida externa a subir para uns "himalaianos" 180% do PIB, em mais cortes na despesa pública, em mais cortes de salários e pensões, em mais despedimentos e num aumento recorde do desemprego. Depois de tudo o que se passou na Grécia, depois de tudo o que vimos e ouvimos... tudo ficou pior. Um site publicita a venda dos últimos bens públicos gregos ainda susceptíveis de serem colocados no prego. Um equipamento que se mantém em bom estado de funcionamento, um exemplar de património, a pechincha certa de ocasião, um activo do Estado, perfeito para conceder a um privado, um serviço rentável sem avarias, uma instalação pública bon-marché, levamos a casa. 
Uma espécie de OLX na lógica austeritária!
Tudo isto acontece depois de toda aquela tensão vivida há sensivelmente um ano, com o David Varoufakis a desafiar o Eurogrupo Golias. Um momento que culminou na saída do governo do desafiador ministro das finanças grego, depois de toda aquela barragem de contra-informação, que, por um momento breve, deixou os Europeus a pensar em Política. Lembram-se?
A Grécia deixou entretanto a agenda dos jornais, já não motiva encontros de fim de tarde ou de fim de semana de agitprop dos partidos das boas intenções e até está ausente das conversas de café dos que, volta não volta, se levantam do sofá da letargia política e resolvem parar para pensar, enquanto sorvem a bica.
Um dia destes, podemos acordar com um incêndio brutal à porta, maior que o de Fort McMurray, mas sem hipótese de sermos evacuados para lugar seguro. 
E de quem será a culpa?
Numa série chamada os "Segredos do Terceiro Reich", que passou recentemente na RTP 2 (onde colhi a informação sobre a dentadura dourada do Hilter), analisava-se a possibilidade do ditador sofrer de uma qualquer forma de doença mental.  "Foi bastante conveniente para os alemães, após a guerra, dizerem que Hitler era louco e nós não fomos responsáveis, ele não foi responsável, e assim se livrarem de culpas," afirmava o historiador Richard Evans, que acrescentava que "é importante ter em conta que ele era, para todos os efeitos, designadamente, os mais importantes e cruciais da sua actuação, perfeitamente são. Se a sua ideologia era racional, isso já era uma outra questão."
O historiador alemão Hans-Joachim Neumann observava na aludida série que "não houve guerra e os judeus não foram aniquilados por Hitler ser doente, mas porque a maioria dos alemães apoiou as suas decisões."
Evans concluía que "gostamos de pensar que alguém que cometeu tamanhas monstruosidades e tais crimes deve ser louco. Mas são outras e mais profundas as questões colocadas quando admitimos que ele não era louco."
A figura tão laboriosamente construída, o símbolo audio-visual tão facilmente identificável de Hitler, desapareceu. Em vez dele temos hoje inúmeros pequenos Hitlers, que tão pouco são loucos, mas cuja ideologia fede igualmente a irracionalidade. Hitlerzinhos inconspícuos, instalados no poder pela Democracia, como outrora o foi Hitler, com uma diferença: ao contrário do que aconteceu com o ditador do bigodinho e dos gestos ridículos, vão ter enorme dificuldade em destruir o mecanismo que os conduziu ao poder. Só esse mecanismo poderá incendiar o seu Reichtag. Hitlerzinhos suportados por uma propaganda que faria roerem-se de inveja os especialistas do Terceiro Reich, cerzida num subtil sistema de dependências que a todos parece condicionar e a todos ameaça destruir o futuro, seu e dos seus filhos. Mas que, para uma triste maioria, destes e dos seus filhos, parece não ser ainda motivo suficiente para renegar o apoio canino. 
A que bocas terá, entretanto, ido parar o ouro, o dos gregos e o nosso? 

2016/05/02

Sem família

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A "crise dos refugiados" tem um lado que terá escapado à atenção de muitas pessoas. Escapou à minha certamente.
Há um grupo, em particular, que chega à Europa em número surpreendentemente elevado, constituído por crianças que viajam sem família. Pare por um momento e pense: crianças, sozinhas.
O assunto não é de hoje, mas parece-me importante trazê-lo aqui porque, se o número inicial de refugiados já era assustador e a percentagem de crianças era elevada, passados cinco anos, esse número continua, segundo informação recente, a crescer de forma dramática. Também o número de crianças sozinhas aumenta, naturalmente.
Um relatório da UNICEF fala no caso especial da Síria. Serão, desde o início da crise, 2,4 milhões de crianças refugiadas. À Alemanha teriam chegado, no ano passado, mais de mil crianças sem familiares. No final do ano passado teriam chegado já cerca de 17 000. À Suécia chegavam semanalmente cerca de 700 crianças desacompanhadas, por semana. Muitas destas crianças são vítimas dos traficantes, são conduzidas para a prostituição, todas deixaram a escola, todas são vítimas da desestruturação das suas famílias. Muito poucas terão um futuro "normal".
Imagine o leitor que decidia emigrar. Imagine que o fazia para procurar melhores condições económicas. Imagine a carga emocional que esse simples facto — em si, e, apesar de tudo, ditado por um motivo positivo — traria para a sua família.
Imagine agora que o fazia por viver num cenário de guerra. Imagine que o fazia levando consigo os seus filhos. Imagine que a guerra o separava da sua família. Imagine agora os seus filhos a fugirem sozinhos para um destino desconhecido. Talvez à sua procura. Apenas com a garantia de que não ver ter, jamais, um futuro "normal".
Mais um problema a somar ao das crianças sem documentos, nascidas de pais refugiados, consideradas, portanto, apátridas.
Se calhar, a imagem que acompanha este post (cujo autor não consegui identificar e a quem peço antecipadamente desculpa pelo eventual uso abusivo da imagem) parecer-lhe-á oportunista, porventura lamecha, quiçá mesmo demagógica.
Números da Unicef, apenas referentes ao ano passado, indicavam que entre os requerentes de asilo nas Europa, 214 000 eram crianças. Um em cada quatro não tinha família.
O Homem quer chegar a Alfa Centauro em menos de 50 anos. Para já, no ano de 2016, é assim. Sem fim à vista...