2017/06/13

Morreu o Alípio

O CÍRCULO FECHOU-SE *
(Com um abraço grande para o grande Alípio)

Pediram-me um texto para o Alípio.
Não que seja difícil escrevê-lo. A dificuldade reside em escrever algo que não tenha sido ainda escrito. Por outras palavras, se já tudo foi dito, que poderei eu dizer de novo?
Recuo no tempo e "procuro" nas minhas memórias o dia em que o "conheci".
Se bem me lembro, teria sido em Janeiro de 1976, ano em que José Afonso foi à Holanda cantar, a convite do Festival Contracultura, uma manifestação organizada por diversos movimentos ligados às artes performativas.
Nesse dia, José Afonso, acompanhado pelo inseparável Fanhais, subiu ao palco e, entre diversas canções, dedicou uma a alguém que, à época, ainda se encontrava preso no Brasil. Chamava-se Alípio de Freitas, era português e estava preso por lutar contra a ditadura militar que governava aquele país.
Alguns meses depois, quando passava férias em Portugal, saiu o álbum "Com as minhas tamanquinhas", que me apressei a comprar. Lá estava a mesma canção que o Zeca tinha interpretado em Utrecht. Por alguma razão, que não sei explicar (estas coisas são sempre subjectivas) sempre foi uma das minhas preferidas do álbum e aquela que escutava mais vezes. Lembro-me também de algumas conversas com o Zeca, em posteriores visitas do cantor à Holanda, sobre esta personagem que, lá longe, continuava preso e de quem só ouvia falar através da canção.
Anos mais tarde, tornei-me assinante do semanário "O Jornal", que passei a receber pelo correio. Lembro-me, agora muito bem, das crónicas brasileiras do Alípio, entretanto homem livre e que, à época, era correspondente do jornal.
Passariam muitos anos (mais de uma década) até me convidarem para uma função em Portugal, no CIDAC, onde permaneceria dez meses. Foi aí que encontrei o Alípio de "carne e osso", que era visita frequente do Centro de Documentação. Foram meses de são convívio, entre almoços e jornadas de Educação para o Desenvolvimento, a "especialidade" da casa.
Em 1996, voltei definitivamente a Portugal e reiniciei a minha colaboração com a Associação José Afonso, onde viria a reencontrar o Alípio. Primeiro, em encontros informais; mais tarde, nos corpos sociais da Associação, da qual o Alípio foi presidente entre 2006 e 2009. Muitas foram as conversas, daqueles anos, no percurso entre Lisboa e Setúbal, onde a AJA tem a sua sede. Penso ter sido nessas viagens quinzenais que nos conhecemos melhor.
Entretanto, a AJA fortaleceu-se e alargou a sua influência a outras regiões do país.
Com a criação do núcleo de Lisboa e posterior abertura de uma sede em 2012, voltaria a reencontrar o Alípio, agora frequente animador e participante activo das nossas sessões. Sempre igual ao que sempre foi. Ou seja, criando desassossego e com inquebrável vontade de lutar. E já lá vão 40 anos. Faz sentido. Porque é que havia de ser diferente?

* Este texto, foi originalmente publicado na colectânea "Alípio de Freitas - Palavras de Amigos", editado pela Pangeia (2017), por ocasião do 88º aniversário de Alípio de Freitas.
       

1 comentário:

venancio disse...

Muito obrigado pelo testemunho, caro Rui Mota.