2015/10/27

No DOC's, o documentário está vivo e recomenda-se



Bons filmes, na edição deste ano do DOC's, a montra por excelência do cinema documental internacional em Portugal.
Cinco dias e onze filmes depois, o balanço é francamente positivo, a confirmar as melhores expectativas. Depois do excelente "Bella e perduta", que inaugurou o festival, um fim-de-semana recheado de obras marcantes, entre as quais deve ser destacado o profundo e denso "Listen to me Marlon" (Stevan Riley), montado a partir de mais de 400 cassetes áudio, vídeos e DVDs, que Marlon Brando gravou ao longo de décadas. Um manancial de informações, sobre a personalidade do "maior actor da história do cinema", relatadas na primeira pessoa, onde se cruzam entrevistas, depoimentos, intimidades e excertos dos filmes "Um Eléctrico Chamado Desejo" "Julio César", "Há Lodo no Cais", "Guys and Dolls", "Mutiny on the Bounty","O Último Tango", "O Padrinho" ou "Apocalypse Now", a provar, como frisou Scorsese, que "no cinema, há um tempo antes e depois de Brando".
Interessantes, são os filmes portugueses "Portugal, um dia de cada vez"  e "Rio Corgo", respectivamente das duplas João Canijo/Anabela Moreira e Maya Kosa/Sérgio Costa, sobre o Portugal profundo (ambos os filmes foram rodados em Trás-os-Montes) que, de algum modo, podem ser completados com a trilogia "As mil e uma noites" de Gomes, actualmente em exibição no circuito comercial. Um país periférico, com pessoas magníficas, que nos remetem para uma realidade surreal, longe dos centros urbanos do litoral. Magníficas personagens, que os realizadores se limitam a acompanhar num quotidiano árduo, mas povoado de sonhos, traduzidos em imagens inesquecíveis. Bons filmes, a meio caminho entre o documentário e a ficção, num género que, a cada dia que passa, parece ganhar mais adeptos em Portugal.
Um dos documentários mais marcantes, integrado na retrospectiva "I don't Throw Bombs, I make films",  foi a longa metragem "L'Orchestre Noire" (Jean-Michel Meurice), uma reconstituição dos inquéritos, realizados ao longo de 20 anos sobre os atentados em Itália, nos fins dos anos '60, que levaram à acusação da extrema-esquerda naquele país. Uma colaboração entre serviços secretos italianos e a CIA, inspirada no golpe dos coronéis gregos de 1967. Não é fácil obter material sobre complots fascistas, documentados pelos seus próprios cérebros e executantes, mas o nível e a profundidade do inquérito jornalístico, levado a cabo neste filme, são arrepiantes. Uma lição a reter, agora que o golpe de estado institucional parece estar na moda na Grécia e em Portugal.     
Outra retrospectiva, merecedora de atenção, é dedicada a Zelimir Zilnik (Sérvia), do qual é exibida a obra integral. Desconhecido entre nós, Zilnik é autor de mais de 50 fimes, entre curtas e longas metragens documentais e ficção. A filmar desde os anos '60 do século passado, o realizador, nascido na ex-Yugoslávia de Tito é, provavelmente, o maior documentarista vivo dos Balcãs. Vimos, até agora, 4 dos seus filmes: uma curta metragem a preto e branco sobre folclore local, um filme de ficção-científica sobre o "socialismo" Titista e dois filmes de uma trilogia, cuja personagem principal é Kenedi Hasan, um cigano bósnio expulso da Alemanha que procura integrar-se e ajudar outros ex-emigrantes nos subúrbios de Belgrado. Docu-dramas, filmados com as vísceras, a roçar o "cinema verité" dos anos sessenta e setenta, quando o cinema era maior que a vida. O realizador está em Lisboa a acompanhar o ciclo e apresenta todos os filmes. Um personagem, Zilnik.
Perdido, entre dezenas de títulos, uma pequena preciosidade, "A Tragédia de um Homem Ridículo" de Bernardo Bertolluci. Datado de 1981, o filme relata o rapto do filho de um ex-partizan, industrial de queijo, com o fim de obter dinheiro para fins terroristas. Excelentes actuações de Tonazzi, Aimée e Morante, filmado na região de Parma, num colorido deslumbrante.
O Festival ainda vai a meio e o melhor está para vir...  

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