2020/10/22

Baile de Máscaras


"Paira um espectro sobre a Europa" e, desta vez, não é o Comunismo, anunciado por Karl Marx e Friedrich Engels, na famosa primeira frase do "Manifesto", publicado em 1847. 

Quando, no início deste ano, fomos alertados para o aparecimento de um vírus na China e, posteriormente, na Europa (Itália), a maior parte de nós imaginou uma "coisa" só possível de acontecer noutros países e, no limite, que seria passageira... Uns comprimidos anti-virais e distanciamento social q.b. para afastar o "bicho" e não teríamos nada a temer. 

Como sabemos hoje, a realidade rapidamente ultrapassou a ficção e bastaram poucas semanas para que a maioria dos países (na Europa e não só) adoptasse medidas restritivas de circulação dos seus cidadãos. Uns chamaram-lhe "estado de emergência", outros "estado de calamidade", outros "intelligent lock-down", outros "imunidade de rebanho" e outros, ainda, optaram por ignorar a pandemia, comparando-a a uma "gripezinha"...

Também já nessa altura (inícios de Março) a China e os países asiáticos circundantes, os primeiros a serem atingidos pelo vírus, alertaram para o perigo do alastramento da pandemia a outros continentes e para uma 2ª vaga de  contaminações, que poderia surgir no Inverno e iria ser bem mais mortífera do que a primeira. Isto, enquanto não for descoberta a "milagrosa" vacina - que não curará ninguém, como é óbvio, mas contribuirá para aumentar a imunidade e, dessa forma, diminuir os contágios. 

Pois bem: a vacina ainda não existe, o Inverno está à porta e a 2ª vaga do Coronavírus já começou. 

Estamos a 22 de Outubro e o "site" da "Worldmeter" (OMS) registra 41 652 322 infectados (1 138 678 mortes) em todo o Mundo. Metade destes números diz respeito a 3 países apenas: EUA, Índia e Brasil. 

Seguem-se países europeus, como a Rússia (1 463 306 infectados/25 242 mortes), Espanha (1 046 641/ 34 366) e, mais atrás, países médios como a Holanda (262 405/6919) ou a Bélgica (253 386/10 539). Portugal está, nesta lista, em 43º lugar, com 109 541 infectados e 2245 mortes, respectivamente.      

Entretanto, a OMS já veio alertar para uma provável duplicação destes números, daqui até ao fim do Inverno, ou seja, após um ano de epidemia global. 

Que fazer? Este é o dilema da maioria dos países democráticos onde grassa uma epidemia sem paralelo (a última grande epidemia - a gripe espanhola - data do século passado) confrontados com a difícil equação entre "confinamento" e "circulação", já que a "economia não pode parar". 

Portugal atingiu, hoje, um recorde absoluto de infectados num só dia (3270), mais do dobro desde o mês de Abril, no "pico" da 1ª vaga. Estes números fizeram soar as "campainhas de alarme" do governo e a adopção de novas medidas sanitárias, ainda que a palavra "confinamento" continue a ser evitada. Desde logo, impondo um "cordão sanitário" a 3 freguesias do Norte, onde se verificou um novo surto e, depois, a proibição de circulação, entre todos os concelhos do país, no período compreendido entre 30/10 e 3/11 próximos. Uma medida extrema, que não acontecia desde a última Páscoa.

Segue-se, amanhã, uma discussão na AR sobre outras medidas urgentes a tomar, que incluem uma proposta do PSD (obrigatoriedade de máscara na via pública) a qual terá uma aceitação pacífica. Menos aceitável, foi a proposta de um "app" obrigatório, por sugestão do primeiro-ministro, liminarmente rejeitada por todos os partidos e pela opinião pública em geral. Compreende-se a preocupação de Costa: limitar danos económicos e sociais (na 1ª vaga perderam-se mais de 100 000 postos de trabalho), mas "apps" obrigatórios, só na China, que é uma ditadura e o "controlo digital" é aceite e está institucionalizado. 

Enquanto isto, continua a discussão do Orçamento de Estado que, à partida, será "chumbado" por toda a oposição de direita, mas está longe de ser aceite pelos partidos de esquerda. Estes exigem mais meios para a saúde, para apoios sociais e para investimentos públicos. Caso votem contra (o que não é expectável) o governo poderia cair e haveria eleições antecipadas em 2021. Até lá, o país poderia ser governado em "duodécimos", um modelo que ninguém deseja em tempo de pandemia. Para já, continuam as conversações e o "esticar da corda", entre o governo e o BE e o PCP, mas ninguém  acredita que este Orçamento de Estado não passe. Em ultima análise, a abstenção dos partidos de esquerda permitirá  a aprovação do OE e a sua discussão na especialidade. Em S. Bento, o baile de máscaras, continua.

2020/10/20

Bienal de Sevilha: Flamenco em tempos de pandemia (2)

 


Andrés Marín (Sevilha, 1969) é hoje um dos "bailaores" mais singulares do chamado flamenco experimental. Juntamente com Israel Galván, que tivemos o privilégio de ver na Bienal de 2018, Marín é um "bailaor" que não teme a inovação, ciente de que esta é a única forma de continuar a tradição. Nem todos os ortodoxos apreciarão o seu estilo, mas os amantes das coreografias ousadas esgotam os seus espectáculos e a crítica não poupa nos elogios. Imperdível, o espectáculo de Marín, que apresentava em estreia o seu último projecto, intitulado "A Vigília Perfeita".   

Lá fomos, pois, para um dos últimos espectáculos desta Bienal atípica, que teve lugar ao longo de seis semanas em salas e anfiteatros ao ar livre. Só era permitida a entrada depois da nossa temperatura ser medida por diligentes arrumadoras, que não poupavam no álcool-gel, nem nas recomendações habituais: máscara na cara durante todo o espectáculo e distância social de 2 metros, no mínimo. As cadeiras (de plástico), estavam agrupadas aos pares, o que facilitava a conversa, mas o frio cortante que fazia na Cartuja (local mítico da Expo Mundial de 1992) não animava a noite, que se previa longa.

"La Vígilia Perfecta", uma maratona de baile, foi dançada entre as 6h. da madrugada e as 9h. da noite e decorreu no Centro Andaluz de Arte Contemporânea (La Antigua Cartuja Santa Maria de las Cuevas de Sevilla) que, no passado, acolheu monges e hoje acolhe obras de arte. Desde as seis da manhã, foram encenados e dançados a solo, pequenos quadros de 8 a 10 minutos, representando as diferentes liturgias da ordem religiosa que por ali passou. Estes pequenos "sets" não tiveram a presença do público que, no entanto, podia segui-los "online". À noite, já com público presente, o "bailaor", acompanhado de 4 instrumentistas e um "cantaor", dançaria todos os quadros cronologicamente, num espectáculo que durou cerca de 75 minutos. 

Que dizer de um dos mais brilhantes dançarinos flamencos da actualidade e de um espectáculo, a todos os títulos, brilhante? Uma epifania, a confirmar tudo o que lemos e ouvimos sobre Andrés Marín, aqui excelentemente acompanhado por Alfonso Padilla (saxofone alto), Daniel Suárez (percussão) Curro Escalante (marimbas e percussão), Francisco López (sonoridades) e Cristian de Moret (cantaor) que estiveram à altura do "mestre". Um espectáculo hipnótico, recriado junto das antigas chaminés do Convento, desta vez envoltas em nevoeiro cénico, ao som do "taconear" e dos movimentos geométricos de Marín, um príncipe da dança actual. 

Ao fechar do pano, uma notícia da última hora, que só poderá encher de alegria os "aficionados" da Arte "Jonda". No decorrer do mês de Outubro, abrirá as suas portas o "Museu Camarón de La Isla" (S. Fernando de Cádiz), uma das grandes figuras do "cante" de todos os tempos. O Museu, que não substituirá a "Casa de Camarón" (esta pode continuar a ser visitada), é um investimento de vários milhões de euros, que sairão de Fundos Europeus, da Junta de Andaluzia e do "ayuntamiento" de S. Fernando, sua cidade natal. Finalmente, o nome maior da renovação do Cante Flamenco, irá ter a "casa" que merece. A Andaluzia, está de parabéns. Mais um lugar de visita obrigatória. Lá iremos.