2021/03/18

Eleições na Holanda: Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes

Como previsto, os holandeses votaram na estabilidade. Esta é a principal conclusão a extrair do resultado das eleições de ontem, que deram (mais uma vez) a vitória ao maior partido governamental VVD (Liberais de Direita) e aos seus parceiros governamentais da última legislatura, D'66 (Liberais Progressistas), CDA (Democratas-Cristãos) e CU (Cristãos Reformadores). Ou seja, cerca de 50% da votação total, correspondentes a 78 lugares no parlamento (150 lugares). 

Em linhas gerais, podemos concluir que a Direita Democrática e Conservadora, ganhou, aumentando globalmente a sua votação; que a Esquerda, na sua totalidade, perdeu; e que a Extrema-Direita, racista, xenófoba, e negacionista, apesar de uma ligeira subida, ficará afastada do poder.   

Estes resultados estão em linha com as sondagens dos últimos dias, ainda que o governo cessante se tenha demitido há dois meses, devido a um escândalo de subsídios sociais, indevidamente retirados a milhares de famílias, a maioria das quais com apelidos estrangeiros. Quando foi revelado o relatório sobre este escândalo, o governo Rutte (VVD) assumiu a responsabilidade na gestão do episódio, salvando desta forma a "honra do convento" e,  provavelmente, um resultado menos positivo nestas eleições. 

Esta foi, de resto, uma campanha morna, com debates medíocres, como aquele entre o primeiro-ministro cessante Rutte (VVD) e o líder do principal partido da oposição Geert Wilders (PVV), um xenófobo racista, cujo programa se resume à proibição do Islão e à expulsão de imigrantes muçulmanos. Num período, em que os cidadãos do país estão mais preocupados com a actual pandemia e com o programa de vacinação, trazer para o debate eleitoral questões etnico-culturais, só por mera chicana política. Isso mesmo, parece ter percebido o eleitorado, que apostou na continuidade e numa certa segurança que lhe oferecem os políticos do "mainstream". 

Um dos temas que esteve ausente dos debates, foi a Europa, assim como a estratégia europeia para controlar a pandemia (vacinação) e a saída da crise económica e social que se seguirá. A Holanda que, juntamente com os chamados "países frugais" (Finlândia, Austria e Suécia), é um dos países que mais ferozmente se opôs à mutualização da dívida pública dos estados-membros - forma de entreajuda encontrada para ajudar os países mais atingidos pela crise sanitária (Itália, Espanha, etc.) - acabaria por concordar com o "fundo de ajuda" proposto por Von der Leyen (750.000 milhões de euros) ainda que este montante esteja sujeito à aprovação dos respectivos parlamentos e ao escrutínio posterior da sua aplicação em cada país. A proposta, já aprovada na generalidade, está também sujeita à aprovação final do parlamento europeu.   

Outra das questões que continuam a dominar a opinião pública holandesa, são as medidas de confinamento impostas ("recolher obrigatório" a partir das 22h, por exemplo) um "unicum", num país que não conhecia tal medida, desde a ocupação nazi durante a última guerra. Esse foi, de resto, um dos tópicos centrais da campanha eleitoral do FvD, um jovem partido, de extrema-direita populista, criado à imagem do seu líder (Baudet) e dos seus seguidores "anti-sistema" (!?), na linha do negacionismo Trumpista e Bolsonarista de outras latitudes. 

A esquerda na sua totalidade (PvdA, SP e Groenlinks) não conseguiu mais do que 16% dos votos, correspondendo a 26 deputados, provavelmente a maior surpresa destas eleições, após os bons resultados obtidos recentemente pelo Groenlinks (Verdes). Já o PvdA, um dos partidos históricos da democracia holandesa (fundador do estado social) continua longe dos resultados obtidos nas décadas de setenta, oitenta e noventa, quando os trabalhistas governaram no país. 

Confrontado com as perguntas dos jornalistas e os números da sua vitória (abaixo do previsto), o primeiro-ministro cessante (Rutte) concordou com algumas críticas sobre as políticas seguidas (aumento de impostos, cortes no sector social e na saúde) e prometeu maior empenho num futuro gabinete, que liderará pela 4ª vez consecutiva, a mais longa presidência da história holandesa do pós-guerra.

Hoje mesmo, começaram as conversações entre os dois partidos da coligação mais votados (VVD e D'66) com vista à formação de um novo governo. Como é tradição, um processo que pode durar meses.

Resultados Eleitorais (principais partidos com assento parlamentar): 

VVD (Liberais de Direita)          22,1% (35 deputados)

D'66 (Liberais Progressistas)      14,8% (23 deputados)

PVV (Extrema-Direita)               10,9% (17 deputados)

CDA (Democratas-Cristãos)         9,8%  (15 deputados)

PvdA (Sociais-Democratas)          6,%    (9 deputados)

SP (Extrema-Esquerda)                 6%     (9 deputados

FvD (Populistas de Direita)           3,8%  (8 deputados)

GroenLinks (Verdes)                      3,5% (8 deputados) 

PvdD (Partido para os Animais)    3,2% (6 deputados)

CU (Cristãos Reformadores)          3%    (5 deputados)                               

Nota: Estes são os partidos com maior representação parlamentar. O futuro parlamento holandês, saído destas eleições, passará a incorporar 17 partidos no total. A totalidade dos deputados é de 150. Para obter uma maioria qualificada, são necessários 76 deputados.

2021/03/14

Em Brasília, a Terra é "plana"...

Desde 2019 que o Brasil é governado por um fascista. Não é a primeira vez. A última tinha sido durante a ditadura militar, entre 1964 e 1988. De então para cá, muitos foram os presidentes que governaram o país, o maior do continente sul-americano. Todos eles, democratas, como Fernando Henrique Cardoso, Lula Inácio da Silva, Dilma Rousseff, entre outros. Dilma Rousseff (2011-2016) foi, inclusive, a primeira mulher a ser eleita presidente em toda a América do Sul. 

O Brasil era, à época, um país respeitado, não só pela sua democracia (a maior do continente), mas também pelos seus programas de inclusão social, lançados ainda durante o governo de Lula da Silva (2002-2010) e pela sua robusta economia, a 7ª maior do Mundo. Os índices sociais e económicos dessa década, eram referidos como exemplo para os países em vias de desenvolvimento (Brics). Sem admiração, o país passou a integrar o G'20 (o "forum" dos países mais desenvolvidos do Mundo) e conquistou a simpatia internacional.

As coisas começaram a "derrapar" no primeiro mandato de Dilma (2011-2014). Erros cometidos com o modelo de desenvolvimento social e económico seguido (o PIB chegou a ter uma contracção de 9% e o desemprego a atingir 11% da população activa), num contexto de crise financeira mundial (sub-prime) e de despesas acrescidas (provocadas pela organização do Campeonato do Mundo de Futebol 2014 e pelos Jogos Olímpicos 2016), contribuiriam para a queda de popularidade do seu governo. 

Seria, no entanto, no segundo mandato de Dilma (2014-2016) que a situação se extremou. O anúncio de um aumento nas tarifas de transportes (enquanto o país gastava fortunas em eventos desportivos) para além da acusação de má gestão (a alegada "pedalada fiscal"), levariam os seus detractores (maioritariamente brancos da classe média) a pedir a impugnação do cargo (impeachment), moção que seria levada a votação no Congresso a 17 de Abril de 2016.

O que se passou nesse dia, está ainda na memória de todos os que puderam presenciar em directo a mais bizarra e degradante sessão vista num parlamento. Uma sessão, que pode ser considerada um "case study" em demagogia e manipulação nos parlamentos democráticos, tal a ignorância e virulência demonstradas pelos seus participantes: de deputados evangélicos histéricos a "maçons" desbragados, passando por militares saudosistas da ditadura e corruptos de diversa plumagem, todos eles representantes das forças mais retógradas do país, houve de tudo um pouco. Foi nessa histórica (e histérica) sessão que vi, pela primeira vez, Jair Bolsonaro, um obscuro deputado e ex-militar na reserva, conhecido pelas suas simpatias com a ditadura militar. A sua declaração de voto, em que elogiou o maior torcionário do regime militar, o coronel Carlos Ustra, o responsável máximo pelas torturas infligidas a Dilma Rousseff, revelaram ao Mundo o seu lado mais pulha. O resto, é História. Dilma acabaria por ser demitida (em Agosto de 2016) para ser substituída por um personagem cinzento, o vice-presidente Temer, o "mordomo", que se limitou a marcar presença, sem que hoje em dia alguém se lembre de um acto seu. 

Com a prisão de Lula, acusado num processo polémico, montado pelo juíz Moro para o afastar das eleições de 2018, o caminho para a eleição de Bolsonaro, o candidato da direita, ficou mais livre. Ganharia as eleições com 55% dos votos, apoiado pelas forças mais conservadoras e reaccionárias do Brasil: os evangélicos, os ruralistas e os militares. 

Como era previsível, a coisa só podia correr mal. Bolsonaro, para além de fascista, é um calhau, sem qualquer educação ou preparação para o cargo. As suas "boutades" são de antologia e já fazem parte do anedotário nacional. É difícil escolher um só defeito: é autoritário, racista, machista, misógino, homofóbico e negacionista. Nega as alterações climáticas e autoriza a devastação da mata amazónica, o que lhe tem valido criticas de toda a comunidade internacional. Discrimina os índios, hoje cada vez mais confinados em reservas, onde são sujeitos a "queimadas" provocadas por fazendeiros, criadores de gado e de plantações de soja. É adepto do porte de arma, invocando a defesa pessoal dos cidadãos contra a criminalidade existente, que só tem aumentado desde que chegou ao poder. Diz combater a corrupção (a sua maior acusação contra Lula) mas levou toda a família para o governo e dois dos seus filhos já foram acusados de peculato e de participação em crimes, como a da activista Marielle, no Rio de Janeiro.

O modo como "gere" a actual crise pandémica, é a maior prova da sua imbecilidade. Começou por negar o perigo do vírus, apelidando-o de "gripezinha" e "resfriado", coisas sem importância. Passou meses sem usar máscara ou distanciamento social, apelidando de "maricas", quem mostrava medo de ser contaminado. Devido às suas políticas negacionistas, o país entrou em crise sanitária profunda e, nalgumas regiões (Manaus), as populações não recebem suficiente oxigénio e morrem por asfixia. Hoje, o Brasil, é o 2º país com maiores índices de contágio e mortes a nível mundial, só ultrapassado pelos EUA, respectivamente: 11.439.250 / 9,52% e 30.055.349 / 25,01%. O número de mortes, ultrapassou esta semana pela primeira vez 2.000 casos, num dia apenas! Uma catástrofe sem procedentes, só possível num país governado por um louco. Está em curso um verdadeiro genocídio no Brasil, denunciado pelas organizações de saúde internacionais. Entretanto, criticado à esquerda e à direita, Bolsonaro, tem-se refugiado no seu ministro de saúde, o militar Pazuello, outro ignorante como ele. Provavelmente, este virá a ser substituído, já que o "mito" necessita de ganhar as eleições em 2022 e precisa de um "bode expiatório" para justificar as suas políticas de extermínio. Perante a desobediência de alguns governadores estaduais (S. Paulo, por exemplo) que decretaram planos de confinamento para evitar mais contágios, o fascista ameaça com tanques e exército nas ruas, como forma de obrigar os governadores a obedecerem. Pior, é impossível.

Como afirmou, esta semana, o ex-presidente Lula, entretanto ilibado das acusações de Moro num processo ilegal, a Terra não é plana. Nunca foi. A Terra é redonda!