2017/03/25

Dijsselbloem (et pour cause...)


Comemoram-se, hoje, 60 anos do Tratado de Roma, que daria origem ao Mercado Comum Europeu, posteriormente apelidado de União Europeia.
Um projecto idealizado pelos franceses Jean Monnet (Economista) e Robert Schuman (Ministro), apoiado pelo chanceler alemão Adenauer, considerados os "pais fundadores" da actual Europa.
Com todos os seus avanços e recuos, o projecto europeu - criado no pós-guerra, para evitar futuros conflitos no continente - teve desde logo um mérito: o de conseguir manter a paz durante sessenta anos. Outros avanços significativos foram, entretanto, conquistados, bastando lembrar a abolição de fronteiras entre os estados, a livre circulação dos cidadãos, a criação de uma moeda única (o Euro), para além do "estado social" mais desenvolvido e protector de todo o Mundo Ocidental.
É este modelo que, nos últimos anos, vem sendo posto em causa, não só por muitas das forças partidárias que representam os estados-membros da União, como por uma grande parte das populações, as quais não se revêem em muitas das políticas e burocracia das diversas instituições (Comissão, Conselho, Parlamento) que constituem a União Europeia.
As críticas têm, muitas delas, fundamento e sessenta anos passados sobre o "sonho" de uma Europa unida, são visíveis as "fendas" verificadas no edifício da UE, com o aparecimento de movimentos e partidos que, mais do que a união e a solidariedade, procuram a divisão e o regresso ao estado-nação que esteve na origem dos dois maiores conflitos do século passado na Europa.
O caso mais recente e paradigmático, deste sentimento anti-europeu, foi o "Brexit" (do qual as "ondas de choque" estão longe de ter terminado), ainda que outros países do Reino  (Escócia e Irlanda do Norte) possam seguir o caminho inverso. Já a França (de Le Pen), advoga a saída da Europa, enquanto a Hungria e Polónia, defendem modelos autoritários de sociedade em tudo contrárias ao espírito da Europa democrática. No meio, um bloco nórdico, que perfilha o modelo alemão e um bloco mediterrânico, onde se ensaiam novos modelos fora do jugo monetarista germânico.
Paralelamente (et pour cause) novos problemas internacionais, trouxeram para a Europa outros desafios (crise da banca internacional, guerras no Médio-Oriente, refugiados e terrorismo) que agravaram as condições e a percepção das populações, sobre a necessidade de mudar o paradigma actual, única forma de ultrapassar o impasse existente reconhecido pela maior parte dos seus intervenientes. Basicamente, parecem existir dois modelos: o de continuar como se nada se passasse (esperar para ver) com a esperança que tudo se resolva; e o de "não há alternativa", segundo o qual os países devem seguir mecanicamente os Tratados, mesmo quando a realidade desmente os modelos aplicados.
Estão, neste segundo grupo, os países do chamado núcleo alemão (Alemanha, Austria, Finlândia e Holanda) que estiveram na origem da criação da "moeda única", cuja paridade, sendo igual no valor facial, é desigual nas economias reais. Ou seja, o valor facial do Euro, não corresponde ao valor real das economias que adoptaram a moeda única.
Esta desigualdade foi-se acentuando ao longo dos anos, entre economias que exportam os seus produtos de valor acrescentado (os países nórdicos) por preços valorizados; e as economias que produzem "commodities" de baixo-valor (países do Sul) com os consequentes desequilibrios das respectivas balanças comerciais. Esta desigualdade, que poderia ser resolvida através de um Banco Europeu, caso este pudesse "emprestar" directamente dinheiro a estados em vez de bancos, não acontece na União Europeia actual (pois esta não é uma Federação de Estados, como os EUA ou a Russia). Da mesma forma, teria de existir um sistema fiscal comum, que não permitisse a existência de "offshores" legais, como na Irlanda, na Holanda ou no Luxemburgo, onde são praticadas taxas de juros abaixo da média europeia e para onde são deslocados os lucros das multinacionais que, dessa forma, fogem aos impostos, penalizando as economias nacionais. É o caso da Holanda, onde 19 das maiores 20 empresas portuguesas cotadas em bolsa, têm as suas sedes fiscais.
Tudo isto é sabido pela Alemanha (o principal beneficiário desta desigualdade), assim como pelos países credores (França, Holanda, Finlândia, etc.) que possuem excesso de liquidez e preferem emprestar a juros acima da média, mesmo sabendo que nunca receberão as totalidades das dívidas soberanas (que vão sendo renegociadas) e continuam a acumular lucros chorudos, através dos juros pornográficos exigidos.
Ora o senhor Dijsselbloem, que sendo parvo não é burro (coisas diferentes), veio esta semana lembrar os "países dos Sul" (curioso epíteto) que devem pagar as dívidas, em vez de "beber copos e andar com mulheres" (!?). Um "lapso freudiano", certamente, que nem sequer é original, pois o primeiro-ministro holandês (Rutte) tinha dito precisamente o mesmo numa cimeira europeia o ano passado, como bem nos lembrou hoje um conhecido canal televisivo. Ou seja, determinados políticos europeus, já nem sequer disfarçam, mas dizem as maiores alarvidades, esquecendo-se que a Europa idealizada faz hoje sessenta anos (quando a maior parte deles não tinha sequer nascido) teve, nos seus primórdios, estadistas com a grandeza suficiente para idealizarem um projecto onde os países e as pessoas eram o mais importante. Um projecto comum, numa casa comum, onde a solidariedade fosse o factor determinante. Aparentemente, nesta Era de monetarismo neoliberal, a economia passou a ser mais importante que as pessoas. Daí, a situação actual, onde a austeridade tem sido comum à maior parte dos países da União, confrontados com uma crise que é, ela própria, resultado do modelo da globalização desregulada. Acontece que a História não terminou e as pessoas têm memória, como se viu nas recentes eleições holandesas, onde os partidos da coligação governamental, da qual fazem parte os liberais de Rutte e os sociais-democratas de Dijsselbloem, foram penalizados com uma derrota sem precedentes (37 lugares perdidos no total!). Razão: cortes no valor de 135 mil milhões de euros nos últimos seis anos de governação, que afectaram principalmente os sectores da saúde, o apoio a idosos, a educação e o emprego jovem (50% dos holandeses entre os 20 e 30 anos não conseguem arranjar emprego, ou têm empregos temporários), para além da cultura (mil milhões de cortes em 5 anos). É verdade, que a economia holandesa apresenta resultados satisfatórios, quando comparada com a de outros países da União: 2,3% de crescimento económico, pouco desemprego (5%) e mais casas vendidas. Mas, estes, são números macro, que não reflectem as expectativas da população, que viu o seu poder de compra diminuir de 87% para 72% nos últimos trinta anos, contrariamente ao lucro das empresas e multinacionais, cujos lucros duplicaram e passaram a ser investidos em países de mão-de-obra barata ou depositados em "offshores" um pouco por todo o Mundo. Ou seja, as desigualdades, dentro da sociedade holandesa, aumentaram, como de resto na maior parte dos países e dentro da União, hoje cada vez mais uma Europa a "duas velocidades".
No entanto, os comentários xenófobos e racistas de Dijssebloem, não têm apenas a ver com "vinho e mulheres do Sul". Devem também ser vistos à luz da sua perda de influência no governo holandês, donde está de saída e da necessidade da aprovação do seu verdadeiro patrão (o ministro alemão Schauble) de cuja opinião necessita para continuar presidente do Eurogrupo. Por alguma razão, as suas polémicas opiniões foram dadas a um jornal alemão. Representam a mesma arrogância ariana, que, no passado, quis dividir os povos em "superiores" e "inferiores" e uma ideologia (neoliberal) que não suporta a ideia da existência de governos, que ousem ensaiar um modelo diferente da cartilha imposta pelo "diktat" de Berlim. Um triste, o Jeroen.