2010/12/11

Aplauso para César!

A iniciativa de Carlos César pareceu-me desde o início um iceberg com uma pequena ponta apenas visível, que ameaçava causar inevitáveis estragos em diversas frentes. As opiniões começaram por apontar para os estragos que causaria no próprio César, homem politicamente ambicioso, Carlos César iria ser a primeira vítima da sua iniciativa. O coro de críticas (onde sobressai um PR entalado) apontava o demérito, o carácter demagógico e populista ou o aparente desrespeito pelos princípios da República.
Olhando para o cacos que se começavam lentamente a juntar e para a reacção extremamente nervosa de gente que considero, inequivocamente, inimiga do povo português, pensei para com os meus botões que haveria certamente algo mais a dizer sobre tudo isto. Algo mais do que as primeiras impressões que se vão  ouvindo.
Hoje o Público traz uma análise de São José Almeida, sob o título "A alternativa de César", que aconselho todos vivamente a ler e que, na minha opinião, resume esta ideia de que a iniciativa de Carlos César é virtuosa, ao contrário da crítica feita por uns de forma quiçá apressada, ou, por outros, à esquerda e à direita, já conscientes do estrago que ela causou e das consequências sérias que vai ter no futuro político do País.
"Afinal, há alternativa e Carlos César provou-o. O presidente do Governo Regional dos Açores mostrou como é possível encontrar soluções para a crise económica que não passam exclusivamente pelo sacrifício das pessoas e do seu nível de vida. Como é possível encontrar saídas sem que isso ponha em causa os pressupostos políticos e ideológicos que devem mover a esquerda. Como é possível fazer um Orçamento mais parco sem pôr em causa princípios ético-políticos que devem mover os partidos socialistas, nomeadamente o princípio de que primeiro está o bem-estar das pessoas e o respeito pela dignidade humana."
Não posso estar mais de acordo com o que São José Almeida escreveu. Acrescentaria talvez apenas três  pequenas notas.
Em primeiro lugar, para sublinhar a ideia de que se o OE2011 é mau, não pelas razões apontadas pela generalidade dos seus críticos, mas porque revela ter sido feito em cima do joelho, para acudir a problemas conjunturais. Havia e há alternativas possíveis à leviandade. "Trata-se de uma questão de opções e prioridades," como sublinhou Carlos César a propósito da iniciativa açoreana. Está provado! 
Em segundo lugar, o PSD que apoiou este OE por dever patriótico e que colhe por isso dividendos políticos, na prática, mais não fez do que dar luz verde a um instrumento leviano e mal feito. Ao deixar passar o OE o PSD revelou que, nas mesmas condições, faria exactamente as mesmas opções levianas, que este governo fez. O PSD (para quem imagina que poderia ser alternativa política a este PS) aprendeu na mesma cartilha e dele não se poderia esperar uma política diferente. Tem de pagar a factura política! 
Como nota de rodapé, vai um aplauso para a reacção de Carlos César à crítica de Alberto João Jardim. É digno de registo ouvi-lo dizer, com todas as letras, que o presidente do Governo Regional da Madeira "não tem vergonha nenhuma!" É que não tem mesmo, mas ninguém lhe diz. Talvez Jardim venha a ter de meter a viola no saco mais cedo do que pensa...

2010/12/08

Estado (a)Social

Só cadáveres eram quatro. Descobertos num "lar" da terceira idade, onde a mensalidade podia chegar aos 700 euros. Uma ninharia, para uma senhoria que, mais do que o alvará, prezava o "amor" com que tratava as suas utentes. O facto de terem morrido quatro pessoas ao mesmo tempo deve-se, certamente, a uma coincidência e às avançadas idades das falecidas. Todos nós temos de "partir" um dia, declarou a afável senhora à comunicação social.
De acordo com o mais alto "responsável" (gosto desta designação) da Segurança Social, o "lar" já estava identificado pelos serviços há três meses por não cumprir as exigências impostas por lei. Na altura foi pedido à dona do "lar" para encerrá-lo. De livre vontade. De livre vontade? Devem estar a gozar connosco.
Quando oiço falar esta gente "responsável" fico sempre mais descansado. O que seria se eles fossem irresponsáveis?...

2010/12/07

A mulher de César

Júlio César proferiu a célebre frase "à mulher de César não basta ser honesta, é preciso parecer honesta." A diplomacia (e não só!) tem vivido sempre à sombra deste princípio. É a área da actividade humana onde os vestígios da barbárie mais se manifestam e é uma área onde a democracia nunca entrou. Com mais ou menos punhos de renda, em ambientes mais ou menos perfumados, mais à direita ou mais à esquerda, a diplomacia é um antro de cínicos, amorais. E são todos assim, como lembrava alguém ontem, muito candidamente, num programa da CNN sobre o tema do Wikileaks: do Vaticano à China, dos EUA à Venezuela.
Muitos dos que criticam a revelação dos "telegramas" americanos referem, como que a querer encerrar o argumento, que a única "vítima" destas revelações é a diplomacia norte-americana. Não foram revelados segredos dos Chineses ou dos Norte-Coreanos. Se assim fosse ainda vá lá...
É divertidíssimo ouvir estes defensores da institucionalização do cinismo e da mentira como ferramenta política. Até um surpreendentemente reaccionário e míope Miguel Sousa Tavares enveredou por esta via, ao criticar um artigo certeiro do Rui Tavares de ontem no Público sobre esta matéria.
Ora, a verdade é que o que está em causa neste caso não é, sobretudo, a bondade dos meios usados pelas diplomacias dos vários países, mas sim a sua utilização por quem prega moral a toda a hora e se arma em campeão da defesa da virtude mundial. Os EUA são as principais vítimas de todas estas revelações (veremos se assim é...)? Pois é bem feita, porque deveriam ser um exemplo. E, ao contrário do que disse o tirano Romano, à mulher de César não deve bastar parecer ser honesta. É preciso ser mesmo honesta! É este o problema. À "comunidade internacional" também não basta parecer honesta, é necessário que seja honesta. Só isso torna a "comunidade internacional" uma entidade legítima.
O que as revelações do Wikileaks parecem vir demonstrar —independentemente da própria bondade dos seus intentos...— é que os EUA parecem honestos, mas não são. Não estão sozinhos, claro, mas como querem muito parecer o que não são, ficaram com a careca também muito mais à mostra. O grito que se ouve nestas revelações é pela transparência e pela honestidade num sector que tresanda a opacidade e trafulhice. Não seria o facto de revelar telegramas da Coreia do Norte ou do Irão que tornaria as revelações da Wikileaks mais ou menos legítima. Estes países não são exemplos de virtude.
A conclusão é simples: a democracia, a transparência e a ética têm de chegar à diplomacia e às relações entre estados. Tem de chegar ao fim o tempo da diplomacia feita de sociedades secretas, em autogestão e em formato tablóide.

Preocupados a valer

Aparentemente, os bancos e as autoridades ficaram preocupados com a sugestão feita pelo ex-futebolista Eric Cantona. Muitos a discutem, mas poucos falam das razões que levaram Cantona a fazer este apelo. Diz ele, já agora lembremo-lo aqui também: "Creio que não nos podemos sentir verdadeiramente felizes ao ver tanta miséria que nos rodeia."
Em vez das óbvias fragilidades da sugestão do Cantona, sublinhadas por uns, e dos anátemas sobre ele lançados por outros, era, sei lá, giro que se discutisse a pergunta substantiva que o ex-jogador fez e o levou a pronunciar-se sobre esta questão. Sei lá, é uma sugestão...
Podemos, de facto, ser verdadeiramente felizes com tanta miséria à nossa volta? Responda quem souber.
Os bancos estão preocupados? É pouco para quem faz de preocupar os outros o seu negócio. Falta ainda ficarem, eles, verdadeiramente preocupados.