2020/02/10

O Vírus Fascista

Uma nova epidemia alastra pelo Mundo: o coronavírus.
De acordo com o mais recente balanço, teriam morrido 909 pessoas, a maior parte delas na China, o país onde o vírus foi detectado. O número de infectados ultrapassou os 40.235 e há casos confirmados em países europeus, como a Alemanha, Finlândia, Suécia, Bélgica, França, Reino Unido, Itália, Espanha e Portugal. Uma pandemia, apesar dos cuidados tomados pelas autoridades chinesas que, numa primeira fase, tentaram silenciar o médico Li Wengliang (a primeira pessoa a alertar as autoridades para existência deste vírus) que também acabaria por morrer, vítima de contaminação. Ontem mesmo, surgiu a informação sobre outro cidadão chinês, que divulgou notícias sobre a forma de actuação das autoridades em Wuhan (cidade onde teve origem o surto) que, entretanto, se encontra desaparecido. O advogado Chen Qiushi, conhecido por fazer denúncias de questões sociais, nas redes sociais, terá sido colocado em "quarentena forçada". Um vídeo, sobre o isolamento forçado de Chen Qiushi, tornou-se viral na Weibo, uma rede social chinesa, com muitos utilizadores a pedirem ao governo que liberte o advogado. Não está fácil a vida na China onde, para além da epidemia provocada pelo coronavírus, o estado totalitário não permite aos cidadãos a informação a que têm direito. Um clássico.
Tão ou mais grave que o coronavírus, é a ideologia fascista, que os populistas de todas as matizes procuram disseminar, umas vezes subtilmente, outras à descarada. É o caso do Brasil, um verdadeiro "case study" nesta matéria, onde os atropelos aos direitos humanos há muito ultrapassaram todos os limites.
Disso mesmo, dão conta mais de 2000 artistas, intelectuais e cientistas, que publicaram um baixo-assinado nos principais jornais de referência internacional, apelando à condenação do regime e à solidariedade com o povo brasileiro. Entre os nomes conhecidos estão Sting, Noam Chomsky, Willem Dafoe, Caetano Veloso, Chico Buarque, Philip Glass, Sebastião Salgado, Saori Tukado, Paulo Coelho, Petra Costa, Boaventura Sousa Santos, Valter Hugo Mãe, Jean Wyllys, Pilar del Rio, Mia Couto, Maria Gadu, José Luís Peixoto, Maria de Medeiros, Helder Costa, João Pina Cabral, etc...
Resumimos algumas das passagens do baixo-assinado:
"As instituições democráticas do Brasil, estão sob um ataque, desde que a administração de Jair Bolsonaro, ajudado pelos seus aliados da extrema-direita, tem sistematicamente minado as instituições culturais, científicas e educacionais  do país, além de toda a imprensa adversa.
Inicialmente, membros do ex-partido político de Bolsonaro (PSL), lançaram uma campanha para encorajar os jovens estudantes a filmarem os seus professores e a denunciarem a "indoctrinação ideológica". Esta campanha, conhecida como "escola sem partido", criou um sentimento de intimidação e medo nas instituições do país, que saíu há pouco mais de 30 anos de uma ditadura militar.
No mês passado, Bolsonaro sugeriu que o estado deveria censurar livros do programa escolar e substitui-los por textos que defendessem valores conservadores. No ano passado, enquanto a Amazónia ardia sem controlo, a administração retaliou contra cientistas que ousaram apresentar provas das queimadas e da deflorestação, provocadas pelos madeireiros. Foi o caso de Ricardo Gabão, ex-director do INPE (Instituto Nacional de Investigação do Território), demitido após ter divulgado dados obtidos por satélite, que comprovavam a deflorestação acelerada da Amazónia.
Também no ano passado, a administração despediu o director de "marketing" do Banco do Brasil, Delano Valentim, por este ter lançado uma campanha de promoção da diversidade e de inclusão.
O governo também é hostil aos "média". No dia 21 de Janeiro deste ano, o Ministério Público Federal abriu uma investigação sem provas, contra o jornalista Glenn Greenwald e seus colaboradores, por alegada conspiração e espionagem de telemóveis das autoridades brasileiras. A acusação - um claro ataque à liberdade de imprensa - foi uma resposta à série de factos comprovados por Greenwald e publicadas pela agência Intercept, sobre a corrupção existente nos círculos próximos do presidente, entre os quais os membros da sua família.
Este, não foi um caso isolado.  Os representantes do governo, desde os tribunais regionais à polícia militar, encarregaram-se de defender Bolsonaro e impedir a imprensa livre. Só em 2019, foram relatados 208 ataques aos "média" e jornalistas no Brasil.
No dia 16 de Janeiro passado, Bolsonaro e o secretário-especial para a Cultura, Roberto Alvim, apresentaram em conjunto um filme sobre os seus planos ideológicos para o país, onde elogiavam a deriva conservadora e censória da cultura. No dia seguinte, Alvim, foi ainda mais longe: durante um vídeo-fragmento, onde anunciava um novo prémio para as Artes, fez alusões aos princípios nazis e utilizou frases do célebre propagandista nazi Joseph Goebbels. Posteriormente, devido à celeuma provocada no país e a nível internacional, Alvim seria demitido. No entanto, o ministro de Bolsonaro, foi apenas o seu mensageiro.
Instituições públicas, que representam a herança cultural brasileira, como o Conselho Superior do Cinema, Ancine, O Fundo do Audiovisual, a Biblioteca Nacional, O Instituto da Herança Histórica e Artística, a Fundação Palomares para a Cultura Negra, foram igualmente censuradas, tendo sofrido cortes nos apoios estatais e outras formas de pressão política.
Petra Costa, realizadora do filme "No Fio da Democracia", este ano nomeada para os óscares, foi criticada num "tweet" da secretaria de comunicação do governo por, alegadamente, ter mostrado uma face menos "simpática" da governação Bolsonaro.    
O governo de Bolsonaro, continua a trabalhar para fazer regredir importantes conquistas das últimas décadas: entre 2003 e 2017, a proporção de estudantes negros que entrou para a universidade aumentou em 51%. Bolsonaro quer diminuir esta percentagem.
Os ataques às minorias étnicas e à comunidade LGBTQ, continuam a aumentar, enquanto são ignoradas a violência e a criminalidade das milícias para-militares de extrema-direita.
Este é um governo que não tem um plano de desenvolvimento para o seu povo.
Pelo contrário, o governo combate qualquer sinal de progresso, nega o aquecimento global, os incêndios na Amazónia, a deflorestação e a diminuição do "habitat" dos povos índios, confinados a cada vez menos território. Uma das suas últimas directrizes, foi a de enviar missionários para ensinar religião às tribos índias.
A lista de livros, que devem ser retirados do programa escolar, inclui 43 obras, das quais 19 de autores brasileiros, entre os quais Rubem Fonseca, Ferreira Gullem (prémios Camões), Machado de Assis, Carlos Heitor Sony, Nelson Rodrigues, Mário de Andrade, Euclides da Cunha, mas também Kafka, Edgar Alan Poe, entre muitos outros. Chico Buarque de Holanda (prémio Camões 2019) a quem Bolsonaro recusa entregar o prémio, virá recebê-lo a Portugal no dia 25 de Abril.
Esta lista, que deve constar do "index" escolar, é da autoria de Marcos Rocha, secretário de educação da Randónia, um ex-coronel da polícia militar, filiado no PSL, onde militou Bolsonaro. Perante a divulgação da lista, o documento foi retirado e considerado sigiloso pelo governo, ainda que não tivesse sido desmentido".
Faltaria ainda referir as ridículas afirmações da ministra de educação que considerou "o sexo fora do casamento, uma coisa de esquerda", ou as campanhas nacionais de "aconselhamento sexual", para pessoas acima dos 16 anos...
Da mesma forma que o vírus, a demência parece ter afectado os brasileiros. Mas, Bolsonaro, não está isolado. A apoiá-lo, estão 55 milhões de votantes, que não devem ser desvalorizados. Como escreveu um famoso escritor:
"Deve valorizar-se a opinião dos estúpidos: são a maioria". Lev Tolstoi (1828-1920)