2015/12/31

Filmes que valem a pena



E pronto, terminou mais um ano. O do calendário e o das efemérides. Também o ano dos acontecimentos, para lembrar e para esquecer. Para esquecer, já basta assim. Para lembrar, entre outras coisas boas, ficam os filmes, o sonho possível, que a realidade não se deixa sonhar.
Comparado com o ano anterior, 2015 não foi um ano de grande safra. Entre as dezenas de filmes vistos, alguns ficaram na retina que é, como quem diz, na memória. Eis os meus favoritos, ordenados cronologicamente, sem qualquer ordem de preferência:

  1. PASOLINI de Abel Ferrara (2014)
  2. LEVIATÃ de Andrey Zvyagintsev (2014)
  3. O ÚLTIMO DOS INJUSTOS de Claude Lanzmann (2013)
  4. BIRDMAN de Alejandro G. Jñárritu (2014)
  5. O OLHAR DO SILÊNCIO de Joshua Oppenheimer (2014)
  6. REGRESSO A CASA de Zhang Yimou (2014)
  7. AS MIL E UMA NOITES de Miguel Gomes (2015)
  8. LISTEN TO ME MARLON de Stevan Riley  (2015)
  9. RIO CORGO de Maya Kosa e Sérgio Costa (2015)
10. MINHA MÃE de Nanni Moretti (2015)  

Para além dos filmes estreados, de assinalar as retrospectivas e os ciclos dedicados a Roberto Rosselini, Ingrid Bergman, Jacques Tati e  Krzysztof Kieslowsky, como os mais marcantes, num ano em que a Medeia e a Midas, uma vez mais, deram a ver bom cinema em Portugal.
2015 seria também o ano do desaparecimento de dois dos mais marcantes realizadores portugueses, Manoel de Oliveira e José Fonseca e Costa. O cinema português ficou mais pobre.
Resta desejar um bom ano - e melhores filmes - em 2016!


2015/12/30

Casa Júlia

"Os agressores, raramente são psicopatas. Não é esse o padrão mais comum. São, normalmente, homens criados em meios sociais de baixa educação, onde o papel da mulher continua a ser de submissão. Estamos a falar de uma questão cultural, ainda que a violência doméstica possa ter lugar em todos os estratos sociais, dos mais pobres e destruturados aos mais ricos e educados. Uma herança de uma sociedade patriarcal e machista, como é a sociedade  portuguesa". As palavras são da representante da UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta)  no dia em que a comunicação social anunciava mais uma vítima de violência doméstica: a 29º em 2015. De acordo com o relatório anual da mesma organização, entre 1 de Janeiro e 20 de Novembro, 33 mulheres foram vítimas de tentativa de homicídio. Em 2014, 35 mulheres foram assassinadas por ex-maridos, companheiros ou namorados. Outras sete mulheres foram assassinadas por outros familiares.
Uma verdadeira chaga social e civilizacional, que nos devia envergonhar a todos.
Para combatê-la, foram criados programas, organizações e pontos de apoio (casas abrigo), onde podem ser denunciadas (e protegidas) as vítimas deste verdadeiro flagelo nacional.
Uma delas, é a "Casa Júlia", situada numa esquadra policial de Lisboa, baptizada com o nome de uma dessas mulheres, morta na mesma rua.
Os contactos escritos, para informações ou denúncias, podem ser feitos através do endereço de mail: <casajulia.lisboa@psp.pt> ou, telefonicamente, através dos números: 214161147 e 214161148.
Denunciar a violência doméstica é um dever moral e cívico em qualquer sociedade.               

2015/12/29

Urgente

A Jovem e a Morte, de Marianne Stokes

É urgente remodelar as urgências dos hospitais, que não funcionam, quando mais urgentes são os seus serviços. A recente morte do jovem de Santarém, por falta de assistência atempada no tratamento de um AVC, veio despoletar uma discussão velha de anos, agora divulgada pelo relato dos familiares, sem o qual não teríamos sabido a existência de mais quatro casos semelhantes. Ontem mesmo, um novo caso, agora no hospital de Faro, provocou a sexta morte (!?) por falta de assistência a uma vítima de AVC nas urgências, o que excede toda e qualquer tolerância para este tipo de procedimentos.
Invocam-se os cortes verificados na saúde, devido à austeridade financeira a que Portugal está sujeito, como explicação para a falta de médicos nos fins-de-semana. É certamente uma explicação contabilística, que não resolve o problema de saúde dos cidadãos, que têm direito constitucional (SNS) a serem tratados, independentemente de terem posses financeiras, ou não. Em última análise, se os hospitais públicos não estão apetrechados para determinado tipo de intervenções (as operações de doentes, que sofreram um AVC, implicam uma equipa de cirurgiões especializados), devem existir escalas nos principais hospitais nacionais (privados inclusive) que permitam, de forma rotativa e satisfatória, operar doentes em risco de vida iminente. A filosofia só pode ser uma: salvar a vida primeiro e exigir o pagamento depois.
Por outro lado, e não sejamos ingénuos, as lacunas do incensado Serviço Nacional de Saúde, já vêm de longe e não começaram com a chegada da Troika a Portugal. O desmantelamento progressivo de apoios intermediários e unidades hospitalares no interior do país, é uma tendência da última década e iniciou-se com as aberrantes decisões do ministro de saúde de então (Correia de Campos), cujo afã para encerrar serviços, obrigou dezenas de portuguesas irem ter os filhos a clínicas espanholas. Alguém imagina uma cidadã espanhola vir a Portugal ter os seus filhos, por falta de apoios no seu país?
Eu próprio, fui testemunha da falta de meios humanos em diversos hospitais da periferia de Lisboa, nomeadamente durante a noite e nos fins-de-semana. No Hospital Amadora-Sintra, por exemplo. Por alguma razão, as urgências nesse hospital registaram, no ano passado, tempos de espera de 17 e mais horas (!?), o que pode revelar-se fatal, como é o caso de um AVC, com sequelas para a vida.
Não basta, por isso, pedir a demissão, como fizeram os principais responsáveis pela saúde da região de Lisboa. Por muito nobre que o gesto pareça, a causa desta inoperância é estrutural e tem de ser assumida pelos governantes em gestão. O sistema existente não funciona, os meios humanos são reduzidos, os médicos queixam-se de não serem chamados aos fins-de-semana por falta de verbas e os doentes têm de esperar mais de 48horas, antes de serem atendidos. Para seis desses pacientes, a espera foi fatal. E é isto que não pode acontecer. Nunca mais.
Esperemos que o partido do novo governo, responsável pela criação do Serviço Nacional de Saúde, motivo de orgulho de todos nós, saiba extrair as lições desta catástrofe. É urgente tratar das urgências.

2015/12/23

Salvam-se os bancos, pagam os contribuintes

Menos de um mês após a instalação do governo PS (com apoio dos partidos à sua esquerda) surge a primeira divisão entre os partidos da coligação governamental. Na origem, a urgência de votar um Orçamento Rectificativo, necessário para justificar o dinheiro investido no banco Banif. Nada que deva espantar, conhecidos que eram os contornos da falência anunciada deste banco, com maioria de capitais do estado, gerido por privados. Os repetidos alertas e pedidos de intervenção (8!) junto das autoridades europeias de supervisão, não chegaram para encontrar uma solução atempada que previa a integração do Banif na Caixa Geral de Depósitos e, dessa forma, evitar uma falência, aparentemente, desnecessária. Agora é tarde e, para evitar males maiores, o governo PS decidiu vender o Banif ao banco Santander, que apresentou a melhor proposta (150 milhões). Salvam-se os depositantes, os aforradores e (para já) os funcionários do banco falido, mas pagam os contribuintes, que verão os seus impostos aumentados em mais de 3 mil milhões de euros (375 por português). Um mal menor, nas palavras do ministro de finanças...
Percebem-se melhor, agora, as reservas de António Costa durante as conversações com Passos Coelho, após as eleições de Outubro. Nessa altura, as conversações foram interrompidas por falta de transparência nas contas públicas. Aparentemente, o governo cessante teria omitido o "buraco" do Banif, para não comprometer o défice de 3% prometido a Bruxelas.
Sabemos agora que, nem o banco podia ser salvo, nem o défice de 3% será atingido.
Perante tal situação e obrigado a apresentar um Orçamento Provisório a Bruxelas, antes do fim-do-ano, o governo optou por fechar este dossier, com um mínimo de perdas. A decisão, que pode ser justificada pelas obrigações nacionais (depositantes, aforradores, credores e funcionários) e pelas obrigações internacionais (apresentação de um Orçamento na Europa), não pode agradar ao partido do governo e, ainda menos, aos partidos de esquerda que o apoiam.
A votação, esta tarde, reflectiu isso mesmo: o PS só podia votar a favor de um Orçamento Rectificativo, que apenas passou devido aos votos de abstenção do PSD. Coerentemente, o PCP, os Verdes e o Bloco de Esquerda, votaram contra.
Esperemos, que a lição, tenha sido apreendida de vez. Urge, agora, rectificar os procedimentos de supervisão e controlo do sistema bancário português, cuja crise estrutural e sistémica já levou à falência de 4 bancos (BPN, BPP, BES e BANIF) nos últimos 7 anos.
Nada justifica que continue a faltar dinheiro para as pessoas, enquanto há dinheiro para salvar os bancos.  

2015/11/25

Com a morte na alma...

O Presidente da República indicou António Costa como primeiro-ministro. Não indigitou, mas indicou. Este, como lhe competia, no mesmo dia (!), entregou-lhe a lista dos ministros escolhidos. Cavaco, não parece convencido. Terá com Costa mais uma conversa.
Falta alguma coisa?
Não sabemos. Com este Presidente, o "delay" é uma constante. Há quem pense que o homem é incompetente. Outros, que ele estará doente. Há quem ache ser apenas uma vingança mesquinha, por não suportar dar posse a um governo de esquerda, ainda por cima apoiado pelo Partido Comunista e pelo Bloco de Esquerda. Tudo é possível.
Pessoalmente, penso que a falta de sentido de estado e de valores democratas, são os grandes defeitos deste presidente. Sempre pensei, de resto. Não é surpresa nenhuma. Esta "mise en-scene" era escusada e, só se compreende, vinda do mentor de uma política reaccionária e autoritária de anos, que não se importa de adiar o país, desde que a sua vontade prevaleça. Triste fim para uma carreira política que sempre se pautou pela mediocridade e pelo conservadorismo mais pacóvio.
Dito isto, a culpa não foi só dele. Foi de quem o apoiou e em quem ele sempre se apoiou, a começar pelos amigos, pelo partido a que pertence e pelos agentes económicos e financeiros deste país. As clientelas. Também dos seus votantes. Não foi ele eleito quatro vezes, sempre com maioria absoluta? Vinte anos da vida política do país, metade dos quarenta que leva esta democracia. Então?
Aparentemente, terminou um ciclo na vida política portuguesa. Um mau ciclo. Pior do que os últimos quatro anos, será difícil. "Avec la mort dans l'âme" (como diria Sartre), Cavaco vai ter de empossar Costa e o executivo por este indicado.
As tarefas, que esperam o novo governo, são enormes. Desde logo, internamente, quando todos sabemos que a economia não cresce o suficiente para pagar as despesas e a dívida pública continua a aumentar. Depois, externamente, quando sabemos que os "mercados" e os credores, serão agentes activos na destabilização deste governo de pendor socializante.
Resta a composição governamental, onde os "pesos pesados" e as "surpresas" se misturam, naquilo que pode ser considerado um governo de "experiência e juventude", sempre uma escolha pessoal do primeiro-ministro. Pesem algumas surpresas (cultura, defesa, educação, justiça...) o governo parece equilibrado. Pessoalmente, gostaria de ver todos os partidos, que assinaram este acordo,  representados no governo. Daria mais consistência ao executivo e responsabilizaria os seus co-autores. Não foi possível. Aparentemente, as diferenças são maiores que as convergências. É pena. Foi o que se pôde arranjar.
Resta desejar os melhores votos à governação que agora se inicia. Estaremos cá para apoiar e criticar, sempre que isso o justifique.     

2015/11/24

Algo é algo...

Portugal tem um novo primeiro-ministro.
Depois de mais de cinquenta dias de audições, já não era sem tempo.
Algo é algo.

2015/11/17

Da Hipocrisia

Foto Mint Press News


Sigo, como a maior parte das pessoas, as notícias sobre os atentados de Paris que, ao minuto, passam nos principais canais televisivos. As análises dos "experts" (poucos) e dos tudólogos (muitos) sucedem-se em catadupa. Passada a estupefacção e revolta iniciais, tentamos compreender as razões deste acto de terror gratuito, mais um, entre muitos, que se sucedem em todo o Mundo: Nova-York, Bali, Istambul, Madrid, Londres, Bombaim, Paris, Nigéria, Beirute, Bruxelas...
Aparentemente, todos estes actos, seguem um padrão semelhante, há muito tipificado pelos  estudiosos da matéria: puro terror, praticado por fundamentalistas psicopatas, sem qualquer objectivo relevante, que não seja provocar o medo e a insegurança. Através desta estratégia demente, crêem os seus autores poder destabilizar as sociedades democráticas, onde vivem e trabalham a maior parte das comunidades muçulmanas, esperando dessa forma um aumento da repressão por parte das autoridades desses países e a consequente revolta dessas mesmas comunidades, estigmatizadas devido aos actos dos fundamentalistas islâmicos. Porque, estes, não receiam a morte (praticam a auto-imolação), tornam-se mais perigosos e, por consequência, mais imprevisíveis. No fundo, é esse o verdadeiro terror, o medo do desconhecido. Relata-me uma amiga, a viver em Paris, que ontem, no metro, o silêncio era sepulcral. Os passageiros pareciam em estado de choque, olhando-se desconfiados e temerosos do que não podem controlar. Se esse for o estado de alma dos parisienses (e de outros cidadãos do Mundo) no futuro, podemos dizer que o terror ganhou. Voltarão os apelos aos líderes fortes e ao reforço das medidas autoritárias, sempre sugestivos em tempos de incerteza e insegurança, como aqueles que vivemos.
Perante tal cenário, não posso deixar de congratular-me com as medidas anunciadas pelo presidente Hollande, com a "pompa e a circunstância" que Versailles exige. Como deixar de aplaudir? Também os bombardeamentos executados pelos bombardeiros franceses na Síria, contra o quartel-geral do ISIS, me parece de louvar. Nem podia ser de outro modo. No meio de toda esta retórica, uma dúvida sistemática me assalta: mas, então, foi preciso um atentado destas proporções, para a França "descobrir" onde estava o "comando" do Estado Islâmico e bombardeá-lo? Porque não o fizeram antes? Porque esperaram para fazê-lo, agora que todos os argumentos jogavam a seu favor e a maior parte dos países europeus não hesitariam em apoiá-los?
Recordo os atentados contra o "Charlie-Hebdo", nesta mesma Paris, em Janeiro deste ano e a manifestação de líderes políticos de todo o Mundo, que marcharam de braço dado contra a barbárie. Muitos deles, ainda no poder, dirigem governos que continuam a vender armas a grupos terroristas que matam os cidadãos dos seus próprios países. A começar pela França que, ao apoiar os grupos "rebeldes" que combatem o regime de Assad, "alimenta" indirectamente grupos como o ISIS, responsável pelos atentados de Paris. Da mesma forma que a França, também os EUA, a China, a Russia, a  Inglaterra e a  Alemanha, vendem armas às ditaduras árabes (que apoiam os grupos terroristas) em troca de petróleo.
Sobre a hipocrisia destes políticos, e da política que praticam, estamos conversados.  

2015/11/09

Acabou a Tradição

Há dias assim...
Uma pessoa acorda, meio estremunhada, com um telefonema de parabéns, para descobrir que tem mais um ano. Nada de especial, não fora esta data, para além do primeiro dia do resto da nossa vida, ser também o primeiro dia do que resta do actual governo português. Dois em um, portanto.
Porque estas coisas andam todas ligadas, justifica-se a comemoração, a qual irá decorrer ao longo desta jornada: parlamentar, primeiro; lúdica, mais tarde.
Enquanto, na Assembleia, tudo parece decorrer de acordo com a "mise-en-scene" própria do momento, lembram-me os "mercados" que a Bolsa de Lisboa caíu hoje 3%, vá lá saber-se porquê...
Porque a História não se repete, vamos poder assistir a dois dias de apresentação do programa governamental, com o mais que provável "chumbo" por parte da oposição, agora maioritária no hemiciclo. Em si, um momento normal num regime parlamentar, que só espantará quem não está habituado a estas coisas da democracia.
Assim não parecem entender alguns "velhos do Restelo", acantonados, como sempre, num discurso tradicional e bafiento, a lembrar regimes de má memória, como aquele de que nos livrámos há quarenta anos. 
Não sabemos - ninguém sabe - que futuro terá um governo diferente. Especulações à parte, avaliar desde já (positiva ou negativamente) um ciclo, que se deseja novo, será sempre um exercício necessário, mas falho de experimentação, a qual terá de ser avaliada diariamente. É este o grande desafio, porventura o maior, neste difícil período da vida portuguesa.
Nada está ganho à partida e seria naíve pensar que tudo mudará, pela simples razão que outro poderá ser o governo. Mais importante do que os governos, são os regimes que os sustentam e nada prova que  o actual regime não esteja para durar. Logo, a margem de manobra será sempre curta. Desde já, em Portugal e, não menos importante, no espaço europeu no qual estamos inseridos. É nesta dualidade que o governo do futuro terá de actuar. Da sua capacidade e coesão interna, dependerá grandemente o seu sucesso governamental.
Lembramos: no passado dia 4 de Outubro, a maioria dos eleitores votou, inequivocamente, contra o modelo de austeridade levado a cabo nos últimos quatro anos. É tempo de mudar de políticas. Essa foi a mensagem e é com base neste pressuposto que os quatro partidos da esquerda parlamentar acordaram um programa de governo alternativo. Se, como se espera, o programa do governo actual, amanhã for chumbado, é altura de dar posse a um governo que, mais do que de alternância, seja essencialmente alternativo. Até porque, a tradição já não é o que era.    

2015/11/08

Tautau

"Caíram as máscaras" é uma das frases mais fortes que li nestes últimos tempos, passo interessante neste processo de extinção do regime instituído pelo golpe de 25 de novembro. Passos Coelho, o epítome do mascarado, vai ficar, em curta nota de rodapé da História, como o homem que colocou o ponto final neste período.
Aparentemente surpreendidos, mas claramente embaraçados, num primeiro tempo até nos mais experimentados dos mascarados se notou um indisfarçável esgar de pânico. 
Momentaneamente recompostos, os mascarados tentam agora apanhar e recolocar as máscaras caídas. Mas é aqui que surge a surpresa.
Comentadores, actuais e ex-governantes, moços de recado e jornalistas de turno tentam, em desespero e enquanto mostram finalmente o rosto, recolocar a máscara tombada.
Ouvimos coisas espantosas, ditas com enorme convicção, como esta, por exemplo, de que a coligação de esquerda, vá-se lá saber por que desígnio perverso, se fez para se apoderar do poder ou esta outra supreendente premonição, lançada em registo grave a lembrar um shaman em estado de transe, de que o governo que vai emanar do acordo de esquerda vai governar para as eleições. 
Ou seja, os mascarados tentam agora colocar as máscaras... nos seus adversários. São eles, eram eles, sempre foram eles, afinal, os mascarados! 
Obrigado por estes momentos de stand up comedy, obrigado por esta tentativa de amenizar e de dar um ar "normal" a tudo isto. 
Mas não se livram do tautau...

2015/11/02

DOC's (parte 3)



Terminou mais uma edição do DOC's, o melhor festival português de cinema documental, com o anúncio e entrega dos respectivos prémios. Nas categorias Portuguesa, Internacional e Favorito do Público, destaque para "Rio Corgo" (longa-metragem portuguesa) da dupla Maya Kosa e Sérgio Costa (já aqui referenciado); "Il Solengo", da dupla italiana Rigo de Righi e Matteo Zoppis e "Phil Mendrix" de Paulo Abreu. Outros filmes (duplamente) premiados, foram "Dead Slow Ahead" de Mauro Herce (Espanha) e "Talvez Deserto, Talvez Universo" de Karen Akerman e Miguel Seabra Vasconcelos.
Dos títulos acima referidos, vimos "Phil Mendrix", um biopic sobre o legendário Filipe Mendes, guitarrista actual dos "Ena Pá 2000!" e dos "Irmãos Catita", que passou pelos históricos "Chinchilas" e "Roxigénio", dos anos sessenta e setenta. Após uma estadia no Brasil, onde residiu durante a década de '80, Filipe regressou a Portugal, para reiniciar uma carreira única, agora "rebaptizado" de Phil Mendrix, em homenagem ao ícone Jimi Hendrix. Excelente documentário, tanto do ponto de vista técnico (som e imagem) como musical, recheado de episódios humorísticos, dignos desta personagem única no meio musical português.
"Talvez Deserto, Talvez Universo", relata o quotidiano de um grupo de doentes mentais, numa ala do Hospital Júlio de Matos, utilizando o método da observação-participativa, onde a descrição e o respeito, pelos personagens filmados, são notáveis. Óptima fotografia e enquadramentos, num preto e branco enevoado, a sublinhar a ténue fronteira entre loucura e normalidade.
Dos ciclos temáticos, "I don't throw bombs, I make films" (da famosa citação de Fassbinder), apresentava uma das melhores selecções desta Mostra.  Destaque para "El Proceso de Burgos" (Imanol Uribe), um extenso e bem documentado filme, sobre o célebre processo contra 9 membros da ETA, acusados da morte do Comissário da Brigada Político-Social de Guipúzcoa (País Basco) em 1968. Pesem os inúmeros pormenores do julgamento, contados por todos os implicados, o documentário peca pela extensão e repetição de detalhes, numa sucessão de "talking-heads", algo monótona. Bem mais interessante, seria a trilogia "Afsan's Long Day" (The Young Man was...) de Naeem Mohaiemen, uma reflexão sobre os anos tumultuosos do Bengla-Desh pós-1971, em contraponto com o chamado "Outono Alemão" e as espectaculares acções da "Armada Vermelha" japonesa, quando o terrorismo internacional era transversal a diversas zonas do globo.
No mesmo ciclo, destaque para dois filmes italianos, o excelente "Colpire al Cuore" (Gianni Amelio) sobre um jovem em crise, desconfiado das relações do pai com uma amiga acusada de terrorismo; e a curta-metragem "Hipóteses sobre a morte de G. Pinelli" (Elio Petri), onde são encenadas 3 versões da morte do anarquista Pinelli, acusado do atentado da Piazza Fontana (Dezembro de 1969) e que, segundo a versão policial, teria saltado da janela da esquadra, o que lhe provocou a morte. O caso, que se tornou emblemático, denuncia as práticas da polícia italiana e é igualmente relatado num dos melhores filmes deste ciclo, "A Orquestra Negra", sobre o "complot fascista" organizado com o apoio da CIA na Itália dos anos sessenta.
Ainda sobre a mesma problemática, dois filmes alemães históricos: o primeiro, "Deutschland im Herbst" (com Rainer Werner Fassbinder, Bernhard Sinkel, Edgar Reiz, Volker Schlondorff e Wolf Biermann e.o.), sobre os dias que se seguiram ao assassinato, em 1977,  de Hanns-Martin Schleyer, às mãos do grupo Baader-Meinhof. Imagens que correram Mundo, desde o enterro do presidente da confederação dos patrões alemães, até à prisão dos terroristas e ao posterior anúncio da sua morte (alegadamente por suicídio) na prisão de Stammheim. O filme, que termina com imagens do funeral dos três terroristas, encontrados mortos nas suas celas, tenta articular e explicar um sentido para esta estratégia de luta, que caracterizou a extrema-esquerda europeia nos anos setenta; o segundo, "Die Bleierne Zeit" (Margarethe von Trotta), é uma encenação da relação das irmãs Meinhof (Marianne e Julianne) personalidades antagónicas, que permanecem unidas até ao trágico desenlance na prisão de Stammheim, após o qual, Julianne (jornalista), toma conta do filho da irmã e inicia uma investigação sobre as causas da morte de Marianne. Dois clássicos a ver e rever, sobre um dos períodos mais conturbados da história europeia recente. O DOC's 15, acabou, mas os documentários continuam. 

P.S. Durante o Festival, fomos informados da morte do cineasta José Fonseca e Costa. Um desaparecimento, de algum modo anunciado, dado o estado de saúde do realizador nas últimas semanas. O cinema português perdeu uma referência e um autor de filmes marcantes, onde se destacam "O Recado", "Os Demónios de Alcácer-Quibir", "Kilas, o mau da fita", "Sem Sombra de Pecado", "Balada da Praia dos Cães", "Cinco Dias, Cinco Noites" e "A Mulher do Próximo". O cinema e, por extensão, a cultura portuguesa, estão de luto. A nossa homenagem.     


2015/10/27

No DOC's, o documentário está vivo e recomenda-se



Bons filmes, na edição deste ano do DOC's, a montra por excelência do cinema documental internacional em Portugal.
Cinco dias e onze filmes depois, o balanço é francamente positivo, a confirmar as melhores expectativas. Depois do excelente "Bella e perduta", que inaugurou o festival, um fim-de-semana recheado de obras marcantes, entre as quais deve ser destacado o profundo e denso "Listen to me Marlon" (Stevan Riley), montado a partir de mais de 400 cassetes áudio, vídeos e DVDs, que Marlon Brando gravou ao longo de décadas. Um manancial de informações, sobre a personalidade do "maior actor da história do cinema", relatadas na primeira pessoa, onde se cruzam entrevistas, depoimentos, intimidades e excertos dos filmes "Um Eléctrico Chamado Desejo" "Julio César", "Há Lodo no Cais", "Guys and Dolls", "Mutiny on the Bounty","O Último Tango", "O Padrinho" ou "Apocalypse Now", a provar, como frisou Scorsese, que "no cinema, há um tempo antes e depois de Brando".
Interessantes, são os filmes portugueses "Portugal, um dia de cada vez"  e "Rio Corgo", respectivamente das duplas João Canijo/Anabela Moreira e Maya Kosa/Sérgio Costa, sobre o Portugal profundo (ambos os filmes foram rodados em Trás-os-Montes) que, de algum modo, podem ser completados com a trilogia "As mil e uma noites" de Gomes, actualmente em exibição no circuito comercial. Um país periférico, com pessoas magníficas, que nos remetem para uma realidade surreal, longe dos centros urbanos do litoral. Magníficas personagens, que os realizadores se limitam a acompanhar num quotidiano árduo, mas povoado de sonhos, traduzidos em imagens inesquecíveis. Bons filmes, a meio caminho entre o documentário e a ficção, num género que, a cada dia que passa, parece ganhar mais adeptos em Portugal.
Um dos documentários mais marcantes, integrado na retrospectiva "I don't Throw Bombs, I make films",  foi a longa metragem "L'Orchestre Noire" (Jean-Michel Meurice), uma reconstituição dos inquéritos, realizados ao longo de 20 anos sobre os atentados em Itália, nos fins dos anos '60, que levaram à acusação da extrema-esquerda naquele país. Uma colaboração entre serviços secretos italianos e a CIA, inspirada no golpe dos coronéis gregos de 1967. Não é fácil obter material sobre complots fascistas, documentados pelos seus próprios cérebros e executantes, mas o nível e a profundidade do inquérito jornalístico, levado a cabo neste filme, são arrepiantes. Uma lição a reter, agora que o golpe de estado institucional parece estar na moda na Grécia e em Portugal.     
Outra retrospectiva, merecedora de atenção, é dedicada a Zelimir Zilnik (Sérvia), do qual é exibida a obra integral. Desconhecido entre nós, Zilnik é autor de mais de 50 fimes, entre curtas e longas metragens documentais e ficção. A filmar desde os anos '60 do século passado, o realizador, nascido na ex-Yugoslávia de Tito é, provavelmente, o maior documentarista vivo dos Balcãs. Vimos, até agora, 4 dos seus filmes: uma curta metragem a preto e branco sobre folclore local, um filme de ficção-científica sobre o "socialismo" Titista e dois filmes de uma trilogia, cuja personagem principal é Kenedi Hasan, um cigano bósnio expulso da Alemanha que procura integrar-se e ajudar outros ex-emigrantes nos subúrbios de Belgrado. Docu-dramas, filmados com as vísceras, a roçar o "cinema verité" dos anos sessenta e setenta, quando o cinema era maior que a vida. O realizador está em Lisboa a acompanhar o ciclo e apresenta todos os filmes. Um personagem, Zilnik.
Perdido, entre dezenas de títulos, uma pequena preciosidade, "A Tragédia de um Homem Ridículo" de Bernardo Bertolluci. Datado de 1981, o filme relata o rapto do filho de um ex-partizan, industrial de queijo, com o fim de obter dinheiro para fins terroristas. Excelentes actuações de Tonazzi, Aimée e Morante, filmado na região de Parma, num colorido deslumbrante.
O Festival ainda vai a meio e o melhor está para vir...  

2015/10/23

O DOC's está de volta!



Teve ontem início e durará até ao próximo dia 1 de Novembro, a 13ª edição do "DOC's", a maior e mais importante Mostra de Cinema Documental em Portugal.
Da sessão de abertura, para além dos agradecimentos habituais e das palavras (auto) elogiosas dos organizadores, registamos a exibição do excelente filme "Bella e perduta", do jovem realizador Pietro Marcello, uma bela alegoria à Itália actual, onde os factos reais se confundem com personagens e imagens oníricas, que não desdenhariam uma fábula de La Fontaine.
Grande abertura, presenciada por uma assistência maioritariamente jovem (o futuro está aí), que não poupou aplausos durante e após a sessão.
O festival está de volta, com exibições em simultâneo nas salas da Culturgest, Cinema City (Campo Pequeno), S. Jorge, Cinemateca e Cinema Ideal, com exposições e projecções multimédia no Museu de Electricidade em Belém.
Na impossibilidade de citar o programa em detalhe, destacamos os filmes da Competição Internacional e da Competição Portuguesa (a concurso) e os habituais ciclos temáticos, este ano com os nomes sugestivos de "Riscos" (da responsabilidade de Manuel Augusto Seabra); a retrospectiva dedicada ao realizador Zelimir Zilnik (presente no festival com uma "master class"); a retrospectiva "I don't throw bombs, I make films - Terrorismo, Representação"; foco "Grécia"; "Heart Beat"; "Cinema de Urgência"; "Verdes Anos" e "Doc Alliance". São dezenas de grandes e pequenos filmes, documentários e docu-dramas, onde a realidade se confunde com a ficção, a maior parte em estreia absoluta no nosso país, que reflectem e enquadram os grandes temas da actualidade.
Porque as sessões são inúmeras e o tempo é escasso, só resta adquirir o livro-programa e comprar os bilhetes para as sessões respectivas, antes que esgotem. Estão avisados. O "DOC's" está de volta e o programa deste ano é um "must". Ver aqui.       

Qual a surpresa?

Cavaco Silva fez exactamente o que se esperava, mas excedeu-se nas suas considerações. 
Fez exactamente o que se esperava, ao indigitar Passos Coelho, líder do partido ganhador das ultimas eleições para formar governo. Pode discutir-se esta opção, mas não viola o espírito da Constituição e aceita-se do ponto de vista formal (o presidente convoca, normalmente, o líder do partido mais votado, tendo em conta a leitura que faz dos resultados eleitorais).
Excedeu-se nas suas considerações, ao criticar os partidos de esquerda (com maioria parlamentar) e sugerir que não viabilizaria um governo composto por forças políticas críticas da austeridade imposta por Bruxelas.
Com estas considerações, o presidente não só deixou de ser independente em relação às forças e aos projectos políticos em discussão - favorecendo descaradamente a força partidária (PSD) a que pertence - como criou uma crise institucional desnecessária, sabendo que um governo minoritário de direita tem os dias contados e cairá à primeira moção de confiança no Parlamento.
Perante esta situação de facto, restam apenas dois cenários possíveis:
Ou o presidente convida António Costa (líder do 2º partido mais votado) para formar governo; ou mantém um governo minoritário, em gestão corrente, sem qualquer hipótese de tomar decisões e aprovar oçamentos, provocando eleições antecipadas, que nunca poderão ter lugar antes de Junho de 2016. Ou seja, o país "pára" durante 8 meses!
Um imbróglio de todo o tamanho, provocado por um presidente teimoso, ideologicamente retrógado e destituído de qualquer autoridade moral para continuar em funções. Um personagem autoritário e salazarento, que recusa em aceitar os princípios básicos de uma democracia adulta.
Qual a surpresa? 

 

Lições

Aparentemente as instituições democráticas estão a funcionar. O Povo Português pronunciou-se nas eleições, os partidos negoceiam alternativas no quadro dos resultados eleitorais, o PR atribui, em cumprimento do seu papel constitucional, a incumbência de formar governo a quem, no seu entender, melhor poderá cumprir essa função. Se o entendimento das suas funções poderia ser outro, se o comportamento do PR se afigura mais ou menos distante do que imaginamos ser um comportamento digno e correcto, se a sua decisão poderia recair noutra figura, são questões cuja discussão deve ser feita, mas que não têm qualquer relevância para o funcionamento das instituições democráticas. Estas instituições têm rostos e foram sufragadas por sucessivas eleições. 
Cabe agora à AR pronunciar-se sobre a decisão presidencial, dando continuidade aos mecanismos democráticos consagrados na Constituição. É ela a bitola. 
E assim se completa o ciclo.
As lições que interessa verdadeiramente reter no rescaldo de todo este processo são, sobretudo, duas.
Em primeiro lugar, o que esperar para a Democracia portuguesa quando observamos o comportamento inqualificável dos sectores políticos, a quem foi justamente atribuída a missão de formar governo? Ouvindo-os, somos subitamente levados numa viagem ao passado, em que os donos do poder de então não se coibiam de amesquinhar, caluniar, denegrir, violentar e até matar quem a eles se opusesse. Só falta largar os cães e os canhões de água ou reconverter as salas da Rua António Maria Cardoso ou da Rua do Heroismo novamente em locais de tortura e morte. Deveria envergonhar qualquer democrata, de esquerda ou de direita, o tipo de argumentos que foi utilizado nestes últimos dias contra uma solução de esquerda para o Parlamento. Enquanto se comemorava alegremente a data simbólica do filme Back to the Future, em Portugal foi tempo de Back to the Past. 
A Democracia anda distraída. As velhas forças obscuras estão, imagine-se, bem vivas e prontas a atacar a qualquer momento. Parecem aguardar um pretexto apenas. O que o comportamento da direita nestes últimos dias nos vem provar é que, para ela, a Democracia não é um valor. Daí a soltar os jagunços vai um passo.
Em segundo lugar, pela mesma ordem de razões, nenhum verdadeiro democrata se poderá sentir isento de culpas por termos chegado a este ponto, após mais de 40 anos de regime democrático. Há diálogos que estão a falhar ou nem sequer foram encetados, mitos que estão por desmascarar, forças poderosas que estão por aniqulilar, a esquerda esqueceu as gerações que nasceram após o 25 de abril. 
A esquerda tem uma notória incapacidade de diálogo, colabora activamente na perpetuação de mitos inventados e perpetuados pela direita, esqueceu-se tragicamente de denunciar, sem medos nem ambiguidades, os crimes do fascismo aos mais novos, de lhes ensinar o que é a Democracia, e serve-se das mesmas forças que a manipulam e condicionam, seguindo porventura a velha ideia do "se não podes vencê-los". Um caso particularmente grave, que merece destaque, é o da imprensa. 
Não há uma imprensa de esquerda em Portugal. A esquerda, agentes políticos activos e sectores de da população que a dizem seguir, estão totalmente comprometidos com uma imprensa de que são vítimas. Fazem-na e consomem-na sem pudor. Portugal é hoje uma gigantesca realidade virtual, construída com a acção diligente de uns, que a fazem, e a complacência estúpida e criminosa de outros, que a consomem.
As "máscaras caíram", como li por aí. A isso deve seguir-se uma implacável limpeza de balneário. Há gente absolutamente indigna alapada na esquerda que, é o momento, tem que ser desmascarada sem piedade. Mas, mais importante, a alternativa de esquerda tem de ser vivida sem ambiguidades e sem alienação de responsabilidades. 
É um futuro diferente aquele pelo qual devemos lutar, não um passado maquilhado. 

2015/10/15

Os dados estão lançados?



Semana e meia após as eleições e apurados que estão os votos da emigração (4 deputados) sabemos, finalmente, como vai ser constituída a nova Assembleia da República:
Coligação PàF (PSD/CDS) 107 mandatos, correspondentes a 38,4% dos votos.
Esquerda Parlamentar (PS/BE/CDU/PAN) 123 mandatos, correspondentes a 52,16% dos votos.
Ou seja, a coligação PàF ganhou as eleições por ter sido o partido mais votado, mas arrisca-se a não poder governar, a menos que o presidente da república nomeie Passos Coelho para formar um governo minoritário; enquanto a esquerda parlamentar, apesar de ter a maioria dos votos, só poderá governar, caso os partidos que a compõem cheguem a um acordo programático e sejam convidados a formar governo pelo presidente da república.
Cenários:
1) Cavaco Silva convida Passos Coelho a formar governo (minoritário), sabendo de antemão que este terá pouco tempo de vida e que, muito provavelmente, cairá na próxima legislatura, obrigando a novas eleições, a menos que os votos da ala direita do PS viabilizem o OE.
2) Cavaco convida António Costa a formar governo (maioritário), com apoio dos partidos de esquerda, mas com a vida dificultada pelas pressões internas da ala direita do PS e das pressões externas da Europa.
Em qualquer dos cenários, a decisão está nas mãos do presidente que, em fim de mandato, deixará sempre para o seu sucessor o ónus da dissolução do parlamento e a convocação de novas eleições.  Vaticínio: sabendo não ser possível um governo de "inspiração presidencial" (leia-se "bloco central")  e sendo conhecidas as suas inclinações partidárias, fácil é concluir qual vai ser a escolha de Cavaco Silva:
a) Dificilmente nomeará um governo de esquerda
b) Provavelmente indigitará Passos Coelho como 1º ministro
c) Deixará a aprovação, ou o derrube do governo, nas mãos do parlamento. Dessa forma não trairá a direita (à qual pertence) e não será obrigado a dissolver o parlamento por já não ter poderes para tal. Essa missão caberá, daqui a seis meses, ao próximo presidente da república. Por essa altura, Cavaco, de consciência tranquila, estará provavelmente a gozar a sua reforma.
Who cares?

2015/10/05

E agora, António?

À excepção do crescimento exponencial do BE, os resultados destas eleições não surpreenderam.
A coligação governamental ganhou, mas sem maioria absoluta (como era esperado).
O PS perdeu ingloriamente (sem conseguir melhorar os resultados de Seguro).
A CDU, apesar de menos votos que o BE, aumentou a percentagem, cresceu em votos e em deputados, sendo agora o 4º partido na AR (o que pode indiciar o fim da "era" Jerónimo).
A entrada do PAN na AR, sendo interessante, não altera o equílibrio de forças no Parlamento. 
Posto isto, que conclusões (necessariamente provisórias) há que retirar?
Os portugueses, descrentes da política, voltaram a abster-se em percentagem significativa (43%) e, entre um mal (conhecido) e um futuro (desconhecido), optaram pela coligação governamental, ainda que esta tenha recebido menos 700.000 votos do que nas últimas eleições.
Para esta votação, terão contribuido diversos factores, entre os quais o "fantasma" da governação Sócrates, o efeito Syriza e alguns indicadores positivos, entre os quais o regresso de Portugal aos mercados e os juros da dívida aos níveis mais baixos de sempre.  
E agora?
Cenários possíveis:
1) Cavaco, impossibilitado de convocar eleições, irá convidar a Passos Coelho (PàF) a formar governo. Este não tem maioria absoluta no parlamento e não poderá governar em minoria, a menos que a oposição se abstenha.
2) Cavaco convida o 2º partido mais votado (PS) a formar governo. Costa, debilitado pela derrota, poderá tentar convencer os partidos à sua esquerda (BE e PCP) a apoiá-lo, mas dificilmente conseguirá, dadas as exigências de ambos os partidos.
3) O impasse pode eternizar-se, o que conduzirá, inevitavelmente, à convocação de novas eleições. Estas só poderão realizar-se, após a eleição do novo presidente da república (Janeiro de 2016) e nunca antes de Março...
Tudo ficou menos claro e a crise não acabou.
Caminhamos para uma situação à "grega", já que não é expectável que Costa viabilize um novo governo PSD/CDS e, menos ainda, que consiga entendimento à sua esquerda (BE/PCP).
De todos os partidos, o PS foi aquele que sofreu maior derrota. Será no interior desse partido que iremos assistir às maiores clivagens entre as facções existentes. É tudo menos certo que António Costa se mantenha como líder por muito mais tempo, pelo que será necessário um congresso clarificador, após as eleições presidenciais. Se Marcelo concorrer e ganhar, o PS poderá mesmo "implodir" e tornar-se uma espécie de PASOK à portuguesa.
Não está fácil a vida política portuguesa, mas entre o pântano actual e a incerteza futura, venha a clarificação.    

O filme que o PS não está a ver...


2015/10/04

Apontamentos eleitorais

São 17h. e ligo a televisão na procura de informações actualizadas.
Num canal informativo, a par das notícias do dia, leio em roda-pé que, até às 16h. de hoje, teriam votado 44,38% dos recenseados (correspondente a mais de 4 milhões de portugueses). É bom, é mau? A notícia, em roda-pé, acrescenta que votaram mais 2,4% do que à mesma hora em 2011...
Apesar do mau tempo a Norte do Tejo, do caos nalgumas mesas de voto (MiraFlores, por exemplo), e dos jogos de futebol desta tarde, a vontade de participar não parece ter esmorecido entre os portugueses.
Algumas coisas, no entanto, parecem estranhas: amigos meus (emigrantes) que habitam na Holanda e estão registrados no mesmo endereço há dezenas de anos, não receberam este ano o boletim de voto. E agora?  Podem ainda votar? Como, se esta noite são já conhecidos os resultados?
E a "bagunça" (que ainda decorre neste momento) nas mesas de voto de MiraFlores, que levaram muitas pessoas a abandonarem o local? Dizem que é devido à alteração do nome e do número de novas freguesias, entretanto unificadas...mas, então, tiveram um ano para actualizar os cadernos e não conseguiram? Porquê? Na era da tecnologia, isto é assim tão difícil? Então, as Finanças não enviam avisos de cobrança a toda gente, mesmo àqueles que não têm dívidas? Se há deveres, tem de haver direitos, certo?
E esta coisa de manter os jogos de futebol, no dia de eleições? Não podiam ter antecipado os jogos todos para ontem?
Mas, agora somos todos parvos, ou quê?  

Já está...

Lá fui, antes do meio-dia e após lauto pequeno-almoço, que isto de votar de barriga vazia não é aconselhável. A Escola, situada na freguesia de Águas-Livres (ex-Buraca), parecia uma feira: pessoas a entrar e a sair, vendedores de atoalhados, roupas e chapéus de chuva. Apesar dos aguaceiros, as urnas, distribuidas por dois edifícios e mais de 30 salas, apresentavam uma boa afluência. De regresso a casa, cruzei-me com dezenas de caras conhecidas: vizinhos e moradores do bairro.  Pareceu-me ver caras decididas. Que sei eu?... 
Abro a televisão e confirmo haver uma boa afluência às urnas em todo o país. Até ao meio-dia, já teriam votado mais de 20,65% (correspondentes a cerca de 2 milhões de eleitores). O "pivot" de serviço informa que a abstenção pode rondar os 42%...É muito, penso para mim mesmo, mas tudo é (ainda) possível. Inclusive, o descrédito total das empresas de sondagens...
Esperar para ver, é agora a única resposta. Logo à noite, há mais...   

2015/10/03

Reflexão do dia

Votem esquerda e deixem-se de merdas!

A partir de amanhã

A partir de amanhã não vou aceitar mais nenhuma queixa, não vou tolerar mais nenhum lamento, não vou aceitar mais nenhuma finta, condescender com nenhum oportunismo, ignorar nenhuma contradição, ser brando com nenhuma incoerência, pactuar com nenhum acto de cobardia.
A partir de amanhã vamos passar a falar com uma voz diferente, tu e eu.

2015/10/02

Dez dias noutra cidade (4)


Um dos museus mais emblemáticos de Amsterdão, é o Scheepvaartmuseum (Museu da Marinha). Situado na zona portuária, o Museu esteve, durante os últimos anos, encerrado ao público para obras de modernização. Recentemente reaberto, é visitado por milhares de locais e turistas que ali se deslocam em peregrinação diária. Hoje, o Museu, ainda que dentro do mesmo edifício, ganhou em espaço e informação, graças às novas tecnologias utilizadas e à informação, à distância de um clique, permitida pela multi-média.
A praça central interior, foi libertada dos seus artifícios e é agora um amplo páteo coberto por um telhado envidraçado, que ilumina com luz natural todo o espaço. Depois, as exposições permanentes foram deslocadas para as alas do edifício, dividindo-se agora em três grandes áreas: a ala Oeste, dedicada às histórias (A vida a bordo, A vida da baleia, etc.);  a ala Norte, dedicada às experiências (O porto de Amsterdão, A viagem marítima e a visita aos navios VOC e Christian Brunings, réplicas de veleiros holandeses famosos): e a ala Este (dedicada às pinturas marítimas, aos ornamentos dos navios, aos instrumentos de navegação, aos modelos de iates, aos albuns de fotografias e às porcelanas e pratas usadas a bordo). O Museu tem ainda uma loja de "souvenirs" temáticos e uma biblioteca e cafetaria anexa. Um bom modelo de gestão integrada que vale uma visita e onde é possível apreender a odisseia marítima neerlandesa.
Uma nova "trend" na cidade, que parece ganhar diariamente adeptos, são as pequenas fábricas de cervejas artesanais, que surgem um pouco por toda a cidade. De acordo com uma investigação levada a cabo pela "Nederlandse Brouwers" (Associação das oito maiores cervejeiras da Holanda), a média semanal, de copos de cerveja bebidos,  está a diminuir no país. E, pelos vistos, a uma velocidade acelerada: se, em 2011, a média de copos de cerveja por pessoa era de 7,2 por semana; em 2012, era de 6,4 e em 2013, apenas 5,9 (um copo por dia).
A razão deste decréscimo tem a ver, essencialmente, com o crescimento explosivo do número de cervejeiras alternativas. Esqueçam as marcas conhecidas, a Heineken, a Grolsch ou a Amstel. Hoje não há bar, ou supermercado, que não tenha uma prateleira de cervejas especiais (leia-se biológicas) que, apesar do preço mais alto, são disputadas em todas as festas e reuniões. Também nos restaurantes, já é possível pedir uma cerveja artesanal, fenómeno relativamente recente na cidade.  Pedir uma I.P.A. (India Pale Ale), uma Ciel Blue, uma Mannenliefde, uma Chouffe ou uma Witte, tornou-se quase tão banal como pedir uma "pils" (cerveja à pressão), hoje cada vez mais banal e desconsiderada por conter conservantes, algo a que o consumidor mais crítico (e endinheirado) não é alheio. Mas, a verdade é que uma vez provada, é impossível resistir a uma boa cerveja. Lá fizémos o nosso périplo e não estamos arrependidos. Para o visitante, e estreante, nestas andanças, recomendamos a Brouwerij't IJ, a mais famosa e mais antiga da cidade, não muito distante da Estação Central de caminhos de ferro. Uma verdadeira catedral, reconhecível pelo moinho antigo onde está instalada,  que dispõe de uma esplanada de largas mesas e bancos corridos, onde podem ser degustadas as marcas produzidas no local. Outras (pequenas) cervejeiras, são: a Butcher's Tears, a Oedipus, a Pampus, De Vriendschap, De 7 Deugen, De Prael, a Bekeerde Suster, a Troost, 2 Chefs Brewing, a Kraanspor Brewing, a Bierfabriek e a Brouwerij Zeeburg.
Confuso? Nada como entrar, aleatoriamente, numa e pedir ao barman de serviço, a sua opinião sobre as marcas à venda. Verificará que, na maior parte dos casos, receberá uma informação cuidada e conhecedora do produto que escolher. Depois...bom, depois é só beber...   
Uma nota final sobre a política local: durante o tempo em que permanecemos na cidade, o assunto dominante, nos media holandeses, eram os "refugiados". Lá, como cá, uma matéria sensível, com um governo cauteloso, ainda que disposto a acolher uma quota de refugiados no quadro europeu e com as organizações humanitárias, já em campo, preparando os centros de acolhimento por todo o país. De acordo com o planeamento central, os refugiados serão distribuidos maioritariamente por diversas localidades na província. Localmente, as populações entrevistadas, dividem-se entre os que acham bem receber refugiados das guerras e os que se opõem, veementemente, contra estrangeiros de outra cultura (leia-se muçulmanos) potenciais "causadores" de distúrbios...No parlamento, e à excepção do ismalofóbico e xenófobo Geert Wilders, líder parlamentar do partido PVV (extrema-direita), o consenso, ainda que prudente, é a tónica dominante. Entretanto, na terceira terça-feira de Setembro,  como manda a tradição, o rei, sempre "generoso" e "magnânimo", anunciava no discurso de trono (Orçamento de Estado para 2016) a "devolução" de 5 mil milhões de euros aos contribuintes holandeses. É verdade que o desemprego (600.000 pessoas) continua a preocupar sua alteza, mas dias não são dias...Uma "benesse",  a anunciar o "fim" da austeridade de anos recentes...Onde é que eu já ouvi isto?

            

2015/10/01

Dez dias noutra cidade (3)


Situado no Keizersgracht (Canal do Imperador) no casco histórico da cidade, o FOAM - Fotografiemuseum, é uma das galerias mais prestigiadas de Amsterdão. Num país de fotógrafos, visitar as exposições em exibição temporária, é um "must" para todos os amantes da arte.
Lá fomos, num dia chuvoso, ideal para fugir ao frenesim de uma cidade literalmente invadida por turistas que sempre procuram os museus de pintura. 
A galeria ocupa um prédio senhorial de quatro andares, onde podem ser vistas quatro exposições em simultâneo. Na impossibilidade de ver todas, devido ao adiantado da hora, concentrámo-nos nas mais importantes: "Magnum Contact Sheets" (1930-2010) e "Bible and Dildo" da japonesa Momo Okabe.
Se a primeira constitui um excelente repositório de 60 fotografias icónicas (de Che Guevara a Malcom X, passando por M. Luther-King e John Kennedy) da afamada agência fotográfica, onde pontuaram nomes como Robert Capra, H. Cartier-Bresson, David Seymour, Martin Parr e tantos outros; a segunda constituiu uma revelação (Okabe tem 34 anos e ganhou este ano o prémio especial da galeria Foam) e é um verdadeiro "murro no estômago", devido ao tema (transexualidade e dependentes de droga) e à crueza das fotos (muitas delas tiradas numa clinica médica, algures na Tailândia).  São fotos enormes e a cores, sobre marginais da sociedade japonesa, muitos deles amigos e namorados da fotógrafa, que os acompanha em momentos intimos da sua existência.
Outro dos edifícios icónicos a visitar, é o "Eye", que alberga a moderna Cinemateca Nacional. Situado na margem Norte da cidade, o "Eye" é facilmente identificado pelas suas formas arrojadas e cor branca, a lembrar o avião Concorde.
Para além dos filmes (clássicos e em estreia) que passam em sessões contínuas nas suas 8 salas, a Cinemateca possui ainda um espaço multi-média dedicado à história do cinema, uma loja de "souvenirs" de arregalar o olho, um restaurante e um café, com vista para o "skyline" da cidade. No espaço (enorme) dedicado às exposições temporárias, uma magnífica Mostra sobre Michelangelo Antonioni, que pode ser visitada até 17 de Janeiro de 2016. Oportunidade única para visionar excertos de todos os seus filmes em écrans gigantes. Desde "O Grito", até a "Profissão Repórter",  passando pela trilogia "A Aventura", "A Noite" e o "Eclipse", "O Deserto Vermelho", "Blow-Up" e "Zabriskie Point", para além dos documentários iniciais, dos anos '50, sobre o vale do Pó, ou os seus últimos filmes ("Identificação de uma Senhora" e "O Mistério de Oberwald") em secções separadas, a exposição é a maior de sempre dedicada ao mestre do cinema moderno italiano e merece, por si só, uma visita à cidade. Para além dos filmes de Antonioni, que passam em versões integrais nas salas do "Eye", a exposição está ricamente documentada com inúmeros materiais da mão de Antonioni, entre os quais alguns dos "guiões" dos seus filmes. O catálogo da exposição é outra obra de arte, com uma impressão impecável, a preto e branco, que custa apenas 20euros. Que mais poderia ambicionar um cinéfilo?     

2015/09/30

Dez dias noutra cidade (2)

A par das inúmeras actividades e eventos que a cidade de Amsterdão oferece ao visitante, o "Open Monumentendag" (Dia do Monumento Aberto), constitui uma oportunidade única para visitar, gratuitamente, edifícios classificados que não fazem parte do circuito turístico da cidade. São edifícios ou complexos privados e públicos que, durante o segundo fim-de-semana de Setembro, são abertos à população e, onde, amáveis voluntários, devidamente identificados com uma t-shirt preta, fazem permanências diárias, prestam informações, vendem livros e postais e servem cafés e bolachas a quem o desejar...
Este ano, a municipalidade "abriu" 22 desses monumentos, que podiam ser visitados durante os dois dias do evento, sendo que nalguns casos era necessário marcação prévia, devido a afluência esperada do público.
Na impossibilidade de visitar todos, devido à distância a percorrer, optámos pelos mais próximos de casa, situados na zona Centro-Este da cidade.
Iniciámos a nossa visita pelas instalações da Marineterrein (Terreno da Marinha) um complexo construído em 1656 pelo Almirantado de Amsterdão. Da construção inicial, apenas restam o muro exterior, o edifício do porto e o portão original. Durante 250 anos, foram ali construídos os barcos da marinha de guerra holandesa. Em 1915, devido à falta de espaço, os navios passaram a ser construídos em Den Helder, no norte do país. Hoje, a maior parte das casernas que povoam o espaço, são utilizadas por serviços administrativos da marinha e, no jardim, ainda podem ser vistas diversas peças navais a lembrar os gloriosos tempos da armada neerlandesa.
Seguiu-se o Arcam, um edifício futurista, construído em 1986, onde funciona um centro de informação sobre a cidade e a sua arquitectura. Quatro andares, repletos de maquetas, desenhos e projectos sobre o aproveitamento lacustre de uma cidade construída sobre a água. De realçar a excelente biblioteca e loja, para além da zona creativa, onde as crianças podiam dar largas à sua imaginação através de construções na areia...
As "Foeliepanden" (os prédios Foelie) são uma série de prédios antigos, situados no antigo bairro judeu da cidade, onde existia uma grande e animada comunidade de comerciantes. Com a deportação e morte da maioria dos seus habitantes durante a 2ª guerra, o bairro perdeu os seus habitantes originais e os prédios foram abandonados. Dos que restam, a "Stadsherstel" (Recuperação Citadina) iniciou a restauração de alguns prédios, que podem ser agora visitados na sua traça original.
Seguiu-se o edifício "Burcht van Berlage" (Castelo de Berlage), definitivamente o ponto alto destas visitas. Um imponente e sólido edifício, da autoria do famoso arquitecto H. P. Berlage, onde desde 1900 funciona o mais antigo sindicato holandês (lapidadores de diamantes). Uma obra magnífica, de paredes forradas a tijolo branco e amarelo e decoradas ao estilo Arte Nouveau. O páteo interior, iluminado por candeeiros de ferro forjado, é rodeado por íngremes escadarias que conduzem a salas revestidas a madeira negra, onde se destacam pinturas e cartazes alusivos ao movimento sindical no século XX. Através do telhado envidraçado e dos inúmeros vitrais que decoram o edifício, podem ainda ser apreciados os pormenores da construção onde tudo, desde o mobiliário aos puxadores de portas, tem a mão de Berlage. Um verdadeiro "castelo", a que não falta uma torre, construída num dos ângulos do edifício, ainda que não acessível ao público.
Porque estávamos perto, não perdemos a oportunidade de visitar a esplanada do Zoo, aberta ao público, onde celebrámos a "pausa cultural" com uma não menos apetecível tarte de maçã adequada ao ambiente.
O dia não terminaria sem uma visita ao Hall da antiga Remise de Eléctricos de Amsterdão, situada na zona Oeste da cidade. Um espaço, anteriormente utilizado como terminal e oficina de carros eléctricos, que há dois anos foi totalmente recuperado e onde hoje funcionam lojas, restaurantes, bares, salas de cinema de arte e um hotel.  Um projecto arrojado e bem integrado numa zona depauperada da cidade, ainda que sujeito a pressões imobiliárias inerentes a este tipo de construções.
Depois de um dia preenchido por emoções, só podíamos ambicionar o descanso. Esperava-nos uma cerveja branca de malte, acompanhada por uma magnífica sandes de salmão do Alasca, única forma de recuperar do cansaço...      

2015/09/28

Dez dias noutra cidade


Amsterdão é, por estes dias, uma espécie de Disneyland do Norte da Europa. Dezenas de milhares de turistas de armas e bagagens (leia-se smartphones e trolleys) em punho, na procura do lugar mítico para o último selfie. Nada a que não estejamos habituados em Lisboa, em ritmo acelerado de gentrificação europeia. Se em Julho e Agosto já era mau, Setembro não é melhor e, para pior, já basta assim...
Porque, para além das férias, outros programas culturais se anunciavam em Setembro, lá fomos, na esperança de (re)descobrir a Amsterdão desconhecida que habita em todos nós e tentar conciliar a aventura com cultura...
Desta vez, o evento prometia: "De ouvido e coração", um concerto dedicado à obra de José Afonso, comentado e interpretado por Amilcar Vasques Dias (piano), Luís Pacheco Cunha (violino) e a "cantaora" Esther Merino. Um projecto com quatro anos de "estrada", que temos vindo a seguir e a admirar em lugares tão díspares como Lisboa (3 vezes), Setúbal, Évora, Badajoz e, agora, Amsterdão.
Nenhum dos concertos foi igual (nisso residirá a riqueza do projecto) e as modificações nele introduzidas apenas realçam a diversidade da música do Zeca. Desta vez, Esther cantou 3 canções (uma nana de Lorca e "Canção de Embalar" e "Cantar Alentejano" de Afonso) e Cunha teve "direito" a um "medley", onde brilhou em "Canto da Primavera", "Cantiga do Monte" e "A Formiga no Carreiro". Para o Amilcar, o resto do programa, sempre acompanhado das curtas e pedagógicas intervenções (desta vez em holandês!) a que nos habituou. O concerto terminaria com "Grândola", um encore apropriado, cantado "à capela" por Fernando Lameirinhas, artista português residente na Holanda.
Duas horas, de puro gozo e deleite, intervaladas por uma desnecessária "koffie pauze", aproveitada para rever caras amigas. Tudo isto numa velha igreja de madeira renovada (Amstelkerk) onde, num passado não muito longínquo, os (então) refugiados portugueses, apoiados por organizações holandesas de solidariedade, denunciavam a guerra colonial levada a cabo pelo governo fascista de Salazar e Caetano.
Só faltou o Zeca. Como ele gostaria de ter ali estado, a ouvir a sua música recriada e tocada por três artistas de excepção. Mas, a música é eterna e universal. O CD do concerto está já anunciado e, no ar, a promessa de uma nova digressão, desta vez alargada  a outras capitais europeias. A organização estará, de novo, a cargo da Q.Art (eventos) coordenada pela nossa compatriota Teresa Pinto.
Melhor início de férias, era impossível. A chuva, que caía após o concerto, não esfriou o ânimo para os próximos dias... 


  

2015/09/24

O Cinema Chinês é uma Festa!

Decorre em Lisboa, até ao próximo dia 30 de Setembro, a "Festa do Cinema Chinês". Trata-se da segunda grande Mostra em Portugal (a primeira decorreu em 1987)  de uma das mais pujantes e inovadoras cinematografias mundiais.  Teve início no passado dia 20 e reune 32 títulos, agrupados tematicamente, em géneros e correntes distintas, que cobrem mais de um século de cinema na China:
O ciclo do "cinema contemporâneo", onde pontuam cineastas conhecidos dos cinéfilos portugueses como Jia Zhang-ke (Se as Montanhas se Afastam), Hou Hsiao-Hsien (A Assassina), Tsui Hark (A Tomada da Montanha do Tigre) e Ann Hui (A Era de Ouro); o ciclo "Xiaoxiang Film Group" (obras produzidas por um dos mais importantes estúdios chineses) que inclui e.o. filmes de Tsui Hark, Huo Jianqi, Sheng Dong, Gao Feng; o ciclo "Cinema Chinês: panorama histórico", com obras dos celebrados autores da "5ª geração", Chen Kaige (Terra Amarela), Zhang Yimou (Ju Dou) e Jiang Wen (No Calor do Sol); o ciclo "Cinema Chinês: retrospectiva Xie Jin", com obras deste decano do cinema chinês, que atravessou todo o século XX e a quem é dedicado uma retrospectiva de dez dos seus filmes mais representativos.
A "Festa do Cinema Chinês" tem o apoio da Cinemateca Portuguesa, da Cinemateca Chinesa, da Embaixada Chinesa em Lisboa e da Embaixada Portuguesa na China, para além do ICA e SAPPRFT, os organismos portugueses e chineses que regulam a distribuição de filmes em ambos os países.
As sessões decorrem no Cinema Ideal e na Cinemateca em Lisboa, podendo todas as informações ser consultadas nos respectivos "sites" destas salas.
Uma oportunidade única de ver um dos cinemas mais importantes e dinâmicos do Mundo, numa Festa a não perder!  

2015/09/22

Taxi Driver (2)



Boa dia. Necessito de um táxi para as 4h. da manhã.
- Não tem problema. Qual o destino?
Aeroporto de Schipol.
-  Qual a morada?
...............................
O preço, é o indicado no anúncio?
- Sim, são €37,50.
Então, até amanhã.
- Até amanhã. Telefono 10 minutos antes das 4h. para poder descer a mala. 
................................
- Bom dia. São 3h e 50 minutos. Daqui a 1 minuto estou à sua porta. 
Ok. Vou já descer.
- É só um passageiro?
Sim, sou só eu...
- Em que companhia viaja?
TAP-Air Portugal
- OK. Porta 2. Vai para Portugal?
Sim.
- É português?
Sim
- Viagem de negócios?
Não, turismo...
- Mas, fala bem holandês...
Sim, vivi na Holanda muito tempo.
- Ah, percebo. Como está Portugal?
Quando de lá saí não estava muito bem...
- Então, é a crise, não é?
A crise e outras coisas...
- Percebo. Gosto muito de Portugal.
Conhece?
- Sim, sim. Vou sempre para o mesmo sítio, Albufeira.
Ah, o Algarve...e do que é que gosta mais?
- Gosto de tudo. Muito calmo. A praia, o sol, a comida, as pessoas. Para as crianças, é muito bom.
Vai sempre para o Algarve? Devia ir até mais ao Norte.
- Não, também vou para as Canárias. Muito bom...
É taxista a tempo inteiro?
- Não, só faço Schipol, às noites. Entro à meia-noite e saio às 8h. da manhã. Depois vou para casa, levo os meus filhos à escola e vou dormir. Levanto-me à hora de almoço e tenho a tarde toda livre para mim e para estar com a família.
E chega?
- Chega e sobra. A minha mulher trabalha de dia e eu de noite. Não há "stress"...
Em Portugal, os taxistas andam a protestar contra a Uber...
- Sim, eu sei, mas aqui estão legalizados.
Sim, é melhor. Não há confusão.
- Pronto, já cá estamos. Vou deixá-lo na porta 1, porque a outra ainda está fechada, não se importa?
O táximetro indica €51.50...está certo?
- Está, mas o senhor só paga €37,50. Foi o combinado ao telefone, não foi?
Foi, foi...
- Aqui está a sua mala. Desejo-lhe uma boa viagem até ao seu país (aperto de mão).
  

2015/09/09

Taxi Driver



- Para onde vai?
Rossio.
- Está com sorte, hoje não há táxis p'ra ninguém...
Então?
- Foram todos para a manifestação, contra a Uber...
Contra quem?
- A Uber, o serviço privado de táxis que apareceu em Lisboa. Mas, a gente conhece-os a todos. No aeroporto, já não param e a polícia tem os números das matrículas todas, para não deixar que eles façam lá serviço. Já deu porrada e tudo. Em França, até lhes queimam os carros, não leu?...
Sim, vagamente, mas afinal qual é a diferença entre os táxis normais e a Uber?...
- Ora bem, são uns finaços, cheios da "bago", que compram mercedes prateados, de 7 lugares e sem táximetro. Depois, têm ar condicionado, perfume, água engarrafada para os "camones" e pedem-lhe uma milena para irem até Cascais... Assim, também eu...
Se é assim... devem protestar... mas, porque é que não melhoram os serviços de táxis?
- Isso é que era bom! Como é que o senhor quer que melhorem os táxis, se há 3.600 táxis em Lisboa e só 500 é que andam todo o dia cheios? E quem paga a factura, quem é?
Mas, deve ser possível melhorar as condições, ou não?
- Melhorar as condições? Deve estar a brincar comigo! Se tiver para aí uns 80 mil "parados" no Banco, ainda pode ir ao registo, pedir um alvará, que custa uns 60 ou 70 mil e ficar em casa a viver dos rendimentos. Arranja um chauffeur para guiar o carro, dá-lhe 40% do lucro e os trocos da caixa. Assim, ainda vá que não vá... mas quem pode fazer isso?
Não sabia que o alvará era tão caro...
- Ah, pois é, por isso está tudo na falência. Esta merda vai rebentar toda. Há táxis a mais na praça e agora ainda vêm para aí os Ubers roubar-nos o negócio.
Então e o que me diz dos Tuk-Tuks?
- É pá, nem me fale disso. Os "monhés" meteram cá os triciclos e agora são mais que as mães. Mais de trezentos, só em Lisboa. Tudo gajada "séria". Não têm licença, não têm taximetro, é só poluição e bloqueiam o trânsito todo. Dizem aos "camones" que levam 10 euros para os levar ao castelo, metem 5 no triciclo e, quando chegam lá cima, são 10 euros a cada um!  Só numa viagem, do Terreiro do Paço ao castelo, já ganharam 50 "mocas" numa hora. Assim, também eu!
Sim, os tuck-tucks são uma praga, concordo. Mas, se calhar a culpa não é só deles, mas de quem não legislou uma lei para este tipo de transporte, a Câmara Municipal, o Turismo de Lisboa...
- Pois claro! Tá-se mesmo a ver. Mas, o senhor diga lá com franqueza: há alguma coisa que funcione neste país?...Estes gajos só pintam as passadeiras quando chegam as eleições. Já viu as "zebras" todas pintadinhas de branco? Ah, pois é, os votos...
E a que horas passa a manifestação?
- Já começou. Estão lá em cima na Duque de Palmela e agora vão descer a Avenida. Está a ver ali a "bófia"? Já estão a pôr os "palitos" para cortarem o trânsito... Vamos, mas é, pirar-nos por aqui, senão tenho de deixá-lo no Marquês e tem de ir a pé... Olhe ali, os "camones" a fazerem sinal! Hoje não andam de táxi. Vão na Uber, palhaços!
E para onde vai a manifestação?
- Para o Ministério da Justiça. Eu não posso ir lá, senão os meus colegas vêem que eu não aderi e cortam-me às postas. Andei todo o dia fora do centro, para poder ganhar uns "cobres"...
Bom, estamos quase. Pode parar aí na praça do Rossio...
- Ok. Aqui está bem? São 6.75. Tá ver, baratinho... cá o "mangas" sabe fugir deles...
Obrigado, olhe já tem aqui duas clientes à espera (japonesas).
- Para onde é que vão (em português)?
Avenue Libertat, diz uma delas.
- Avenida? Devem estar é malucas! No possível. Vão a pé, que faz bem às perninhas...

2015/08/26

Uma catástrofe anunciada

foto TORM A/S
As imagens do Mediterrâneo e dos Balcãs, onde diariamente milhares de refugiados de todas as nacionalidades, cores e credos, continuam a chegar,  são o prenúncio de  uma catástrofe anunciada. A crise no Médio Oriente, associada à implosão de estados africanos, dizimados pela fome, guerra e doença, forçaram milhões de pessoas a abandonarem territórios, onde sempre viveram, única forma de escaparem a um genocídio anunciado. Perante esta calamidade de proporções "bíblicas", a incapacidade de perceber e acolher tal quantidade de refugiados, é evidente.
Estamos perante o maior êxodo, desde a 2ª guerra mundial e ninguém pode, neste momento, prever o fim da vaga migratória. Se, para o problema dos africanos, que atravessam o Mediterrâneo, nunca chegou a haver propriamente uma solução; para a recente vaga de refugiados, da Síria e do Iraque, a solução nem sequer foi pensada...
Independentemente das recriminações que possam ser feitas aos agentes no terreno, duas coisas parecem desde já evidentes: nem a Europa tem, neste momento, capacidade para absorver milhões de pessoas (basta olhar em volta); nem a situação destes imigrantes poderá ser resolvida, enquanto não forem atacados os problemas existentes a montante: os conflitos regionais, provocados por grupos internos a mando de forças obscuras e outras, mais claras, a quem interessa a destabilização regional por motivos geo-estratégicos.
Temos aqui, portanto, dois problemas a resolver urgentemente: a contenção do fluxo de refugiados para a Europa e a contenção de beligerantes no terreno, condições indispensáveis para que a operação possa ter algum êxito. Pensar que uma pode anular a outra é, para além de naíve, perigoso. Subestimar a força dos fundamentalistas no terreno, enquanto continuamos a assistir à chegada de milhões de desalojados, só poderá desembocar numa catástrofe: a montante, o fortalecimento do fascismo-islâmico e, a jusante, o renascimento do fascismo europeu. A Europa,  que conheceu duas guerras e o maior genocídio da História moderna, não pode vacilar perante tal dilema. Hesitar agora é comprometer o futuro. Amanhã, pode ser tarde.


 

2015/08/18

Tiro de rajada


O PS anda a dar sucessivos tiros no pé há anos. Não tem remédio.
A arma esteve sempre em modo tiro a tiro. Mas neste momento está em modo de rajada.
António Costa está, a escassas semanas das eleições, a exercer um papel de embrulho que não posso deixar de considerar, no mínimo, perturbante.
E ao embrulho falta-lhe tudo, até um lacinho mais janota para disfarçar...
Pessoalmente, acho que António Costa não percebeu, afinal, patavina do filme que esteve a ver. Pessoalmente, estou profundamente chocado.
Temos pela nossa frente um desastre anunciado.

2015/07/30

A Silly Season está de volta...

Há petróleo no Beato e não sabíamos.
De acordo com o programa da coligação governamental, ontem apresentado, o pior já passou.
Se os portugueses, em Outubro, votarem nos mesmos partidos, o futuro estará assegurado.
Vejamos: haverá menos impostos (IRS), menos cortes nas reformas mais baixas, plafonamento nas mais altas, direito a médico de família para todos os portugueses, mais empregos, melhor educação e melhor saúde. Mais apoios às famílias e mais Estado Social. A economia vai crescer e as exportações também. Logo, o desemprego vai baixar. Ah, o turismo não pára e a riqueza também não.
Cereja em cima do bolo: Portugal vai tornar-se uma das 10 economias mais competitivas do Mundo!  Digam lá se o nosso país não é um paraíso?
Já posso ir de férias. E andava eu tão preocupado...

2015/07/16

A operação correu bem. O paciente morreu.

Era previsível. O parlamento grego aprovou esta madrugada, por maioria expressiva, um terceiro programa de assistência (vulgo "resgate") para evitar a bancarrota do país.
Depois de 6 meses de negociações e um referendo, onde os gregos se expressaram inequivocamente contra mais medidas de austeridade, o governo de Tsipras foi obrigado a capitular perante a intransigência dos restantes países da zona Euro, Alemanha à cabeça.
Era possível outra saída?
Sim, caso Tsipras tivesse respeitado o resultado do referendo e agisse em consequência (saída da Grécia do Euro). Nesse caso, seguir-se-ia um período de transição, com vista a preparar o país para uma nova moeda, de consequências imprevisíveis e provavelmente mais dramáticas para o povo grego. Essa foi, de resto, a explicação dada pelo primeiro-ministro grego na primeira entrevista, após a maratona de Bruxelas e, ontem, confirmada no Parlamento.
Não, caso os credores se mostrassem intransigentes e obrigassem a Grécia a aceitar um novo programa de assistência (vulgo "resgate") que, em troca de mais dinheiro, mantivesse o país na esfera da dependência económica e financeira dos alemães e franceses.
Contra todas as expectativas e apesar de duas votações inequívocas, que suportavam uma decisão de ruptura, Tsipras deu o dito por não dito e aceitou as condições impostas pelos credores.
Deve, no entanto, ser sublinhado, que a posição do primeiro-ministro grego não foi apoiada por mais de três dezenas de deputados do seu próprio partido, entre os quais o ex-ministro das finanças, Varoufakis, que dirigiu a delegação grega durante as negociações de Bruxelas. A este propósito, leiam-se os apontamentos e sugestões de Varoufakis, publicadas por estes dias, que explicam bem as razões pelas quais ele teria sido "sacrificado" durante este processo.
E os credores? Ainda que um novo "resgate" possa aliviar temporariamente a situação grega e, indirectamente, permitir à Grécia pagar parte dos juros da dívida actual, a verdade é que, com este novo programa, a dívida grega aumenta e torna-se impagável. A opinião é da insuspeita Lagarde (FMI) que sabe do que fala. É ela que propõe um "haircut" (perdão) da dívida, única forma de aliviar a Grécia da pesada herança dos últimos 40 anos de governação e que conduziram o país a este beco sem saída. Percebe-se a preocupação da directora do FMI: se a Grécia dever 100 milhões de euros, o país terá de pagá-los, mas se dever 1000 milhões, os credores nunca mais verão o dinheiro...
Resta falar da Europa e do projecto europeu: depois do que aconteceu esta semana, a UE nunca mais será a mesma. A irredutabilidade de países credores, como a Alemanha, perante uma situação cujas causas devem ser procuradas na arquitectura de uma moeda única que não prevê situações de insolvabilidade financeira de países intervencionados, faz temer o pior e o pior poderá ser o fim do Euro e, quiçás, do próprio projecto europeu tal como o conhecemos.
Esse perigo ficou patente na reacção inglesa, que se recusa a apoiar o plano de emergência para acudir à Grécia e nas diversas manifestações, um pouco por toda a Europa, onde os partidos e movimentos nacionalistas (vide França, Finlândia e Hungria) não escondem o seu ódio aos ditames dos eurocratas de Bruxelas.
Sim, a operação de "resgate", parece estar a correr bem. Mas, não passa de um paliativo. Os problemas voltarão e nada nos faz acreditar que o paciente já não esteja, de facto, morto.          

2015/07/13

“We were set up”


Foto Getty, via New Statesman
Para perceber — o quanto é possível perceber neste momento — os bastidores destas negocições com a Grécia nestes últimos dias, para perceber para onde vai caminhar inevitavelmente o país e o resto da Europa, leia esta entrevista de Yanis Varoufakis aNew Statesman "Exclusive: Yanis Varoufakis opens up about his five month battle to save Greece".

2015/07/06

The day after

Um dia após serem conhecidos os resultados do referendo grego, a especulação sobre o futuro do país continua a ser a questão dominante. Não é caso para menos, agora que o país fundador da democracia ousou votar maioritariamente contra as medidas de austeridade propostas pelos credores internacionais. Ao contrário do que (maliciosamente) sugerem alguns fazedores de opinião, a Grécia (os gregos) não votou contra a Europa, ou contra o Euro, mas contra o programa de austeridade que há cinco anos vem sendo imposto, sem qualquer resultado positivo. Mais, a situação na Grécia é, agora, muito pior que em 2010, com indicadores que não mentem, quanto ao drama humano e social que o país enfrenta: uma dívida pública equivalente a 166% do PIB, uma quebra de 25% do Produto Interno Bruto, 27% de desemprego estrutural nos adultos, 60% de desemprego jovem e emigração em massa para fugir à miséria. Paralelamente, e como resultado de tudo isto, um aumento exponencial da pobreza no país, devido aos cortes nos apoios sociais e subsídios de desemprego, que deixaram milhões de gregos sem qualquer seguro de saúde. Uma catástrofe humanitária de proporções desconhecidas na União Europeia, que levou o presidente do Parlamento Europeu a apelar a um programa especial de apoio urgente à população mais carente e, à presidente do FMI, a reconhecer o falhanço do programa de austeridade imposto pela Troika. Perante este cenário catastrófico, não devem ser considerados surpreendentes os resultados de ontem. Colocados entre a espada e a parede, os gregos escolheram a espada, preferindo combater pela sua dignidade e dando ao governo de Syriza, democraticamente eleito, a legitimidade que este necessitava para (re)negociar em Bruxelas uma nova proposta, que tenha em conta a situação-limite a que está sujeita a Grécia.
Independentemente de ter ganho o "não", a situação social e económica grega não melhorará substancialmente. Este é um dado adquirido, que os eleitores devem ter ponderado na hora da votação. Apesar de tudo, ousaram desafiar o poder financeiro, dando uma lição de coragem e democracia ao Mundo. Nada ficará como dantes, nesta Europa decadente submetida ao diktat alemão. À Grécia, o devemos. Não é coisa pouca.        

2015/07/04

O referendo Grego



"Os Sete Magníficos" é um western que vi assim que estreou em Portugal e fui revendo ao longo dos anos. Revi-o ontem. É um daqueles filmes de culto, bons de um lado, maus do outro, sem tretas. Os bons ganham!
Um remake de "Os Sete Samurais" de Kurosawa, "Os Sete Magníficos" conta a história de uma pequena aldeia mexicana de fronteira. A aldeia é vítima de um grupo de bandidos liderados por Calvera (Eli Wallach) que a mantém dominada pelo medo, rouba as colheitas e outros bens, perante a aparente passividade dos seus habitantes, cuja capacidade de reacção se encontra totalmente paralisada pelo regime de terror criado pelos bandidos.
Os aldeões reúnem-se e decidem reagir. Um grupo é encarregado de partir para uma cidade próxima, já em território americano, para contratar homens e comprar armas que os ajudem a combater o bando de Calvera.
Um grupo de pistoleiros é finalmente contratado. Para além da sua intervenção directa, os pistoleiros estão também encarregados de treinar os aldeões no manejo de armas e de criar uma estratégia de defesa. Um primeiro ataque do bando de Calvera é rechaçado, mas num segundo ataque os pistoleiros são apanhados de surpresa, desarmados e obrigados a abandonar a aldeia. Finalmente, os magníficos voltam à aldeia, e num golpe de mão conseguem aniquilar o bando e matar o próprio Calvera. The end.
Por que razão vos conto isto?
Três cenas que me escaparam anteriormente.
Cena número um. Na reunião em que é tomada a decisão de reagir contra Calvera e contratar ajuda, uma minoria manifesta-se contra essa decisão porque, argumenta, o Calvera rouba mas deixa-lhes sempre o suficiente para eles não passarem fome.
Cena número dois. Na noite anterior à derrota dos magníficos, a aldeia tinha-se reunido e alguns aldeões questionaram os motivos pelos quais os pistoleiros acederam a participar nesta causa.  Estes explicam que a luta é da aldeia, que assumiram a causa mas só podem ajudar. Se os aldeões não querem combater ou não querem a sua ajuda, eles vão-se embora. A tensão é grande e a aldeia divide-se entre os que querem participar e os que duvidam da vantagem da luta. Quando o grupo é derrotado e obrigado a deixar a aldeia, Calvera, novamente senhor da situação após ter reinstalado o seu regime de terror, dirige-se ao líder dos magníficos, Chris (Yul Brynner), e diz-lhe "Os vossos amigos (aldeões) já não gostam de vocês. Vocês obrigam-nos a tomar muitas decisões, comigo eles só têm de decidir uma coisa: fazer o que eu mando!"
Cena número três. Depois do triunfo no tal golpe de mão final, Calvera é atingido por Chris. Moribundo, pergunta-lhe "Vocês voltaram. Para um lugar destes. Porquê? Um tipo como tu, porquê?"
Quem conseguir ver nisto uma metáfora com o que está em jogo para todos nós, amanhã no referendo grego, acertou em cheio!

2015/07/01

Tirar a máscara

O Conselho Europeu considera que o referendo na Grécia viola as regras. Criticam a pergunta que nele é feita. A Alemanha só volta às negociações depois de saber os resultados deste referendo violador, cuja pergunta não faz sentido. Dijsselbloem, uma espécie de Relvas à holandesa, espera, em nome da UE, pelos resultados do referendo. Irregular e criticável. Lamenta-o, lamenta-se. Exibe ar enfadado.
Os gregos insistem na realização do seu referendo, mostram-se mestres no exercício da sua função, clarificam os termos da sua iniciativa, para que não restem dúvidas, expõem-se. De um lado tudo é claro, subtil e categórico, correm-se riscos. Sem máscara.
Do outro lado tudo é obscuro, incompetente, pesadão, autoritário. A tragédia grega, hoje, é isto: a Europa usa a máscara. Que caiu.
Ilegítimas, arrogantes, incompetentes, as autoridades europeias revelaram-se um verdadeiro desastre em todo este processo.
Os povos europeus devem-se perguntar que corja é esta que não foi legitimada pelo voto e que, ainda por cima, lhes custa balúrdios.

2015/06/28

O rei vai nu

Um artigo sobre as verdadeiras consequências da crise grega. O futuro, é razoável pensá-lo, chama-se optimismo.
Leia aqui.

2015/06/24

Pedir contas

"Foram descendo o Chiado. Do outro lado os toldos das lojas estendiam no chão uma sombra forte e dentada. E Carlos reconhecia, encostados às mesmas portas, sujeitos que lá deixara havia dez anos, já assim encostados, já assim melancólicos. Tinham rugas, tinham brancas. Mas lá estacionavam ainda, apagados e murchos, rente das mesmas ombreiras, com colarinhos à moda."

Os Maias (1888), Eça de Queirós


A jornada de solidariedade com a Grécia da passada segunda feira foi um fracasso total.
Uma vergonha, diria mesmo, à semelhança do que se tem passado com outras iniciativas destinadas a protestar contra a loucura neo-liberal que têm sido (mal) organizadas neste país, tenham elas maior ou menor expressão, maior ou menor adesão. Uma vergonha que não conseguiu sequer mobilizar os transeuntes que passavam do outro lado da praça ou os artistas de rua que se exibiam mesmo ali ao lado. Uma vergonha que defrauda as expectativas mais profundas de uma larga maioria de Portugueses que sofre na pele as consequências das políticas desta Europa fascizóide.
São actos que revelam uma total irresponsabilidade e têm consequências desastrosas para a luta política.
É que, este tipo de inciativas, para além de projectar uma imagem deturpada do que significa a solidariedade com o Povo Grego e uma falsa perspectiva sobre as reais consequências que a sua luta tem para a nossa luta, dá argumentos ao governo para insistir nas suas teses políticas sobre a Grécia e, no pólo oposto, dá razão aos fanáticos da organização, que criticam com razão a sua inconsequência, mas se esquecem que a sua "organização" há muito que se transformou em móbil único e é, ela própria, no fundo, inconsequente.
Esta é uma causa que nos diz respeito a todos. Não há fracturas possíveis. A todos, na proporção das suas responsabilidades, é necessário pedir contas sobre o seu papel nesta luta. O que andam, particularmente, a fazer as direcções políticas da oposição em Portugal?