2010/09/30

A Crise (2)

Não fora a pressão dos "mercados" e ainda hoje o governo português continuaria a anunciar as obras do regime e a apregoar a saúde da nossa economia, quando comparada a outros países em crise por essa Europa fora.
Ontem foram anunciadas medidas drásticas, mas agora é tarde. É tarde porque já deviam ter sido tomadas em 2008, quando a crise nos bateu à porta; e será sempre tarde, porque, como vimos na Grécia e na Irlanda, as medidas tomadas não melhoraram a situação. É tarde, ainda, porque o governo andou a mentir este tempo todo e agora vem com ar compungido dizer que não havia outra alternativa.
Com o agravamento das "medidas de austeridade" - desinvestimento nas obras públicas, aumento do IVA, cortes salariais na função pública, congelamento de salários, diminuição das reformas e nos diversos apoios sociais - a espiral da pobreza só terá tendência para aumentar. Sem investimento não haverá relançamento da economia e sem economia a crescer não haverá aumento de emprego, do consumo e do comércio. O desemprego tenderá a aumentar e sem apoios sociais a pobreza será ainda maior.
Hoje mesmo a "Ernst & Young" anunciou que o segundo semestre será pior para as contas públicas pelo que a recessão tenderá a agravar-se. Más notícias? Nem por isso: de acordo com Almeida Santos, a "eminência parda" do governo, os portugueses devem considerar-se felizes por terem um governo que ousa tomar medidas impopulares. Por esta é que nós não esperavámos. Infelizmente, Santos não está tão senil como algumas pessoas receiam. Antes estivesse.

2010/09/29

Responsabilidades

Aqui há já algum tempo correu nos cinemas o filme de Michael Haneke "O Laço Branco". Era um filme perturbante sobre as virtudes públicas e os pecados privados, sobre a hipocrisia, sobre a plasticidade da moral aplicada intra ou extramuros.
Hoje tenho-me lembrado bastante deste filme. Ao longo do dia fomos ouvindo altos dignitários da governação e da vida política apelar ao sentido de responsabilidade. Esta foi a palavra mais ouvida em tudo o que foi noticiário e reportagem sobre intervenções políticas a propósito do orçamento e das medidas para remediar o problema do défice das contas portuguesas. Uma palavra repetida febrilmente em todos os tons e declinações.
Estranha palavra e estranho apelo este...
Serão aqueles que espetam o dedo moralista e fazem agora, com ar grave e compungido, este apelo à responsabilidade, os mesmos que, quer do lado do governo, quer do lado da oposição, revelaram ao longo de todos estes anos de exercício do poder um comportamento totalmente irresponsável. Serão estes arautos da responsabilidade os mesmos que não hesitaram em fazer prevalecer os seus interesses mesquinhos e egoístas sobre os interesses de todos, sabendo que o desgoverno a que assistimos hoje seria a inevitável consequência dos seus actos? É para o PEC(n) que os portugueses votam nestes imbecis?
E, pergunto, serão menos irresponsáveis aqueles que os premeiam então com o seu voto?
Quem tem medo da crise política? Quem tem medo de reconhecer que os representantes do regime não estão à altura das necessidades do País e que o País sustenta e avaliza representatntes que o não servem? É mesmo para uma mudança muito profunda de regime que devemos apontar.