2011/03/12

De PEC em PEC até à bancarrota final

O anúncio, ontem feito em Bruxelas por Sócrates (e confirmado, horas mais tarde em Lisboa, por Teixeira dos Santos) sobre o novo pacote de medidas de austeridade apresentado pelo governo português para "sossegar" os mercados, confirmaram o pior dos cenários para o nosso país: nem os "mercados" parecem convencidos das nossas boas intenções (as taxas de juro continuam a subir e estão próximas dos 8%); nem o governo, nesta corrida contra o tempo, já se dá ao trabalho de informar os portugueses das suas intenções, limitando-se a pôr o país perante um facto consumado.
Que Sócrates, um mentiroso compulsivo, continue a afirmar tudo e o seu contrário, já estávamos habituados. Que Teixeira dos Santos, o único ministro vísível deste governo, ainda se preste a tais papéis, começa a tornar-se patético.
Ao que parece, a única pessoa informada (a partir de Bruxelas!) sobre este novo PEC, teria sido o líder da oposição; pois nem o Presidente da República, para não falar dos parceiros sociais (CIP e CGTP/UGT), ou outros partidos com assento no hemiciclo, foram postos ao corrente da situação. Ou seja, o primeiro-ministro, num desrespeito total pelo Parlamento, limitou-se a ir a Bruxelas apresentar o "caderno de encargos" acordado com Merkel, à revelia de qualquer acordo no quadro da União Europeia, da qual ambos os países fazem parte. Temos, assim, um governo subserviente e completamente dependente da ajuda externa, que negocia com um país, a Alemanha, que continua a impôr os seus "diktats" sobre os países periféricos mais vulneráveis.
Se isto não é anti-democrático, gostaria de saber o que é a democracia para estes políticos sem vergonha que nos desgovernam.
É possível que, Sócrates, encurralado no beco sem saída que ele próprio criou com as suas operações de "marketing", esteja hoje perante um dilema: sair, a exemplo de Guterres reconhecendo a inevitabilidade dos factos e condenando-se a uma "travessia do deserto" sem horizonte; ou resistir, na esperança de melhores dias que lhe permitiriam recandidatar-se em 2013. Outra hipótese, bastante provável, é a esperança que Cavaco o demita, para se apresentar como vítima de uma situação por ele mesmo criada.
Qualquer dos cenários, sendo possíveis, são insuficientes e não respondem aos justos anseios e protestos dos cidadãos (sempre os mesmos) espoliados e desprezados por um governo incapaz de perceber a realidade dos factos.
É contra esta situação, de impasse absoluto e discrédito total de uma classe política corrupta e incompetente que jovens precários e desempregados, mas também outros estratos da sociedade inconformados com o insuportável pântano social em que vivemos, vão hoje protestar em todo o país. Basta já!

2011/03/11

Testemunhas circunstanciais

Independentemente das motivações (há sempre motivações...), a moção de censura apresentada pelo BE pareceu-me um acto coerente. Tal como escrevi quando o PCP apresentou a sua moção em Maio do ano passado, e tal como aconteceu na altura, parece totalmente legítimo e consequente que os partidos da oposição obriguem, em bloco, este governo a cair face às críticas que lhe são, no geral, dirigidas. BE e PC votaram a moção, PSD e CDS abstiveram-se, uma atitude oportunista e irresponsável.
A moção não passou. O PSD terá feito as suas contas e concluído que não é a altura de transformar as palavras de crítica ao governo em acções coerentes. O PS deve estar mortinho por passar a pasta. Adivinha-se no discurso socialista já uma estratégia pós-eleições e o semblante dos ministros trai-lhes os verdadeiros desígnios. Mas não seria naturalmente expectável que fosse o próprio PS a pedir a demissão do governo que apoia. Falta pois o pretexto e o PSD, inseguro de si e sem uma liderança categórica, não faz esse "favor" ao PS.
O PR, esse, lembrou-se agora de reagir com firmeza, com um discurso muito admirado, mas que, tal como no caso do PSD, não passa de conversa.
Entretanto, prosseguem as negociações por causa do preço do gasóleo industrial. Incompreensivelmente, o braço de ferro parece estar a levar a um extremar de posições e ameaça transformar um problema menor numa enorme convulsão. Aqui poderá estar o pretexto que o PS tanto esperava para sair e obrigar o PSD a pegar na pasta.
E nós no meio de tudo isto, PEC-a-PEC, sabe-se lá à espera de quê.

2011/03/10

Something in the Air

Se alguma surpresa houve no discurso de ontem de Cavaco Silva, só pode ter sido a tónica posta na crise da juventude e o seu apelo ao "sobressalto cívico", que poderá ser interpretado como uma adesão à manifestação da geração de desempregados, agendada para sábado. Algo de surpreendente num presidente conservador e cauteloso nas palavras.
Alguns comentadores de serviço (António Barreto, Miguel Sousa Tavares) logo se apressaram a catalogar este apelo como uma tentativa do presidente em "cavalgar a onda" da contestação ao governo. Pode ser que sim. Cavaco tem, certamente, uma agenda política e - a acreditar nos "tudólogos" - tudo fará para tornar a vida mais difícil a Sócrates. Até aqui, isto faz algum sentido.
O que não parece fazer tanto sentido é a "avalanche" de críticas, veladas ou explícitas, de figuras gradas do regime, como Soares ou Sampaio, para já não falar nos inúmeros artigos e "blogs" afectos ao governo (Jugular, Aspirinab, Câmara Corporativa) que não perdem nenhuma ocasião para menosprezarem a geração dos "Deolindos". Como se a banda pop tivesse alguma culpa da popularidade atingida pela sua canção.
Tavares, uma das pitonisas de serviço, chegou mesmo a afirmar que o "manifesto", que convoca a manifestação, é dúbio e anti-partidos, não se sabendo bem quem a convoca (uma "nublosa" nas suas palavras). Ou seja, um terreno propício para a demagogia. Daí ao aparecimento de figuras populistas e ao fascismo é um passo...
Quem diria que um simples protesto divulgado pela Net (certamente inspirado pela "rua" árabe) viria a constituir motivo de discussões acaloradas e longos editoriais de tanta gente responsável (que sempre criticou o descalabro da política sem norte e autista do governo) e agora se mostra chocada com um protesto contra uma situação que sempre denunciou?
Não sei o que se vai passar no sábado, mas uma coisa parece certa: poucas vezes um apelo (aparentemente sem "dono") causou tanta irritação a tanta gente. É isto uma coisa má? Não necessariamente. Como não é má, nem boa, a moção de hoje, apresentada pelo BE, ou a vitória dos "Homens da Luta" na Festival da Eurovisão. São apenas sinais de que alguma coisa está mal na sociedade e que a população anónima começa a estar farta desta classe política. Anda, de facto, alguma coisa no ar...

2011/03/09

De que massa é feito o défice de Estado?

Depois de ler notícias como esta, publicada no Público de hoje, ficamos a cismar. A referida notícia dá-nos conta do estado de falência técnica da PJ e revela problemas que colocam seriamente em causa a capacidade de actuação daquele organismo. São factos perturbantes como a brutal redução de quadros e o estado de calamidade a que chegou a frota automóvel desta instituição. Dois terços dessa frota estará parada por falta de manutenção, mas mesmo muitos dos veículos a circular não passariam numa vulgar inspecção.
Temos de perguntar de que raio é feito o défice do Estado, porque parece que em muitas instituições se vive em "contenção" há muito, muito tempo... Em que áreas foi então gasto o dinheiro, uma vez que, ao que parece, há atribuições absolutamente básicas do Estado que não estão a ser cumpridas por falta de verba?

O discurso do Presidente

Eu, se fosse um jovem desta nova geração, depois de ouvir um discurso de tomada de posse do Presidente da República como aquele que ouvi hoje, estaria mais à rasca que nunca...

2011/03/08

Wikileaks: 100 dias do Cablegate

 Ler aqui o editorial que marca os 100 dias do Cablegate, a "mais significativa revelação na história da geopolítica", de acordo com os seus autores.

2011/03/07

O grupo de trabalho

Quando ouço falar de grupo de trabalho logo penso que o trabalho que o grupo teria — ou terá, que eles estão para durar e crescer com o emagrecimento do Estado, pois não há nada para oferecer às clientelas que não seja temporário agora e fora dessa “eternidade” que era entrar para o quadro — de desenvolver está, logo no seu arranque de existência, suspenso pelas mil e uma contingências que fazem com que os grupos de trabalho sejam grupos de destrabalho. Só para se encontrar o tempo comum de trabalho neste tipo de grupos há desde logo todo o tipo de impossibilidades, pois grupo de trabalho quer na realidade dizer menos que part-time, biscate, desencontro regulado, qualquer coisa no meio de levar as crianças à escola ou de as trazer da escola e levar ao inglês, ou de ir de fim-de-semana prolongado para a casa do Alvito ou a Madrid ao Prado, ou mesmo do casamento da prima e por aí adiante.
Em primeiro lugar a questão da necessidade: um grupo de trabalho deve ser uma organização extraordinária para tratar de uma questão extraordinária e não uma associação de promovidos de circunstância a tratar de questões ordinárias. Ninguém de boa cepa e saúde mental pode aceitar que um Estado Democrático não cubra organizada e organicamente, através de serviços específicos, questões como as que se relacionam com a nossa identidade, chame-se a isso património imaterial ou património material. É inaceitável que não existam serviços permanentes do Estado a tratar da nossa memória global como da nossa vida futura, numa perspectiva prospectiva. Saberão o que isso é? É para o país o mesmo que a história nacional é para os portugueses que crescem na escola pública – pública sim, porque a privada, pode ser inglesa, chinesa, o que os privados entenderem legitimamente, podendo nelas decidir dar apenas a história dos mandarinatos, golfe e como chupar sumos frescos pela palhinha.
Em segundo lugar a questão do recrutamento: muitas vezes não se escolhem pessoas para integrar um grupo de trabalho que sejam competentes, idóneas, independentes, especializadas no trabalho em questão e finalmente com provas de produtividade dadas, isto é, com obra e não com currículo de funções apenas, cargos, proximidades electivas, primos no partido. Mostra-me a tua pintura, não me mostres o cartão do partido, já dizia o outro.
Em terceiro lugar os grupos de trabalho, sendo extraordinário, deve concentrar em si questões candentes das necessidades nacionais extraordinárias como trabalho, isto é, desenvolvimento de soluções de mudança para melhor – a maior parte das vezes muda-se para pior, as gerações que se têm sucedido, quanto mais escolarizadas menos capazes de agir e menos metódicas, eficazes, perdidas na ficção online ou na desconexão mental, na incapacidade de focarem um território, de sequer terem a capacidade de organizar uma reunião como produtividade e não como diletantismo anacrónico e passatempo (não se fala aqui de investigação e de pesquisa em áreas de ponta, pois este tipo de elites e organizações mantém uma patamar de rigor nos projectos que não existe em mais lado algum, o mesmo sucedendo em alguns serviços públicos).
Em quarto lugar os grupos de trabalho devem fazê-lo, ao trabalho, sem gratificação de algum tipo, dado que a maior parte das vezes são emprego acumulado mesmo que temporário. Devem, isso sim, ter as despesas pagas. Em alternativa, caso a relevância do caso se justifique, devem exercer a função temporária em termos de exclusividade. Isso é que é servir o país e não chular o Estado.
Em quinto lugar devem ter plano e prazos pré estabelecidos e não surgir no meio do desejo vago de resolver uma coisa não delimitada quanto ao quadro material de execução, datas, objectivos, etc. Quem cria o grupo de trabalho tem de saber porque cria o grupo de trabalho e não criar o grupo de trabalho para que o grupo de trabalho descubra aleatoriamente para que existe no meio de uma qualquer deriva.
Em sexto lugar e em nome do trabalho liquidem-se os grupos de trabalho, apetece dizer.
Da minha experiência de ter integrado a 11ª Comissão para a reforma do Ensino Artístico – trabalho não remunerado – a convite do Professor Rui Nery declaro o seguinte: as conclusões para lá andam, no Ministério da Educação e não serviram para nada. Depois desse trabalho, feito por pessoas generosas e sem pagamento, repito, surgiram outras comissões, a 12ª por certo e não sei se mais, perdi-lhes o rasto pois a certa altura são clandestinas, trabalham para a sua própria existência improdutiva em circularidade becketiana.
O problema disto tudo? Inconsistência ética e impreparação profissional, o que é mortal. A que se deve? À comercialização de todas as esferas da existência e à sujeição à “ética” do mercado, o tal que tudo regula pela concorrência competitiva mesmo que isso se faça à custa da destruição planetária, em doses de catástrofe regulada, claro. Isso faz a cabeça dos governantes e dos governados, tudo é negócio. Não há função de Estado que não seja negócio e não se argumente como economia, mercados, bens transaccionáveis e etc. Como poderá sobreviver o país das décimas, das brincas, da guitarra campaniça, dos caretos, etc., das rosas ramalhos que estão por vir também, sem que, em nome da sacrossanta rendibilidade e sustentabilidade (falta um alavancar aqui, esse verbo que cheira a pétalas) lhe ponham em cima a força bruta do que para ser turístico é pintado de fresco e repleto de flic-flac’s de amabilidade de cerviz dobrada, como aliás a história e o presente demonstram quando, sob uma ruína nova, surge a preciosidade anterior, ou quando sobre uma duna, uma arriba ou um leito natural se erguem aldeias turísticas e vivendas tipo senhorial. O problema é que o turismo, essa colonização global pelos mesmos padrões, é o mesmo mundo que tudo transforma em 3, 4 e 5 estrelas (às 6 chegam só os donos do mundo) o mesmo mundo mascarado de outros mundos. O desaparecimento das raízes dos mundos que se vendem como outros para supostamente sobreviverem é a sua destruição, a sua conversão em bordel ou casino, ou se se preferir em casino e bordel.
Então que dizer dos mundos dos bens imateriais coitados? Não se dá por eles, como poderão sobreviver à invisibilidade nos tempos da ditadura da visibilidade.
E não haverá dessas coisas no Centro Comercial? Faça-se um grupo de trabalho para averiguar.

2011/03/06

Incertezas e desafios

Há dias, o dr. Jorge Sampaio declarou numa conferência que teve lugar no Porto: "Portugal está em apuros". Não sei a que "Portugal" o ex-Presidente da República se referia. Não sei se falava do "meu" Portugal, que está efectivamente à rasca e não sabe para onde se há-de virar, ou se de um outro "Portugal", o dos banqueiros, gestores milionários, oportunistas e especuladores, a quem a crise, misteriosamente, poupa ou trata com grande suavidade. Não sei se falava do "meu" Portugal que se vai queixando para dentro, ou se de um outro, o dos média controlados pelos banqueiros, gestores milionários, oportunistas e especuladores, que transformam os seus interesses de forma despudorada em doutrina do Estado, arrebanhando os megafones todos para nos fazer crer que o fazem em nome do nosso interesse, em nome do interesse do "meu" Portugal. Não sei se se referia ao "meu" Portugal sem voz, ou o dos desavergonhados que, a soldo de banqueiros, gestores milionários, oportunistas e especuladores, a toda a hora emitem grande soma de opiniões, mais doutas certamente que as minhas porque, a eles, os microfones e as câmaras os procuram constantemente e com grande sofreguidão para  colher essas opiniões que depois se transformam na coisa. Não sei se o "Portugal" do dr. Sampaio é o dos banqueiros, gestores milionários, oportunistas e especuladores, cujo estatuto resulta também da total impunidade e regabofe que grassa no exercício da justiça, ou se é o daqueles que são vítimas de tudo isso. Não sei se o "Portugal" que o dr. Sampaio classifica "em apuros" é o Portugal dos banqueiros, gestores milionários, oportunistas e especuladores, malandrins que cometem as mais inconfessáveis malfeitorias públicas ou o outro, o "meu" Portugal que as acaba sempre por pagar e que por isso... está em apuros. Não sei se o "Portugal em apuros" será o daqueles que têm um iate de 24 m e agora têm de tomar a grave decisão de reduzir para um de 17 m, certamente um momento de verdadeiro apuro para eles...
Não querendo perturbar a bonomia do dr. Sampaio, nem a languidez do seu retiro, deixava-lhe contudo um desafio para, quando achar conveniente, precisar melhor a que raio de Portugal se referiu ele na sua arenga.