2012/03/16

Onde se fala de outras interpretações para o conceito de volatilidade

A proposta de criação de uma comissão para averiguar o caso BPN, apresentada pelo BE, tinha como objectivo esclarecer todo este nebuloso assunto. Foi chumbada pela maioria, como se sabe. Seguiu-se-lhe uma outra de autoria do PS que, ao abrigo de procedimentos do Regimento da AR, não carecia de aprovação em plenário. Por isso, a maioria antecipou-se e propôs uma outra comissão, com um pequeno pormenor: remetia o início da sua entrada em funcionamento para depois de concluída a privatização.
O assunto causou, aparentemente, polémica. E, no final, depois de horas de discussão, no meio de alegadas ameaças de demissão e sentimentos de "crispação" entre os deputados, lá se criou uma única comissão.
Digo que o assunto causou "aparente" polémica porque, desconfiado como sou, fico com a sensação de que o consenso obtido ontem, as cedências feitas e a convergência de objectivos na criação de uma única comissão não passam, na realidade, de uma manobra para deixar tudo na mesma. O proto-evanescente caso BPN —a "maior fraude do século", como lhe chamam— é como o negócio da gasolina, segundo o presidente da Galp: volátil.
Em suma: much ado about nothing, para usar a imagem de Shakespeare...

2012/03/14

A estatística é uma batata

O Secretario de Estado da Saúde acusa "dirigentes partidários" de demagogia quando estes afirmam que o aumento do número de mortes por causa da gripe se fica a dever aos cortes na saúde e à diminuição dos recursos dos doentes. De facto não vi ainda estudos que sustentem essa tese. Admitamos portanto que o SES tem razão...
Ora, o SES cita números de 2008, supostamente relativos ao total de mortos por causa da gripe, e diz que são idênticos aos deste ano. Conclui, analisando apenas o número de mortes, sem contemplar outras variáveis, que este carácter excepcional da mortalidade deveria então aplicar-se (!) a esse ano. E admoesta os "dirigentes partidários" dizendo "que têm que ter muito cuidado relativamente às afirmações que fazem para não criar alarme e demagogia."
Para Fernando Leal da Costa a estatística é uma batata e o rigor tem dias.
Por que razão houve um pico em 2008? Estamos falar da mesma estirpe de vírus? Se, nesses e noutros aspectos, os números são comparáveis, onde estão então os estudos que comprovam que em 2012 é inequívoco que a mortalidade fora de comum não se deve mesmo ao facto de as pessoas não terem agora dinheiro para comprar medicamentos ou para se deslocarem aos centros de saúde, como faziam antigamente?
Quem, com um raio, é este Leal da Costa? Quem é que está a ser demagogo?

Sobre a volatilidade da comercialização de produtos voláteis

É um verdadeiro escândalo aquilo que se passa com os preços da energia em Portugal. Por mais voltas que se tente dar para perceber as razões que levam os preços dos combustíveis, da electricidade e outros, a atingir estes valores criminosos que temos hoje, deparamos sempre com um novelo intrincado. Ao tentar desembrulhá-lo a única coisa que se nos revela é um outro sistema fiscal, escondido, por detrás do sistema, já de si terrorista, aprovado no Orçamento de Estado. Um sistema que recorre a uma plêiade de outros instrumentos como a factura da electricidade, as taxas "moderadoras" na saúde, as portagens, etc.. Um contributo, nosso, uma verdadeira inovação, na vetusta arte da administração fiscal: a economia paralela de estado.
A novela "eléctricas"promete (leia aquiaqui, por exemplo). Mas há outras novelas e outros artistas.
O presidente da Galp dizia ontem à TSF que "estamos a viver num período de alta volatilidade, o negócio de produtos petrolíferos é totalmente globalizado, portanto, os preços não são definidos nem condicionados pela economia portuguesa." Pois... Não sei se a expressão utilizada "alta volatilidade" tem a ver com o produto ou se se trata de fazer humor negro. O que sei é que olhando para os preços no estrangeiro e em Portugal, comprovando as discrepâncias brutais de preços nas bombas, que cá se registam (repare-se, por exemplo, nas diferenças inexplicáveis de preço em bombas de gasolina urbanas e rurais, entre bombas situadas numa autoestrada e numa estrada normal, a escassas dezenas de metros, por vezes, uma da outra, ou nas diferenças entre os preços praticados pela omnipresente Galp e as outras), verificando o gráfico da progressão do aumento dos combustíveis, o termo volátil vem, sem dúvida, à mente...
Ferreira de Oliveira mostrou-se também preocupadíssimo com os postos de venda. Haverá centenas em perigo, o negócio escasseia, a situação é, concorda o presidente da ANAREC, grave, 250 postos de venda terão encerrado nos últimos dois anos e 300 estão em vias de encerrar. Perto de 2 500 postos de trabalho irão perder-se. Ferreira de Oliveira fala num tom que mais parece querer dizer que, mandasse ele, iríamos todos nós, desavergonhados sem sentido patriótico, ser obrigados a comprar mais gasolina, ainda mais cara, para que o sector se pudesse salvar.
Tudo isto se passa sem aparente controlo, sem visão estratégica, com o Estado em intrigante ponto morto, em nome sabe-se lá de que misteriosos desígnios.
Entretanto os preços dos combustíveis em Portugal estão "em linha com o resto da Europa," constata o Secretário de Estado da Energia (*). Claro que se exigiria mais neste domínio de uma economia que se pretende mais competitiva do que a do resto da Europa, mas para quê ser tão picuinhas? Há sempre a componente salarial para equilibrar a competitividade, constatamos nós.
A economia afunda-se, o preço dos combustíveis, um dos factores que mais contribui para a fraca produtividade da economia portuguesa, não pára de aumentar. O negócio dos combustíveis, esse, baixa, os comerciantes do sector fecham as portas e despedem pessoal, os portugueses arrumam os carros, as empresas tentam fazer reflectir nos preços dos produtos o preço irracional dos combustíveis e, com isso, afundam-se e afundam ainda mais uma economia já quase em hipotermia. O Estado deve certamente perder, na diminuição do negócio e nos encargos que terá de suportar com os despedimentos, o que ganha nos impostos (a componente mais pesada da factura da gasolina que pagamos; 60% no caso da gasolina e 50% no do gasóleo.)
É assim a liberalização dos preços, é assim a globalização, é, enfim, assim a volatilidade. São assim os estranhos caminhos da gestão...

(*) Não sei que "linha" é esta, mas, no caso dos combustíveis, deve-se escrever direito por "linha torta". Diz-se que a nossa é a gasolina mais cara dos 27...

2012/03/13

Da Grécia, com cultura

Pesem as notícias devastadoras que, por estes dias, nos chegam sobre a Grécia, o contrário também é verdade. E as boas notícias, ainda que menos espectaculares, surgem através da cultura. Assim e em voo de pássaro, registamos três momentos - dois musicais e um filmico - dignos da melhor tradição popular e clássica deste país-berço da civilização ocidental, a decorrerem entre nós.
Teve início em Guimarães, com a estreia mundial do concerto "Periplus" (deambulações luso-gregas), um projecto de Amélia Muge e Michales Loukovikas, posteriormente apresentado em Lisboa e, recentemente, editado num album que continua a ser divulgado por todo o país. Uma parceria inusitada, onde se revela o melhor de ambas culturas, cantado por dois intérpretes de excepção.
Igualmente a decorrer, está a retrospectiva "Elegia da Viagem" (A Grécia de Theo Angelopoulos), um tributo da Cinemateca Portuguesa a este realizador maior do cinema contemporâneo, recentemente falecido. O ciclo concentra-se nas duas primeiras décadas da obra de Angeloupolos e nele serão apresentados dez filmes, oito dos quais nunca estreados em Portugal. Destaque para "Dias de '36" (ontem estreado com a presença da viúva do realizador e da directora da Cinemateca de Atenas), "Reconstrução", "A Viagem dos Comediantes", "Os Caçadores", "Alexandre O Grande", "Viagem a Cítera", "O Apicultor" e "Paisagem na Neblina". O ciclo prolonga-se pelo mês de Abril.
Finalmente, programado para 24 de Março na Gulbenkian, o concerto "Eros Y Muerte" de Angelique Ionatos, conhecida de anteriores visitas ao nosso país. Uma excelente intérprete, esta grega residente em Paris, na melhor tradição de música "Éntekhno" (música de arte) que vem apresentar o seu último trabalho em disco.
Tudo boas razões para ver e crer que, da Grécia, podem também vir boas notícias.

2012/03/11

Cavaco Silva: publicidade enganosa



Os "analistas" dissecaram o tão badalado prefácio de Cavaco Silva, interpretam os seus sinais, exprimiram opiniões e descobriram, pelo caminho, as mais diversas consequências para aquelas 25 páginas que tresandam a maus fígados. O homem é, segundo estes "analistas", ressabiado, mesquinho, mentiroso, cobarde, não tem dimensão para ocupar o lugar que ocupa, apequenou-se com esta acção numa altura em que seria necessário um PR forte, lançou uma iniciativa extemporânea que pode ter efeitos perversos e prejudicar um País fragilizado, etc, por aí fora. As razões parecem ter todas fundamento. De uma modo geral, da direita à esquerda, a acção de Cavaco Silva é condenada com base num convincente conjunto de argumentos que revelam até uma estranhíssima e inusitada concomitância política.
Faltou, no entanto, tanto quanto posso perceber, procurar uma razão plausível para o surgimento deste escrito neste preciso momento. E ela reside num facto a que os "analistas" não deram, nem dão, importância, porque não deram, nem dão, importância à iniciativa que lhe está na origem: é que o "prefácio" surge na semana em que a Petição a pedir a demissão do PR foi apresentada na AR.
O facto de mais de 40 000 cidadãos, daqueles rigorosamente não colunáveis, terem, de uma forma tão naif e espontânea, mas tão categórica, demonstrado que não aprovam a actuação do actual PR e de pedirem, sem papas na língua, rodriguinhos de linguagem, ou malabarismos legalistas, "a sua imediata demissão do cargo de Presidente da República Portuguesa," deve certamente ter criado alguma ansiedade lá para os lados de Belém.
Acontece que o movimento Iniciativa Democrática (criado no Facebook e constituído pelos signatários da Petição) está em plena ascensão, parece ter conquistado aderentes para além daqueles que assinaram a Petição e ameaça tornar-se imparável. Pode causar estragos sérios e profundos na imagem do presidente. Não se sabe até onde tudo isto pode ir. Cavaco defende-se, atacando.
Não concordo com a teoria segundo a qual Cavaco é um simplório, mas probo e imune a influências, personagem político, que ascendeu, em consequência desses seus predicados, ao cargo de PR. Cavaco é tudo menos um simplório. Esta sua imagem foi construída com enorme cuidado e agressividade.
Surtiu efeito. Até agora.
O que um número crescente de cidadãos começa a perceber é que não bate a bota com a perdigota. Os predicados que enfeitam a sua imagem não batem certo com alguns factos, nunca devida e convincentemente explicados, da vida do Presidente da República. Mas, é sobretudo a sua actuação política que se revela um desastre e as incoerências do seu discurso que começam a tornar-se claras para a generalidade dos cidadãos. Cavaco está a revelar-se um exemplo de publicidade enganosa,  incapaz de assegurar o serviço contratado. A pintura começa a esborratar e o edifício habilmente construído apresenta sinais de desmoronamento iminente.
Esqueceram-se dele os "analistas", mas o Movimento criado em torno da Petição ameaça seriamente criar grossa mossa.